No ano de 1950, o crítico cinematográfico francês André Bazin criou a revista Cahiers du Cinéma, referência até hoje. No mesmo ano o arquivista cinematográfico Henri Langois cofundou a Cinémathèque Française, um arquivo cinematográfico que fazia constantes exibições em Paris. Eram os dois passos iniciais para a Nouvelle Vague. A nova onda francesa contaria com críticos da Cahiers du Cinéma que frequantavam regularmente as exibições da Cinémathèque, como: François Truffaut, Jean-Luc Godard, Jacques Rivette e Eric Rohmer.
Cena do longa As Diabólicas, de Henri-Georges Clouzot |
Segundo Haydn Smith (2011), “O jornal
desprezava o cinema francês conservador da época e, no lugar dele, defendia
diretores americanos e o desenvolvimento de uma teoria autoral. A assinatura
reconhecível de um diretor era vista com grandeza”. Na busca pelo cinema
autoral e pela quebra com as regras conservadoras, os novos cineastas foram às
ruas com câmeras portáteis de alta qualidade e películas mais rápidas, o que
permitia utilizar a iluminação natural de qualquer lugar externo. Apesar de
filmes ainda tímidos, tudo se iniciou com longas de Godard, Rivette e Rohmer.
Antes deles, Henri-Georges Clouzot, entretanto, realizou As Diabólicas, sobre suas mulheres que planejam assassinar o
diretor tirano de um internado. Uma, a esposa, a outra, a amante do homem.
Apesar de simples na forma como foi filmado e editado, o longa tem impactos
raros através de planos intimistas e eficazes para a época que, com certeza,
inspirariam Alfred Hitchcock na realização de Psicose. Além disso, as interpretações são marcantes e os
personagens muito bem contruídos com as expressões corporais e faciais. Não é
preciso se falar muito sobre eles em qualquer tipo de introdução, tudo é feito
de forma muito sutil.
Os Incompreendidos, de François Truffaut |
Clouzot, com sua simplicidade e seu estilo
contido, influenciou o cinema do gênero de suspense na época e o influencia até
hoje, entretanto, foi, também, alvo de crítica do novo cinema francês,
justamente por ser um exemplo de filme
de gênero com perda total da autoria e das novidades que o cinema tanto pedia. Em
Hollywood, William Wyler lançava o drama histórico Ben-Hur (1959), e Billy Wilder, a comédia Quanto Mais Quente Melhor (1959). Não era o que o grupo francês
procurava. O que se assemelhava a eles estava muito mais próximo. O cinema
nórtico de Ingmar Bergman e Carl Theodore Dreyer, por exemplo, era uma influência
muito mais positiva, à medida que abordava os questionamentos e a psiqué humana
de forma artística. Apesar de ter sido banido no Festival de Cannes em 1958 por
suas críticas ao cinema francês, Truffaut triunfou no ano seguinte com Os Incompreendidos (1959), era um
prelúdio do que mais tarde seria o verdadeiro estouro da Nouvelle Vague com Acossado (1960) de Godard. Os Imcompreendidos era uma redescoberta
francesa do neorrealismo italiano. Com imagens ao ar livre de um garoto de 13
anos que vive uma infância confusa, é impossível não recordar Ladrões de Bicicleta (1948), de Vittorio
De Sica. A cidade, Paris, torna-se uma personagem tão importante quanto
qualquer ser humano e os questionamentos do jovem Antoine sobre a vida se
intensificam com a montagem acelerada e com movimentos de câmera precisos.
Cena da clássica sequência do apartamento em Acossado, de Jean-Luc Godard |
Em 1960, década em que Bergman, por
exemplo, lançaria alguns de seus mais importantes e significativos filmes,
Jean-Luc Godard apresentou o filme que rompeu com as regras do cinema francês definitivamente.
Acossado é um filme inicialmente
confuso sobre um homem que foge da policia e seu relacionamento com uma jovem.
A medida que o filme se passa, entretanto, o espectador é situado na trama e
começa a fazer parte da história. Para isso, o longa foi feito com câmera na
mão, acompanhando os personagens, abusa na profundidade de campo, e é divido em
três partes, a primeira se dá até o protagonista encontrar sua companheira, a
segunda, até a polícia encontrar a companheira e o sonho dos amantes acabar, e
a terceira é o desfecho trágico, mas esperado. O neorrealismo atacando novamente.
E a cidade, mais uma vez, fala. Fala com seus prédios, suas ruas, seu povo.
Cenas se estendem com diálogos muito marcados e um pouco cansativos, mas até
nisso se vê uma crítica ao cinema clássico onde fala-se muito e conclui-se
pouco. Em Acossado, quando os
personagens não se calam é por que o que tem a dizer é importante, são questões
humanas que permeiam a vida de todos em algum momento.
Cena antológica dos personagens Jules, Jim e Catherine correndo na ponte que, metaforicamente, os leva até o novo, o desconhecido, às surpresas no filme Jules e Jim, também de Truffaut. |
Jules
e Jim
(1962), de François Truffaut, trouxe uma historia inovadora sobre uma mulher e
seus dois amores, Jules e Jim. No enredo, ela acaba escolhendo um deles, se
casa e constrói uma vida com o homem. Todavia, em certo momento, os três se reencontram
e o passado vem à toda. Enquandramentos livres de geometria formal e
poeticamente compostos mostram, além de personagens e suas ações, os espaços
que “abrigam” esses personagens. Mais uma vez, a cidade é Paris, uma personagem
constante nos filmes da Nouvelle Vague. Uma personagem com várias faces, e
nenhuma delas incansável ao gosto do público. Os movimentos de câmera são
precisos em captar os movimentos humanos e os espaços estáticos por onde se
passa. Aqui, ainda há a presença dos diálogos bem compostos que vimos em Acossado, todavia, menos repetitivos,
cansativos e enfadonhos. Os diálogos em Jules
e Jim são mais objetivos e diretos àquilo que se deseja dizer.
Claude Lelouch, Jean-Luc Godard, François Truffaut, Louis Malle e Roman Polanski no 21º Festival de Cannes em 1968 |
A Nouvelle Vague, a nova onda francesa,
foi, sem dúvidas um movimento artístico muito influente. Depois dele, diversos
outros países do globo – influenciados, também, pela explosão internacional da
contracltura dos anos 60 -, aderiram às
suas próprias novas ondas, cada qual descontruindo com as convenções
audiovisuais impostas pelo cinema. Alguns nomes que podem ser citados são:
Bertolucci e Pasolini, na Itália, Polanski, na Polônia, Glauber Rocha, no
Brasil, Win Wenders, R. W. Fassbinder e Herzog, na Alemanha. Os filmes da
Nouvelle Vague não se preocupavam apenas com as interpretações dos atores e com
termos muito técnicos, mas, também, com a “atuação” da câmera, a forma como ela
se comportava e apresentava o espaço e os atores, os outros dois elementos que
constituíram a essência dos filmes da nova onda francesa. Era a forma de, mais
uma vez, a arte estrapolar com regras e eliminar preconceitos através da ainda
tão jovem cinematografia.
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