Nenhum filme faz uma
crítica tão propícia à bandidagem que os brasileiros são obrigados a presenciar
de forma tão inteligente quanto esse.
Nota: 9,6
Título Original:
Tropa de Elite 2 – O Inimigo Agora e Outro
Direção: José Padilha
Elenco: Wagner Moura,
Irandhir Santos, André Ramiro, Milhem Cortaz, Maria Ribeiro, Seu Jorge, Sandro
Rocha, Tainá Müller, André Mattos, Pedro Van-Held, Adriano Garib, Julio Adrião,
Emílio Orciollo Neto, Rodrigo Candelot, Fabrício Boliveira, Marcello Gonçalves
Produção: José
Padilha, Marcos Prado
Roteiro: Bráulio
Mantovani, José Padilha e Rodrigo Pimentel
Ano: 2010
Duração: 115 min.
Gênero: Drama /
Thriller / Ação
Após alguns
incidentes envolvendo bandidos no presido de Bangu, o BOPE e um militante dos
direitos humanos, o até então Capitão Nascimento se torna, a partir desse
filme, o Tenente-Coronel da Polícia Militar do Rio de Janeiro e Subsecretário
de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro. Como tal,
sua obrigação é a de monitorar todos os grampos telefônicos existentes no
estado. No entanto o problema não se concentrará apenas nas descobertas de
Nascimento a respeito do sistema, além dos problemas com o filho, o definitivo herói
terá de encarar a realidade de que todos que ama e tudo o que preza estão em
perigo, e é aí que a coisa se tornará pessoal.
Só pra curiosidade, o pôster da versão americana do filme. |
Esse filme não é
apenas uma simples denúncia à corrupção que ocorre no estado do Rio de Janeiro,
ele abrange o país todo e critica dezenas de problemas de que o povo brasileiro
não faz ideia ou tem coragem de confrontar. Durante a trama vemos cenas que,
apesar de absurdas, são comuns em nosso país: em diversos momentos, bandidos
conversam naturalmente com políticos, cada um exigindo os favores mais
inacreditáveis; as favelas são palcos de literais chacinas em verdadeiras
guerras travadas entre polícias e bandidos, o difícil é destingir uns dos
outros; a falta de escrúpulos dos políticos em tratarem a população apenas como
eleitores e se preocuparem apenas com seus futuros em suas carreiras; policiais
deixando de ser policiais para virarem apenas bandidos, alguns nem deixando a
nobre profissão de lado; a incessante batalha entre políticos e mídia, essa
última tendo milhares de cartas nas mangas, mas recusando-se a utilizá-las, por
medo, precaução, ou negociação; e ainda um momento muito particular em que dois
bandidos queimam corpos de vítimas e retiram seus dentes para garantir que
ninguém os identifique. Ainda podemos conferir momentos mais íntimos da vida de
Nascimento, como os problemas advindos da relação com seu filho, sua ex-esposa
e o atual marido dela que, por sinal, é o tal militante dos direitos humanos
que vai totalmente contra as políticas do BOPE.
“Mesmo assim, o
sistema continua de pé. O sistema entrega a mão para salvar o braço. O sistema
se reorganiza, articula novos interesses. Cria novas lideranças. Enquanto
condições de existência do sistema estiverem aí, ele vai resistir. Agora me
responde uma coisa, quem você acha que sustenta tudo isso? É, e custa caro,
muito caro. O sistema é muito maior do que eu pensava. Não é a toa que os
traficantes, os policiais e os milicianos matam tanta gente nas favelas, não é
a toa que existem tantas favelas. Não é a toa que acontece tanto escândalo em
Brasília que entra Governo, sai Governo e a corrupção continua. Pra mudar as
coisas vai demorar muito tempo, o sistema é foda. Ainda vai morrer muito
inocente.”
Palavras do Capitão Nascimento
José Padilha, diretor
dos documentários “Ônibus 147” (2002), “Brazil’s Vanishing Cowboys” (2003), “
Garapa” (2009) e “Secrets of the Tripe” (2010) e do primeiro “Tropa de Elite”
(2007), é roteirista, produtor e diretor desse filme. Particularmente não
gostei muito do primeiro, não que ele seja mal feito, apenas não faz parte do estilo
de filmes que costumo gostar, como um todo ambos tem qualidade e nos dois
Wagner Moura é um assombro como Roberto Nascimento, mas o trabalho realizado
por todos nesse segundo filme é maravilhoso. Como diretor, Padilha é perfeito
mesmo utilizando câmera de mão em vários momentos, durante o filme temos
excelentes escolhas de ângulos e apenas vemos cenas clichês quando realmente
necessário, tornando-as sequências muito bem-vindas. Além de Padilha, o roteiro
é assinado por Rodrigo Pimentel, que escreveu o primeiro também, e Bráulio
Mantovani, de “Cidade de Deus” (2002), “O Ano em que Meus Pais Saíram de
Férias” (2006) e “Tropa de Elite”; durante todo o enredo a história permanece
eletrizante e nada confusa, além disso, eles optaram pela narração em off da
personagem principal, o que enriqueceu e glorificou todo o filme. Pedro
Brofman, também do primeiro filme, é o compositor da trilha sonora fantástica
que ouvimos o tempo todo, como um bom brasileiro, ele mistura diversos estilos,
como rock, pop, funk, MPB, RAP, samba, e até música orquestrada.
Wagner Moura iniciou
sua carreira apenas em 1999, mas desde então já demonstrou ser um dos melhores
atores da atualidade brasileira, Moura é simples e convence em cada um de seus
papéis, provavelmente nenhum trouxe tanto prestígio e admiração quanto sua
representação de Roberto Nascimento. Desde o primeiro filme, ele se tornou
adorado por público e crítica, pessoalmente, admiro seu trabalho principalmente
após a novela “Paraíso Tropical” (2007); seu trabalho como protagonista no
segundo filme é fantástico, ele consegue demonstrar de forma perfeita os
relacionamentos com o filho, a ex e o atual da ex, se mostra firme e bem
resolvido em suas decisões, mas jamais deixa de ser um pai, bem como nunca
perde a essência de outrora, quando foi o inigualável Capitão nascimento. Além
dele, temos no elenco ainda nomes fortes, como a volta de André Ramiro, como o
agora Capitão André Matias; seu personagem se revolta com tudo o que acontece e
resolve colocar a boca no mundo, mas nada ocorre como o planejado. Volta também
a atriz Maria Ribeiro, que interpreta Rosane, a ex-mulher de Nascimento, a
típica ex-mulher que, apesar de respeitar o ex-marido, o julga por tudo o que
ele faz e o afasta do filho. Ainda temos Sandro Rocha e Milhem Cortaz, aqui
ambos fazem a vez dos policiais corruptos que não ligam para o povo e só se
preocupam com o próprio bem e com a conta bancária. De novo, a participação
excelente do conhecido cantor Seu Jorge, que vive o bandido Beirada com uma
realidade assustadora; Tainá Müller, a jornalista Clara (particularmente, acho
essa atriz ótima); Irandhir Santos, o militarista que defende os direitos
humanos; e, por fim, André Mattos, como o apresentador Fortunato, e não há
outra definição senão dizer que o papel caiu como uma luva no ator; ele é
nojento e repugnante, de uma forma inexplicável.
Apesar de o filme ter
feito sucesso no mundo todo, por um lado foi elogiado por toda a crítica e os
sites mais bem conceituados referentes à sétima arte terem dado notas altíssimas
para ele, a trama não agradou muitas premiações e, injustamente, ficou fora do
Oscar de melhor filme estrangeiro. No entanto, a qualidade dos filmes não é
medida por quantos prêmios venceu ou deixou de vencer, claro que se pode ter
uma ideia por essa perspectiva, mas o número de injustiçados costuma ser bem
maior que os que realmente mereciam. Apesar dessa rejeição de prêmios e de o
primeiro filme ser bem menos agradável e de qualidade inferior, o fato é que
esse filme é tão foda quanto o sistema que a personagem principal combate
incansavelmente, afinal, assim como ocorreu comigo e com milhares de pessoas,
“Tropa de Elite, osso duro de roer, pega um, pega geral, também vai pegar
você”.
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