sexta-feira, 23 de outubro de 2015

A NOVA ONDA FRANCESA: Uma breve análise sobre os diferentes filmes da Nouvelle Vague

No ano de 1950, o crítico cinematográfico francês André Bazin criou a revista Cahiers du Cinéma, referência até hoje. No mesmo ano o arquivista cinematográfico Henri Langois cofundou a Cinémathèque Française, um arquivo cinematográfico que fazia constantes exibições em Paris. Eram os dois passos iniciais para a Nouvelle Vague. A nova onda francesa contaria com críticos da Cahiers du Cinéma que frequantavam regularmente as exibições da Cinémathèque, como: François Truffaut, Jean-Luc Godard, Jacques Rivette e Eric Rohmer.


Cena do longa As Diabólicas, de Henri-Georges Clouzot
Segundo Haydn Smith (2011), “O jornal desprezava o cinema francês conservador da época e, no lugar dele, defendia diretores americanos e o desenvolvimento de uma teoria autoral. A assinatura reconhecível de um diretor era vista com grandeza”. Na busca pelo cinema autoral e pela quebra com as regras conservadoras, os novos cineastas foram às ruas com câmeras portáteis de alta qualidade e películas mais rápidas, o que permitia utilizar a iluminação natural de qualquer lugar externo. Apesar de filmes ainda tímidos, tudo se iniciou com longas de Godard, Rivette e Rohmer. Antes deles, Henri-Georges Clouzot, entretanto, realizou As Diabólicas, sobre suas mulheres que planejam assassinar o diretor tirano de um internado. Uma, a esposa, a outra, a amante do homem. Apesar de simples na forma como foi filmado e editado, o longa tem impactos raros através de planos intimistas e eficazes para a época que, com certeza, inspirariam Alfred Hitchcock na realização de Psicose. Além disso, as interpretações são marcantes e os personagens muito bem contruídos com as expressões corporais e faciais. Não é preciso se falar muito sobre eles em qualquer tipo de introdução, tudo é feito de forma muito sutil.

Os Incompreendidos, de François Truffaut
Clouzot, com sua simplicidade e seu estilo contido, influenciou o cinema do gênero de suspense na época e o influencia até hoje, entretanto, foi, também, alvo de crítica do novo cinema francês, justamente  por ser um exemplo de filme de gênero com perda total da autoria e das novidades que o cinema tanto pedia. Em Hollywood, William Wyler lançava o drama histórico Ben-Hur (1959), e Billy Wilder, a comédia Quanto Mais Quente Melhor (1959). Não era o que o grupo francês procurava. O que se assemelhava a eles estava muito mais próximo. O cinema nórtico de Ingmar Bergman e Carl Theodore Dreyer, por exemplo, era uma influência muito mais positiva, à medida que abordava os questionamentos e a psiqué humana de forma artística. Apesar de ter sido banido no Festival de Cannes em 1958 por suas críticas ao cinema francês, Truffaut triunfou no ano seguinte com Os Incompreendidos (1959), era um prelúdio do que mais tarde seria o verdadeiro estouro da Nouvelle Vague com Acossado (1960) de Godard. Os Imcompreendidos era uma redescoberta francesa do neorrealismo italiano. Com imagens ao ar livre de um garoto de 13 anos que vive uma infância confusa, é impossível não recordar Ladrões de Bicicleta (1948), de Vittorio De Sica. A cidade, Paris, torna-se uma personagem tão importante quanto qualquer ser humano e os questionamentos do jovem Antoine sobre a vida se intensificam com a montagem acelerada e com movimentos de câmera precisos.
Cena da clássica sequência do apartamento em Acossado, de Jean-Luc Godard
Em 1960, década em que Bergman, por exemplo, lançaria alguns de seus mais importantes e significativos filmes, Jean-Luc Godard apresentou o filme que rompeu com as regras do cinema francês definitivamente. Acossado é um filme inicialmente confuso sobre um homem que foge da policia e seu relacionamento com uma jovem. A medida que o filme se passa, entretanto, o espectador é situado na trama e começa a fazer parte da história. Para isso, o longa foi feito com câmera na mão, acompanhando os personagens, abusa na profundidade de campo, e é divido em três partes, a primeira se dá até o protagonista encontrar sua companheira, a segunda, até a polícia encontrar a companheira e o sonho dos amantes acabar, e a terceira é o desfecho trágico, mas esperado. O neorrealismo atacando novamente. E a cidade, mais uma vez, fala. Fala com seus prédios, suas ruas, seu povo. Cenas se estendem com diálogos muito marcados e um pouco cansativos, mas até nisso se vê uma crítica ao cinema clássico onde fala-se muito e conclui-se pouco. Em Acossado, quando os personagens não se calam é por que o que tem a dizer é importante, são questões humanas que permeiam a vida de todos em algum momento. 

Cena antológica dos personagens Jules, Jim e Catherine correndo na ponte que, metaforicamente,
 os leva até o novo, o desconhecido, às surpresas no filme Jules e Jim, também de Truffaut. 
Jules e Jim (1962), de François Truffaut, trouxe uma historia inovadora sobre uma mulher e seus dois amores, Jules e Jim. No enredo, ela acaba escolhendo um deles, se casa e constrói uma vida com o homem. Todavia, em certo momento, os três se reencontram e o passado vem à toda. Enquandramentos livres de geometria formal e poeticamente compostos mostram, além de personagens e suas ações, os espaços que “abrigam” esses personagens. Mais uma vez, a cidade é Paris, uma personagem constante nos filmes da Nouvelle Vague. Uma personagem com várias faces, e nenhuma delas incansável ao gosto do público. Os movimentos de câmera são precisos em captar os movimentos humanos e os espaços estáticos por onde se passa. Aqui, ainda há a presença dos diálogos bem compostos que vimos em Acossado, todavia, menos repetitivos, cansativos e enfadonhos. Os diálogos em Jules e Jim são mais objetivos e diretos àquilo que se deseja dizer.

Claude Lelouch, Jean-Luc Godard, François Truffaut,
Louis Malle e Roman Polanski no 21º Festival de Cannes em 1968 
A Nouvelle Vague, a nova onda francesa, foi, sem dúvidas um movimento artístico muito influente. Depois dele, diversos outros países do globo – influenciados, também, pela explosão internacional da contracltura dos anos 60 -,  aderiram às suas próprias novas ondas, cada qual descontruindo com as convenções audiovisuais impostas pelo cinema. Alguns nomes que podem ser citados são: Bertolucci e Pasolini, na Itália, Polanski, na Polônia, Glauber Rocha, no Brasil, Win Wenders, R. W. Fassbinder e Herzog, na Alemanha. Os filmes da Nouvelle Vague não se preocupavam apenas com as interpretações dos atores e com termos muito técnicos, mas, também, com a “atuação” da câmera, a forma como ela se comportava e apresentava o espaço e os atores, os outros dois elementos que constituíram a essência dos filmes da nova onda francesa. Era a forma de, mais uma vez, a arte estrapolar com regras e eliminar preconceitos através da ainda tão jovem cinematografia.

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