A alegoria de Wes Anderson em um filme de perseguição e revelações familiares
O lendário Gustave H. trabalha como
concierge no famoso Grande Hotel Budapeste. Charmoso e simpático, o concierge
tem uma vida agitada, envolvendo-se sexualmente com as hóspedes mais estimadas
e distintas, idosas ricas, inseguras, vaidosas, superficiais, carentes e
louras. Sempre louras. Eis que sua vida muda com a chegada do jovem Zero
Moustafa, o novo garoto de recados. Mas a mudança não vem pela chegada do
empregado, e sim pela morte de uma de suas amantes. Milionária e cercada de
invejosos e interesseiros, Madame D. é assassinada e o acusado é o próprio
Gustave, que recebeu um quadro de valor inestimável como herança.
A aventura escrita e dirigida por Wes
Anderson (que teve os escritos de Stefan Zweig como inspiração e a ajuda de
Hugo Guinness) é repleta de mistério e confusões. A diferença com outros filmes
que segue essa linha é que Anderson e Guinniss criaram uma história metafórica
muito concisa. Tudo é contado por Zero Moustafa que, por algum motivo, se tornou
o dono do Grande Hotel Budapeste. Décadas depois de conhecer Gustave, Moustafa
está hospedado no hotel, quase uma ruína que está prestes a ser demolida. Os
anos de grandiosidade do Budapeste já passaram, e ele se tornou apenas um hotel
grande demais, com histórias demais, funcionários demais e hóspedes de menos.
Um jovem escritor, assim sendo, acaba por ouvir as histórias do rico Zero
Moustafa sobre como ele chegou até ali. A narrativa poderia ser cansativa,
repetitiva, sem graça e surreal demais. Mas não é. Anderson satiriza filmes de
perseguição e mistério com uma sutileza ímpar, sem perder a essência da
curiosidade provocada no espectador. Personagens sempre muito diferentes são
inseridos e todos parecem ter um espaço necessário na trama que envolve Gustave
e Moustafa. Personagens essenciais para que os mistérios sejam resolvidos e
para que o desfecho seja preciso.
Esse filme, entretanto, não destoa dos
demais trabalhos do diretor. Como “Os Excêntricos Tenenbaums” (2001), “ A Vida
Marinha com Steve Zissou” (2004) e “Moonrise Kingdom” (2012). “O Grande Hotel
Budapeste” possui direção de fotografia e de arte deslumbrantes. Cada
enquadramento parece uma verdadeira obra de arte, como os quadros feitos por
grandes pintores muito clássicos que usam cores muito saturadas e específicas à
sua maneira, com personagens muito bem centralizados e equilíbrios em todos os
sentidos. Geralmente, a câmera está parada ou apenas acompanha os movimentos
dos personagens, caracterizando os movimentos (como bruscos ou suaves) conforme
a tensão da câmera exige. Os planos são sempre muito simétricos, com os
personagens como elementos centrais e objetos (ou personagens secundários)
muito bem posicionados ao seu redor, ou detalhes nas paredes e no teto que
tragam essa simetria. A direção de fotografia é de Robert D. Yeoman, fotógrafo
de dezenas de filmes impressionantes, trabalhando com Wes Anderson em todos os
seus longas metragem em live action desde “Pura Adrenalina” (1996), primeiro
longa do cineasta.
O contexto clássico referente à
arquitetura do hotel ajuda a preservar tal simetria, entretanto, isso também se
deve ao trabalho magnífico da direção de arte assinada por Stephen Gessler e
supervisionada por Gerald Sullivan. Apesar de esse ser o primeiro trabalho de
Gessler e Anderson (Sullivan trabalhou com o diretor em “Moonrise Kingdom”), as
caracteríticas visuais dos demais filmes do cineastas são lembradas aqui. A
diferença é que Gessler opta por cores mais vibrantes (como vermelho, o roxo, o
azul), contrapondo-as ou relacionando-as o tempo todo. Sobre a simetria,
pode-se obervar o posicionamento de objetos de forma muito perfeita. Cada
cômodo do hotel (desde o pequeno quarto de Zero Mustafa até o grande salão de
jantar) são muito harmônicos, o que pode ser verificado a cada quadro. Além
disso, o figurino de Milena Canone é um escândalo. Não é para menos, a
figurinista assinou as roupas usadas em clássicos como “Laranja Mecânica”
(1971), “O Iluminado” (1982), “Entre Dois Amores” (1985) e “O Poderoso Chefão –
Parte III” (1990), sendo indicada ao Oscar oito vezes e vencendo em três delas.
Cada roupa usada pelas dezenas de personagens apresentados em “O Grande Hotel
Budapeste” casam com suas respectivas personalidades e reagem conforme o espaço
onde estão. A movimentação dos personagens também é muito precisa e contribui para
a perfeição simétrica dos quadros.
Alguns acreditam que a trilha sonora de
um filme só é ideal quando ela se torna “invisível”, ou seja, quando o sonoro
complementa o visual, não distanciando o espectador daquilo que ele está vendo.
Contudo, a sonoridade também não pode passar despercebida, logo, o espectador
deve reconhecê-la, mas não ater-se apenas a ela em detrimento do restante da
produção. E vise-e-versa. Poucos filmes que tenha assistido nos últimos anos
conseguem isso. Em sua grande maioria, compositores pretenciosos demais querem
se mostrar tão gloriosos quanto o filme para o qual estão compondo, em outros
casos, compositores fracos demais não dão conta do recado e sua trilha não se relaciona
direito com o filme, muitas vezes, atrapalhando o resultado final. Ainda
existem os longas prejudicados pela fama do compositor, que deixa todas as suas
trilhas sonoras muito características. Ao longo de sua carreira, Alexander
Desplat tem mostrado que está no grupo dos grandes compositores que,
surpreendentemente, se contentam em usar a trilha sonora para destacar as tensões
de um filme, revelar o que se passa no interior dos personagens, aqueles que
sabem distinguir filmes onde a trilha sonora deve ser um persongem e filmes em
que deve acompanhar a narrativa. Aqui, Desplat não faz diferente e traz uma
trilha simples, mas que casa com perfeição com o longa.
Wes Anderson conquistou, ao longo dos
anos, não apenas a admiração do público e da crítica, mas dos atores com o qual
trabalhou (e dos que nunca trabalhou também). Assim sendo, sem dúvida, o
diretor reuniu, para este filme, o elenco mais estrelar e competente visto nos
últimos anos, onde até mesmo os coadjuvantes que aparecem pouco mais de um
minuto são atores renomados. No elenco central, estão Ralph Fiennes (M.
Gustave), Tony Revolori (jovem Zero Moustafa), F. Murray Abraham (Zero Moustafa
idoso) e Jude Law (jovem escritor). Fiennes é simples, realista, com expressões
faciais e corporais que dizem tudo a respeito de seu personagem. Deve-se
apontar, também, a forma como o ator consegue sempre deixar claro que o
mulherengo Gustave guarda algum grande segredo, que será revelado durante a
trama. Tony Revolori atuou em cerca de uma dezena de produtos televisivos e
curtas-metragem antes de encarar o jovem Zero. O personagem apresentando pelo
ator é engraçado, divertido e se mostra sempre muito eficiente e um verdadeiro
amigo. Talvez a principal caracterísitica das interpretações desse longa seja
exatamente isso: a naturalidade em meio à alegoria habitual dos filmes de Wes
Anderson. Murray Abraham e Jude Law dão o tom da história, ao passo que
apresentam, respectivamente, narrador e ouvinte dessa grandem fábula moderna.
Dentre os demais destaques do elenco, estão Willem Dafoe e Adrien Brody, como
os vilões da história, Edward Norton, como o policial caricato, e Tilda
Swinton, como a misteriosa Madame D.
Os filmes de Wes Anderson nunca foram
grandes vencedores da premiação do Oscar, o próprio diretor já foi indicado
seis vezes nas categorias de melhor filme, melhor direção e melhor roteiro e
nunca venceu nenhum deles. O motivo é simples: Anderson foge do comum, o
cineasta propõe mundos diferentes do nosso, histórias singulares e que, na
cabeça da maioria dos seres humanos, seriam improváveis (ou até impossíveis de
acontecer). “O Grande Hotel Budapeste” não foge desse “realismo fantástico” que
tanto fascina. Se a discusão permeia sobre qual filme é o melhor filme do ano,
podemos propor que se discuta a importância de tantas histórias e estilos
diferenciados serem apresentados em um ano como este. “Boyhood”, “Birdman”, “O
Grande Hotel Budapeste”, “O Jogo da Imitação”, “Sniper Americano”, por exemplo,
são longas que abordam a juventude, a pisiqué, o “reaslismo fantástico”, a vida
de um homem que existiu realmente e a guerra no Iraque, todos com estética
muito própria, todos filmes interessantes e de destaque. Mas, não há dúvidas de
que “Budapeste” se destaque por toda sua genialidade, pelo uso da imagem e do
som com tanta sabedoria, por um roteiro magnífico e interpretações memoráveis. Há
que se observar, ainda, como é satisfatório saber que Anderson ainda está entre
nós para que seus filmes com características muito próprias ainda possam nos
consquistar e nos fazer esperar anciosos por seu próximo trabalho.
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