quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Resistir ao esquecimento

Performance de Fabiana Lima durante a sessão de abertura do VIII CachoeiraDoc
Foto: Állan Maia
A noite de abertura do VIII CachoeiraDoc, o Festival de Documentários de Cachoeira, dimensionou o quão incendiária pretende ser esta edição, que parece se identificar com uma resistência a esse governo pós-golpe e ao sistema capitalista pós-moderno que garante que os homens brancos, ricos, cis-gênero, heterossexuais ocupem os cargos políticos mais importantes do país e instalem um sistema opressor e castrador.
O filme de abertura, Quilombo Rio dos Macacos, de Josias Pires, pertence a uma das Mostras Especiais Cinemas em Lutas, conjunto de filmes que, segundo Amaranta Cesar, idealizadora, coordenadora artística e acadêmica e uma das curadoras das Mostras Especiais e da Mostra Competitiva, “dão formas cinematográficas aos movimentos de emancipação e demandas por justiça de diversos grupos sociais”. São, ainda segundo ela, “filmes de intervenção social engajados e militantes”.
O longa-metragem baiano já é um retrato bastante claro de filmes que atenderão, nos próximos dias, a essa característica incendiária de levantar questões caras às minorias sociais (pobres, negros, índios, mulheres, minorias sexuais e periféricos) e que devem ser debatidas de alguma forma. Quilombo Rio dos Macacos conta, justamente, a história da comunidade homônima ao título do filme que, desde 2011 vem tentando rever seu espaço de direito junto ao Estado (Estadual e Federal), travando uma luta interminável com a Marinha do Brasil, que insiste em ocupar terras legalmente pertencentes àquela comunidade há mais de duzentos anos.
Localizada entre os municípios de Salvador e Simões Filho, a comunidade abriga centenas de pessoas que moram em pequenas casas – sua maioria de pau à pique – onde vivem até 16 moradores. A equipe de Josias acompanhou as lutas desses habitantes durante os últimos anos e registrou diversas imagens. No filme, são retomadas matérias de telejornais e da internet, movimentos como o “SomosTodosQuilomboRioDosMacacos” – aderido nas redes sociais por diversos apoiadores da causa, incluindo artistas como Gilberto Gil e Emicida -, assembleias realizadas entre os anos de 2011 e 2014 junto aos poderes estaduais, na Bahia, e aos poderes federais, em Brasília. Além disso, imagens do cotidiano dos moradores e moradoras do Quilombo, entrevistas, discussões sobre as propostas dos governos, identificação das terras pertencentes àquela gente. A montagem se utiliza de um fio condutor – a batalha pelas terras de direito – e traz imagens que ilustram essa luta difícil e diária – como as investidas de desapropriação e as constatações, em assembleias, de que combinados não estavam sendo cumpridos pelos militares.
Batalha travada por corpos. Corpos femininos e masculinos, corpos de crianças e adultos, corpos de netas, filhas, mães, avós e bisavós que cravaram seus pés nessas terras desde antes da implementação da República Federativa do Brasil, quando a escravidão ainda era permitida em terras brasileiras. Corpos que ali estão e ali permanecerão. Corpos que exigem seus direitos, e não apenas às terras que já ocupam, ao direto de ir e vir naquelas terras, mas a condições básicas de sobrevivência: água potável, saneamento básico, saúde, educação, moradia e trabalho. Corpos que não permitirão que a Base Naval de Aratu os expulse sem resistir. E é disso que se trata este documentário. Fala de luta, de solidariedade, de organização, de mobilização, de direitos humanos. Mas fala, sobretudo, de resistir. Resistir, como afirmou Zia Zhangke, para não ser esquecido.
O VIII CachoeiraDoc firma, com este filme de abertura, um compromisso grande e importante: apresentar filmes que se propõe a discutir temas perigosos, mas necessários e que afetam, mais do que nunca, a vida de cada cidadã e cidadão desse Brasil caótico. Nesse contexto, cabe uma reflexão sobre o que tem sido feito com esses files urgentes, de intervenção e que se propõe a fazer emergir discussões que podem cair no esquecimento em um momento político tão sério. De que forma esses filmes tem sido trabalhados em prol daqueles e daquelas – seres humanos e movimentos – que se fala? Para quem e como esses filmes têm sido distribuídos? Quem tem apreciado e discutido esses produtos? O que nós, realizadores(as), pesquisadores(as), críticos(as), apreciadores(as), cinéfilos(as), cineclubistas, educadores(as), temos feito para que esses filmes agitem não somente a nós mesmos, mas a cidadãs e cidadãos que precisam de um choque de realidade bruto para saírem de sua zona de conforto e reconhecerem de uma vez por todas que a intolerância e a opressão já não podem mais ter espaço, ou cidadãs e cidadãos que precisam apenas de um impulso externo mínimo para pegar nas armas que estão ao seu alcance e lutar?

Lutar e Resistir!

Registro de um show do cantor Emicida

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