domingo, 19 de abril de 2015

JESUS CRISTO SUPERSTAR, de Norman Jewison

Um dos melhores e mais eficientes musicais de todos os tempos!



Ruínas em um deserto acolhem um ônibus abarrotado de homens e mulheres que são cuspidos para as areias. Uma vez fora do ônibus, começam a vestir roupas coloridas e aparentemente improvisadas, a tirar objetos estranhos e inesperados do interiror do carro e, finalmente, dançar ao som de  notas de rock que dão o tom primeiro do longa Jesus Cristo Superstar. As figuras que descem do ônibus são algumas das lendas do rock: Ted Neeley, Carl Anderson, Yvonne Elliman, Barry Dennen, Bob Bingham, Larry Marshall, Josh Mostel e Paul Thomas. Esses, interpretam, por sua vez, nomes bem conhecidos na história do filho de Deus: Jesus Cristo, Judas, Maria Madalena, Pilatos, Caifás, Zealotes, Herodes e o apóstolo Pedro.
A história de Jesus Cristo de Nazaré já foi contada das formas mais diversas: livros, poemas, cartas, cantigas, canções, peças de teatro – o que incluem desde as famosas representações da Paixão de Cristo realizadas na Semana Santa, até peças ficcionais baseadas na Bíblia -, e, claro, produtos audiovisuas para televisão e cinema. Entretanto, poucos produtos são tão interessantes quanto Jesus Cristo Superstar, musical – na melhor aplicação da palavra (todos os diálogos são cantados) - dirigido por Norman Jewison e protagonizado pelas já citadas figuras muito famosas da rock mundial. O filme é um musical onde Jesus é um hippie cantando rock. Podia ser uma bela piada ou uma bela crítica a respeito das interpretações da bílbia. Mas não é. É um filme inteligente que critica a sociedade da década de 1970, que vivia pelo capitalismo e pelo narsicismo. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o mundo passou pelo período da Guerra Fria, repleto de ameaças e medos e, ao mesmo tempo, de lutas entre o capitalismo e o socialismo. Uma guerra sem sangue aparente, mas que submetia o ser humano à busca pelo poder de forma tão voraz quanto o lobo procura por sua presa.


No filme, a história é contada pelo ponto de vista de um personagem sempre muito oprimido: Judas, interpretado pelo cantor Carl Anderson. É Judas quem vê tudo o que está acontecendo com Jesus, e é ele quem tenta avisá-lo sobre as incertezas do futuro. Tudo por um motivo simples: Jesus Cristo se tornou popular de forma que já não se pode mais controlar o que o povo sente e confia a ele. J. C. - como o Messias é chamado por seus fieis no filme - é uma figura tão popular quanto figuras famosas que lutaram pelos direitos da minoria antes da década de 1970, quanto as que o fazem até hoje. Popular, no maior sentido da abreviação POP. J. C. é um homem que ganhou a admiração e a confiança do povo por sua forma simples e altruísta. É um homem que não se importa com luxos ou vaidades, e sim com o bem estar da humanidade. Seu defeito, segundo Judas, foi nascer em uma época onde a comunicação em massa não existia. Mas isso é assunto para linhas posteriores. Ainda segundo sua popularidade, homens e mulheres passam a acompanhar o “líder” por ele representar, para eles, um exemplo de espiritualidade e evolução inimagináveis.
Entretanto, Jesus não está sozinho nessa empreitada, Deus está lá o tempo todo. O Pai de Jesus parece observar tudo o que é feito ao redor de seu filho. Deus é, em boa parte do filme, represenado pela luz do Sol e, por vezes, da Lua. Também é usado como um artifício intimador, que relembra o quanto o calor e a luz do sol podem ser incomodativos. A luz é usada como um elemento narrativo poderoso, mas também é o que dita a fotografia do filme. Natural ou artificial, a luz a iluminar o ambiente é, quase que em todo o longa, baseada nas luzes do Sol e reflexo da Lua, seja para iluminar todo um ambiente, ou para destacar um personagem em particular. Assim, o Sol brilha nos rostos e nos corpos dos personagens, como se Deus lhes dissesse alguma coisa, como se o Pai alertasse quanto à necessidade de entenderem os propósitos da vida na terra. A luz do Sol, todavia, não compõe dramaticamente o filme apenas como um elemento que lembre Deus ou o desconforto do calor e da força incontrolável dessa luz. Em momentos muito específicos, Deus parece dar licença poética ao Sol e ele representa a repressão e o desconforto da Guerra, como na cena em que Judas é perseguido por tanques.


Mas não é apenas a luz do Sol ou a popularidade de Cristo que compõe as críticas construídas de forma muito perspicazes pelo longa. Como qualquer movimento hippie da década de 1970, esses homens e mulheres caracterizados para representar a vida de Cristo na telona pedem pela Paz. Pedem pelo fim das guerras. Pedem por um planeta mais igualidatário. Por um planeta livre de diferenças. Em uma cena já muito conhecida por aqueles que estão mais habtituados aos escritos bíblicos, Cristo chega ao templo e se depara com uma feira. Ali, estão presentes os prováveis maiores inimigos da cultura em questão: o capitalismo e a guerra. Na feira, nesse contexto, são vendidos, além dos tradicionais mantimentos alimentícios e vestes, armas de guerra como metralhadoras e granadas. Um Cristo muito revoltado e aos berros, coloca tudo abaixo e expulsa todos do local. Outra cena conhecida da vida do filho de Deus é apresentada de forma muito metafórica no longa. Quando os doentes pedem para que o salvador os ajude, vê-se uma clara referência não apenas às doenças da população que habita o planeta, mas às enfermidades que o próprio planeta sofre: o capitalismo, o indivudualismo, a ganância, a corrupção, a fome, a arrogância, a desigualdade, o descaso, o preconceito.
Jesus Cristo Superstar é uma adaptação para o cinema de uma peça da Broadway que fez muito sucesso nos primeiros anos da década de 1970. A peça, em cartaz até hoje, era dirigida por Mark Hellinger e protagonizada por Jeff Fenholt, Bem Vereen, Bob Bigham, Barry Dennen e Yvonne Elliman. A composição das canções da peça, mesmas músicas do filme, foram feitas por Andrew Lloyd Webber (músicas), mesmo dos filmes O Dossiê de Odessa, Cats, Evita e O Fantasma da Ópera, e por Tim Rice (letras), de filmes como 007 Contra Octopussy, Aladdin, O Rei Leão, Toy Story e Evita. No filme, Ted Neely, Carl Anderson, Yvonne Elliman, Barry Dennen, Bob Bigham e Josh Mostel emprestam suas poderosas  vozes aos personagens, entoando cada canção de forma impecável. Além das vozes inquestionáveis, os intérpretes são expressivos facial e corporalmente, construindo personagens tão ricos quanto a própria construção bíblica. As músicas, por fim, contribuem para essa construção, já que cada personagem possui um estilo e uma entonação musical muito própria.


Se Jesus Cristo tivesse nascido no novo século, teria as letras J. C. entre parênteses ao lado de seu nome em seu perfil do Facebook, onde faria postagens recorrentes; seria uma das figuras mais seguidas do Twitter em todo o mundo e foto alguma seria mais twitada que aquela onde caminha sobre as águas; postaria fotos de seus feitos – desde transformar água em vinho, até alimentar centenas de pessoas com uma dezena de peixes – em seu Tumblr; e poderia, facilmente, ter criado a selfie para que pudesse registrar sua vida via Instagram – talvez até um de seus discípulos postasse uma foto desse estilo com Cristo ao fundo sendo crucificado. Sua crucificação seria acompanhada pelos jornais e tablóides de todo o mundo e sua ressureição seria noticiada em tempo real. Teria de dar entrevistas contando como era morrer e o que ele esperava para os proximos anos. Em uma coletiva de imprensa, Ele seria obrigado a revelar seus segredos, falar sobre o futuro da humanidade e prometer que voltaria se fosse preciso. Até mesmo sua ascenção teria dia, local e hora marcada. Antes de ir, entretanto, Jesus teria de ouvir milhões de pessoas fazerem os pedidos mais egosístas imagináveis. Se Jesus Cristo tivesse nascido neste século e não agisse assim, seria ofuscado por qualquer romano que o reprimisse nas redes sociais. Ao menos, tudo isso é o que o Judas do filme parece a alegar no número musical que dá título ao filme. 
Ou, simplesmente, Jesus usaria toda a tecnologia para, finalmente, alcançar o mundo com sua bondade e sabedoria, concientizando a todos e dando sua vida pela humanidade de forma menos deprimente. Assim, Cristo deixaria um mundo livre de doenças não biológicas citadas acima, com pessoas que fazem o bem sem distinguir ninguém ao seu redor. Ou isso, ou Cristo veio na hora certa, fez o que tinha que ser feito com os recursos que tinha e deixou os seres humanos sabendo o quão difícil seria a vida a terra. Jesus Cristo Superstar apresenta possibilidades, indaga a sociedade sobre como o ser humano tem agido nos quase dois milênios desde que Cristo foi embora, traz questões pertinentes a respeito das desnecessárias guerras e disputas, condena o preconceito e a desigualdade. Tudo, sobre o olhar de quem mais foi julgado nessa história toda: Judas Iscariotes. Quem foi Jesus Cristo? Seria um real filho de Deus? Um enviado dos céus? Ou um simples filho de um carpinteiro? Um homem comum que, como tantos outros, conquistou o povo por sua simpatia e carisma? Se Cristo foi ou não tudo que se lê na Bíblia, jamais poderemos saber – e o filme nem faz questão de responder a isso -, mas uma coisa é inquestionável: ninguém no mundo foi, é ou será tão popular quanto Jesus Cristo de Nazaré.


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