Durante os dias 2 e 7 de setembro, a cidade de Cachoeira, Bahia, sediou o CachoeiraDoc, o Festival de Documentários da cidade. Com a apresentação de quase 40 produções, dentre mostras especiais e competitiva, o evento contou com a participação dos realizadores dos filmes, dos alunos e professores da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, da população cachoeirana e de profissionais de diversas áreas.
O Festival iniciou na noite de terça
(02) em grande estilo com a apresentação do longa documentário de Eduardo
Coutinho, “Cabra Marcado para Morrer” (1984). O filme relata a história de um
homem que lutava por seus direitos e de todos com quem convivia e acabou sendo
brutalmente assassinado. A origem do documentário é a tentativa de Coutinho em filmar
uma ficção sobre a luta do líder camponês João Pedro Teixeira. Interrompido
pela ditadura em 1964, Coutinho retornou 20 anos depois e fez o documentário
lembrando das filmagens e realidades da época e contrapondo-as com a vida da
esposa do camponês, Elizabeth Teixeira, que se tornou ativista pela causa.
O tempo foi cruel com essa mulher forte
e esperançosa que vemos na tela: Elizabeth foi obrigada a deixar os filhos para
trás e ser testemunha em dezenas de processos abertos pelas revoltas camponesas
e pela realização do filme. Além dela, outras pessoas que participaram das
filmagens também relatam suas lembranças e histórias. De forma intimista,
Coutinho adentra a vida pessoal de cada um desses personagens – nos quais estão
incluídos alguns dos 12 filhos de João e Elizabeth - e traz revelações
inusitadas. O cineasta, porém, não esquece de denunciar a Ditadura trazendo
para a tela declarações do governo que diziam que o filme que estava sendo
filmado por ele era uma forma de reunir revoltosos e estimular a desordem no
país.
A sessão sobre a família Teixeira
continuou no dia seguinte com a apresentação do filme “A Família de Elizabeth
Teixeira” (2014). Trinta anos após a realização do primeiro filme, Elizabeth é
uma idosa de 87 anos com alguns de seus filhos espalhados pelo Brasil e outros
perdidos há muito tempo. Nesse longa, Coutinho opta por mostrar a vida dos
filhos da matriarca: vai do sudeste ao nordeste revelando as diferentes vidas
que a prole de um dos maiores líderes da reforma agrária levam. Assim, o
diretor volta a revelar histórias cada vez mais intimistas e curiosas. Cada
filho de Elizabeth lembra de alguma coisa muito diferente, cada um passou por
experiências inusitadas devido à perseguição sofrida pela família. Para
finalizar, Coutinho ainda conta com a surpresa de saber que uma das netas do
casal se tornou professora de história e trabalha com a restauração e
recuperação da memória das lutas de João Pedro e Elizabeth Teixeira.
Elizabeth Teixeira e os filhos logo após a morte do marido. |
O diretor faz uma ligação entre o
passado (décadas de 1964 e 1984, quando tentou gravar a ficção e quando gravou
o primeiro documentário, respectivamente) e os dias de hoje (2013). E nessa
tentativa de comparar e denunciar, Coutinho exagera ao adentrar no mais
profundo íntimo de seus personagens. Não que isso o torne apelativo, mas é exagerado.
No final das contas, o que o cineasta faz é revelar o Brasil de forma nua e
crua, sem pudor em mostrar os sofrimentos e as consequências advindas do
período da ditadura. Por vezes, desrespeitando os limites do que pode ser
público e do que, preferencialmente, deveria permanecer em âmbito privado. Para
concluir essa denúncia com o filme apresentado no segundo dia do evento – que,
na realidade, é um extra do DVD do filme de 1984 - o documentarista acaba trazendo
toda a diversidade brasileira em um filme que trata apenas do povo brasileiro.
Cabra marcado para morrer fez parte da
Mostra Resistência apresentada pelo festival. No sábado (06), os curtas Manhã
cinzenta e África 50 e o média Primeiro caso, segundo caso fecharam a mostra
que tinha como objetivo trazer filmes que contém como temática a resistência
frente a repressão. Cada um deles foi filmado em um local diferente do mundo,
mas todos acabaram sendo perseguidos pelos governos vigentes e até proibidos,
sendo vistos como filmes subversivos para suas épocas. O mesmo, como citado
acima, ocorreu com Cabra marcado para morrer. Manhã cinzenta também tem como
pano de fundo a ditadura no Brasil; África 50 mostra uma África na década de
1950 explorada pelo protecionismo francês; e Primeiro caso, segundo caso foi
filmado durante o processo que culminou na queda da monarquia islâmica e na
ascensão da república no Irã.
De Olney São Paulo, Manhã cinzenta teve
seus negativos confiscados pela ditadura em 1969. O curta mistura realidade e
ficção para mostrar os terrores feitos pelos políticos da época. Mas Olney não
mostra apenas o terror, ovaciona aqueles que manifestaram. De forma simples,
trata os manifestantes como verdadeiros heróis que, infelizmente, não terão a
mesma vitória certa que acompanha os heróis das histórias em quadrinho, muito
pelo contrário. E é para mostrar essa frustração que o diretor sufoca o
espectador através de cenas pavorosas e por uma trilha sonora forte e expressiva.
Em uma cena desesperadora, por exemplo, uma personagem corre de um lado a outro
fugindo de vários soltados que apontam suas armas para ela, enquanto isso, um
homem fica parado apenas esperando que seu destino seja selado pela munição que
deixará aquelas armas e se impregnará em seu corpo.
Indivíduos curiosos, uma vida tranquila
e muita cultura compõe as primeiras cenas de África 50, de René Vautier. O
diretor, assim, apresenta a beleza do povo africano, foca em crianças que olham
sua câmera com o desejo de conhecer o objeto, mostra a tradição e o modo de
vida adotados por aquele povo e a forma carinhosa com a qual tratam uns aos outros.
Depois, entretanto, Vautier deixa os sorrisos, as brincadeiras e as danças de
lado e esbofeteia o público com cenas aterradoras da exploração europeia nas
colônias da África Ocidental Francesa. O que antes era belo e harmônico passa a
se tornar triste e tão sufocante quanto as cenas de Manhã cinzenta. As mulheres
que antes arrumavam os cabelos estão mortas, as crianças que antes pulavam
alegremente nas águas estão mortas, os homens que antes cuidavam dos animais
que alimentariam suas famílias também estão mortos. E todas essas mortes são
ocasionadas por um motivo incompreensível, mas simples: a sede de poder que
envolve os franceses e o capitalismo, que, sem dúvida, é o maior aliado nessa
busca incansável.
Imagine essa cena: um professor está de
costas escrevendo no quadro, um garoto, no fundo da sala, bate um apagador na
mesa. Sem conseguir identificar o aluno, o professor ordena que os jovens do
fundo da sala saiam e voltem apenas em duas circunstâncias: ou quando contarem
quem é o “culpado”, ou após passarem uma semana do lado de fora. Baseado nessa
encenação, Primeiro caso, segundo caso questiona a solidariedade de grupo e o
sistema vigente que faz de tudo para dissolver qualquer grupo que possua
opiniões próprias. Para que as mais diversas pessoas possam dar suas opiniões –
o que inclui, por exemplo, estudiosos e líderes religiosos e políticos -, o
diretor apresenta as duas escolhas que podem ser feitas pelos alunos: na
primeira, um aluno revela quem é o culpado e volta para dentro da sala de aula
cabisbaixo e, aparentemente, envergonhado, no segundo momento, todos esperam a
uma semana e voltam orgulhosos para a sala de aula. Qual seria a melhor opção?
Ceder de imediato ao sistema, ou se mostrar resistente e acabar, uma hora ou
outra, retornando ao regime? A Revolução Iraniana, por exemplo, trocou o
sistema autoritário monárquico, por uma república comandada por líderes militares
religiosos radicais. O que você iria preferir?
Como boa parte do planeta, o Brasil, a
África e o Irã foram dominados por ideologias radicais que estabeleceram seus
regimes de forma autoritária e violenta. A boa notícia é que o povo brasileiro
se revoltou e pediu por um governo justo e realmente democrático para que a
ditadura terminasse em 1985. Em 1958, a independência da Guiné fez com que os
demais territórios africanos começassem a se erguer contra o sistema vigente, o
que culminou na independência total até 1960. Há pouco tempo, a Primavera Árabe
modificou as realidades sociopolíticas de todos os países da região, e com o
Irã não foi diferente. Mais que denunciar os abusos políticos pelos quais o
mundo passou, todos os filmes da Mostra Resistência lembram a importância de a
população se erguer contra tais regimes. No ano passado, manifestações no
Brasil pediram por melhores condições no país. Mais que exercer seu papel como
cidadão, o povo deve clamar por igualdade, resistindo a parâmetros que fogem
completamente aos direitos de liberdade de expressão, construindo uma
identidade forte e exemplar, passando, assim, a existir de forma concreta.
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