Quando fui convidada a escrever sobre a
presença das mulheres negras no cinema, automaticamente me veio uma pergunta à cabeça:
existem mulheres negras atrás das câmeras? A primeira resposta que me surgiu
foi uma negativa: não, não existem. Senti aí um desafio pessoal, pois das duas
uma: ou eu tenho muito o que aprender sobre cinema e a presença de negros (e
mulheres!) ou essa segregação existe mesmo e não há como negar. Para meu
espanto, as duas coisas são verídicas e aqui fica meu empenho - e desejo - para
que elas mudem (e já!).
Mas como escrever sobre as negras no
cinema se não consigo encontrar uma referência - e representatividade - atrás
das câmeras? O que me resta é ir para a frente delas e falar sobre duas
mulheres negras pioneiras no cinema: a norte-americana (ou afro-americana)
Hattie MacDaniel e a brasileira Ruth de Souza. Lembrando que o 25 de julho
celebra o dia da mulher afro-latino-americana e caribenha, mas como acredito
que uma coisa leva à outra e a história dessas duas mulheres se assemelham
muito resolvi utilizar Hattie MacDaniel mesmo assim.
A atriz americana Hattiel MacDaniel |
Apesar de se destacar em outras produções,
Hattie foi muito criticada pela própria comunidade negra ao aceitar fazer
sempre o mesmo tipo de papel, a empregada desbocada e extrovertida. Em uma entrevista
ela chegou a declarar: "Por que devo reclamar enquanto ganho 700 dólares
por semana sendo uma empregada nas telas? Se não fosse uma nas telas, ganharia
sete dólares por semana sendo uma de verdade." É exatamente aí que a
ficção se mistura com a realidade, pois quando ela não conseguia papel em
filmes tinha de trabalhar como empregada ou cozinheira para se manter.
Interessante notar como no Brasil a figura
da “Mammy” foi retratada pelo escritor Monteiro Lobato (entre 1920 e 1940 com a
série de livros Sítio do Pica Pau Amarelo)
e a sua “Tia Nastácia”: uma mulher negra que trabalha em uma casa de família
rica, com pouca instrução, solteira e sempre solícita. Demonstrando claramente resquícios dos tempos
da escravatura, onde algumas escravas negras trabalhavam como empregadas e/ou
amas de leite dos filhos de seus patrões. No filme ... E o Vento Levou, a personagem de Hattie é uma mistura de tudo
isso, salvo o fato de retratar o tempo da Guerra Civil Americana e a condição
de escrava da personagem.
Hattie foi a primeira negra a cantar no
rádio (em 1915), seu pai e seus avós foram escravos e, apesar das críticas
recebidas durante sua carreira, ela acreditava que não trabalhava para si
mesma, mas para as futuras gerações de atores afro-americanos. Ela foi
referência nos discursos de George Clooney e Mo’Nique quando estes receberam o
Oscar.
Atriz brasileira Ruth de Souza |
Ruth foi a primeira atriz negra a se
apresentar no Theatro Municipal do Rio de Janeiro (1945), fez mais de 40
novelas, cerca de 33 filmes e dezenas de peças. Afirmou certa vez que todos
riram quando ela, ainda jovem, decidiu ser atriz. Foi sua persistência que a
permitiu abrir as portas para os artistas negros. Diz não ter sofrido
preconceito, mas afirma que a dramaturgia brasileira precisa ter mais respeito
aos negros.
Essas duas mulheres com o seu pioneirismo
no cinema (e no audiovisual como um todo) são uma pequena amostra de como a
participação das mulheres negras no cinema tem que se ampliar cada vez mais e
mais. Hattie e Ruth são exemplos de como o talento pode superar o racismo,
ambas insistiram e acreditaram na sua arte e conquistaram um lugar que lhes é
de direito. Apesar de não serem lembradas frequentemente devem ser exemplos
para uma mudança necessária e urgente no cinema brasileiro e internacional: o
protagonismo da mulher negra nas produções. Em frente, e atrás das câmeras.
É desanimador pensar que - mais
especificamente no Brasil - uma parte expressiva da população vem sendo minimamente
representada e, em sua grande maioria, em papéis estereotipados e secundários,
como: a empregada, a mulata gostosa ou a moradora de
"comunidade". E para piorar a
situação, segundo pesquisa da Gemaa (Grupo de Estudos Multidisciplinares da
Ação Afirmativa) as roteiristas e diretoras negras brasileiras praticamente não
existem. Talvez isto explique a continuidade desses estereótipos e possa servir
como alerta para que a mulher negra conquiste seu espaço escrevendo, atuando e
dirigindo a si mesma e em seu espaço.
Um passo importante - e que celebra o 25
de julho - foi dado pelo Festival da Mulher Afro-Latino-Americana e Caribenha.
Na edição deste ano será discutido o cinema negro e serão exibidos curtas e
longas metragens com a mesma temática. É uma gota no oceano, mas ela há de se
multiplicar cada vez mais.
Referências:
http://www.afrolatinas.com.br/
http://gemaa.iesp.uerj.br/
http://www.imdb.com/
http://www.funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/acervo/atores-do-brasil/biografia-de-ruth-de-souza/
http://www.ebc.com.br/cultura/2014/07/pesquisa-revela-que-mulheres-negras-estao-fora-do-cinema-nacional
Danny
Evans é estudante de Cinema e
Audiovisual na UFF/RJ, negra e periférica. Paulistana do Grajaú, apaixonada por
Chaves e filmes de gângsteres. Não dispensa um churrasco e uma cerveja gelada,
mas sabe que isso não é tudo na vida.
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