Ela é
atriz, cantora e ativista. Todas essas funções deixam Zezé Motta ainda mais
apaixonante.
Dona de
uma presença e talento marcantes, no palco e na TV, Zezé tem uma legião de fãs,
que acompanham seu trabalho artístico e político. Esta entrevista exclusiva que
ela deu para o blog da TheBridge tem
como intuito não apenas marcar o Dia Internacional da Mulher, que será
comemorado no próximo dia 8, mas também mostrar o quão relevante é sua atuação
para todas as mulheres e, principalmente, para o movimento negro brasileiro.
Maria José
Motta de Oliveira nasceu em Campos (RJ), é presidente de honra do CIDAN (Centro
Brasileiro de Informação e Documentação do Artista Negro), responsável por
criar o primeiro banco de dados de artistas negros no país, e também ocupou,
por dois anos, o cargo de superintendente da Igualdade Racial do governo
do Rio de Janeiro.
A seguir,
a incansável Zezé conta sobre seu trabalho à frente do CIDAN e opina, entre
outras coisas, sobre a participação do negro na TV. Confira:
TheBridge:
Como você vê a arte como ferramenta para o enfrentamento contra a desigualdade
racial e de gênero?
Zezé Motta: A arte é uma ferramenta forte, porque tem a coisa
da palavra em si. A palavra dá a oportunidade de cobrar, fazer denúncias, de
encenar situações que não são justas. O que eu acho é que essa questão da arte
deu visibilidade para os negros e foi importante para a auto-estima dos mais
jovens. E não somente para o ator [negro], mas para o médico, o engenheiro, o
arquiteto…
TB: Como
você divide seu tempo entre a arte e a militância?
ZM: Tem gente que acha que artista não deve se meter
em política. Mas eu acho o contrário: o artista tem espaço na mídia e esse
espaço não pode ser aproveitado apenas para interesse próprio. Felizmente,
sempre tive a preocupação de usar a mídia para fazer denúncias, cobranças e até
mesmo aproveitar as conquistas que eu fiz na vida para usar em projetos, como é
o caso do CIDAN.
TB: Eu
ia mesmo perguntar sobre o CIDAN. Como ele surgiu e atua?
ZM: Surgiu pelo seguinte: toda vez que a gente cobrava
essa quase invisibilidade do negro da mídia, cada um dava uma desculpa. A única
coisa que não se admitia era que não havia uma democracia racial. Quando o Cacá
Diegues fez o filme Quilombo, eu vi o trabalho que o Pitanga [o ator Antônio
Pitanga, que assim como Zezé atua no filme] teve para localizar atores negros.
Foi ali que comecei a anotar o nome de todo mundo. Assim surgiu o CIDAN. Lembro
que, na época, o ator tinha até dificuldade para fazer book. Fizemos um banco
de dados, eu e outras pessoas ligadas ao movimento negro, que hoje em dia virou
uma página na internet: www.cidan.org.br. Temos muito orgulho do CIDAN,
porque não se faz nada com o ator negro. O próprio [ator] Lázaro Ramos foi
localizado através do CIDAN.
TB: O
CIDAN faz parcerias público-privadas, recebe algum tipo de investimento?
ZM: Já tivemos um projeto muito interessante, que era
patrocinado pela Comunidade Solitária, da Dona Ruth Cardoso, nas comunidades do
Rio. Hoje ainda temos parceria com a Eletrobras e Petrobras, mas por enquanto
está tudo parado. Temos também um curso de arte dramática, chamado Arte de
Representar Dignidade, que foi um sucesso na Mangueira, Andaraí… Lembro que
quando anunciamos nossa parceria com a UERJ, os meninos desciam o morro para
fazer o curso… É bem interessante. A última pessoa que nos apoiou foi a
ministra Matilde Ribeiro. Mas eu pretendo retomar todos esses projetos.
Zezé no papel que a consagrou: Xica da Silva |
TB: E
as emissoras de TV? São parceiras do CIDAN?
ZM: Não se faz cinema, teatro nem televisão sem
parcerias. Lembro que a produção do Jô Soares nos ligou querendo saber como
funcionava. Realmente somos muito orgulhosos de termos feito a coisa certa.
Tenho visto uma mudança. Agora mesmo vou fazer uma minissérie no [canal pago]
GNT, Copa Hotel, em que vou fazer uma recepcionista de hotel. Antes, por
exemplo, eu só fazia empregada. Devagarinho estamos chegando lá. O movimento
negro foi fundamental pra essa virada e o CIDAN também. A Revista Raça também
contribuiu muito. Lembro que quando comecei minha carreira não encontrava
maquiagem para pele negra. Eu tinha que comprar importada. Nesse sentido, a
revista acendeu o alerta que o negro consome e que negro é bonito.
TB: É
possível dizer que ainda existe preconceito na TV, apesar de evidentes avanços?
ZM: Felizmente, eu percebo uma preocupação na
distribuição dos papéis, em não deixar o negro fora de qualquer situação. Agora
mesmo, nessa minissérie, vou fazer uma recepcionista do hotel, e, por acaso,
minha colega de elenco, que é branca, vai fazer a camareira. Antigamente, eles
reproduziam na TV o que acontecia na vida real. Quando, na verdade, sempre
existiu uma classe média negra. Nunca fomos maioria, mas sempre existiu.
TB: Como
foi seu trabalho à frente da Superintendência da Igualdade Racial do RJ?
ZM: Ela fazia parte da Secretaria de Direitos Humanos.
Fiquei 2 anos e meio lá, infelizmente consegui fazer pouca coisa, mas fiquei
inteirada sobre a questão dos quilombolas, por exemplo. Fizemos um vídeo e o
levamos a Brasília, entregamos para os senadores, deputados e para o próprio
presidente Lula, para saberem como era a dificuldade. Cada quilombo tem um tipo
de dificuldade, tem quilombo que não tem luz, tem crianças com dificuldade de
estudar. Mas ao mesmo tempo tudo era muito difícil, a máquina é engessada, não
tem verba pra quase nada. E você fica mal na fita, porque você quer ver as
coisas acontecerem, mas elas não são tão simples assim. Não pretendo aceitar
mais esse tipo de convite. Eu queria resolver logo, mas não é assim que a coisa
funcionava.
TB: A
questão da violência contra a mulher é algo muito preocupante na sociedade
brasileira. O que você diria para a mulher que sofre com esse tipo de
violência?
ZM: Que não tenha medo, que denuncie, porque enquanto
as mulheres não reagirem, o homem fica contando com a impunidade. Tem que ter
coragem e denunciar mesmo.
*
Entrevista por Paco Llistó, publicada em 05/03/2013 na página: http://thebridgeglobal.org/blog/2013/03/05/entrevista-zeze-motta-a-porta-voz-do-artista-negro-no-brasil/
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