terça-feira, 21 de julho de 2015

ENTREVISTA: ZEZÉ MOTTA, A PORTA-VOZ DO ARTISTA NEGRO NO BRASIL

Ela é atriz, cantora e ativista. Todas essas funções deixaZezé Motta ainda mais apaixonante.


Dona de uma presença e talento marcantes, no palco e na TV, Zezé tem uma legião de fãs, que acompanham seu trabalho artístico e político. Esta entrevista exclusiva que ela deu para o blog da TheBridge tem como intuito não apenas marcar o Dia Internacional da Mulher, que será comemorado no próximo dia 8, mas também mostrar o quão relevante é sua atuação para todas as mulheres e, principalmente, para o movimento negro brasileiro.
Maria José Motta de Oliveira nasceu em Campos (RJ), é presidente de honra do CIDAN (Centro Brasileiro de Informação e Documentação do Artista Negro), responsável por criar o primeiro banco de dados de artistas negros no país, e também ocupou, por dois anos, o cargo de superintendente da Igualdade Racial do governo do Rio de Janeiro.
A seguir, a incansável Zezé conta sobre seu trabalho à frente do CIDAN e opina, entre outras coisas, sobre a participação do negro na TV. Confira:

TheBridge: Como você vê a arte como ferramenta para o enfrentamento contra a desigualdade racial e de gênero?
Zezé Motta: A arte é uma ferramenta forte, porque tem a coisa da palavra em si. A palavra dá a oportunidade de cobrar, fazer denúncias, de encenar situações que não são justas. O que eu acho é que essa questão da arte deu visibilidade para os negros e foi importante para a auto-estima dos mais jovens. E não somente para o ator [negro], mas para o médico, o engenheiro, o arquiteto…
TB: Como você divide seu tempo entre a arte e a militância?
ZM: Tem gente que acha que artista não deve se meter em política. Mas eu acho o contrário: o artista tem espaço na mídia e esse espaço não pode ser aproveitado apenas para interesse próprio. Felizmente, sempre tive a preocupação de usar a mídia para fazer denúncias, cobranças e até mesmo aproveitar as conquistas que eu fiz na vida para usar em projetos, como é o caso do CIDAN.
TB: Eu ia mesmo perguntar sobre o CIDAN. Como ele surgiu e atua?
ZM: Surgiu pelo seguinte: toda vez que a gente cobrava essa quase invisibilidade do negro da mídia, cada um dava uma desculpa. A única coisa que não se admitia era que não havia uma democracia racial. Quando o Cacá Diegues fez o filme Quilombo, eu vi o trabalho que o Pitanga [o ator Antônio Pitanga, que assim como Zezé atua no filme] teve para localizar atores negros. Foi ali que comecei a anotar o nome de todo mundo. Assim surgiu o CIDAN. Lembro que, na época, o ator tinha até dificuldade para fazer book. Fizemos um banco de dados, eu e outras pessoas ligadas ao movimento negro, que hoje em dia virou uma página na internet: www.cidan.org.br. Temos muito orgulho do CIDAN, porque não se faz nada com o ator negro. O próprio [ator] Lázaro Ramos foi localizado através do CIDAN.
TB: O CIDAN faz parcerias público-privadas, recebe algum tipo de investimento?
ZM: Já tivemos um projeto muito interessante, que era patrocinado pela Comunidade Solitária, da Dona Ruth Cardoso, nas comunidades do Rio. Hoje ainda temos parceria com a Eletrobras e Petrobras, mas por enquanto está tudo parado. Temos também um curso de arte dramática, chamado Arte de Representar Dignidade, que foi um sucesso na Mangueira, Andaraí… Lembro que quando anunciamos nossa parceria com a UERJ, os meninos desciam o morro para fazer o curso… É bem interessante. A última pessoa que nos apoiou foi a ministra Matilde Ribeiro. Mas eu pretendo retomar todos esses projetos.

Zezé no papel que a consagrou: Xica da Silva
TB: E as emissoras de TV? São parceiras do CIDAN?
ZM: Não se faz cinema, teatro nem televisão sem parcerias. Lembro que a produção do Jô Soares nos ligou querendo saber como funcionava. Realmente somos muito orgulhosos de termos feito a coisa certa. Tenho visto uma mudança. Agora mesmo vou fazer uma minissérie no [canal pago] GNT, Copa Hotel, em que vou fazer uma recepcionista de hotel. Antes, por exemplo, eu só fazia empregada. Devagarinho estamos chegando lá. O movimento negro foi fundamental pra essa virada e o CIDAN também. A Revista Raça também contribuiu muito. Lembro que quando comecei minha carreira não encontrava maquiagem para pele negra. Eu tinha que comprar importada. Nesse sentido, a revista acendeu o alerta que o negro consome e que negro é bonito.
TB: É possível dizer que ainda existe preconceito na TV, apesar de evidentes avanços?
ZM: Felizmente, eu percebo uma preocupação na distribuição dos papéis, em não deixar o negro fora de qualquer situação. Agora mesmo, nessa minissérie, vou fazer uma recepcionista do hotel, e, por acaso, minha colega de elenco, que é branca, vai fazer a camareira. Antigamente, eles reproduziam na TV o que acontecia na vida real. Quando, na verdade, sempre existiu uma classe média negra. Nunca fomos maioria, mas sempre existiu.
TB: Como foi seu trabalho à frente da Superintendência da Igualdade Racial do RJ?
ZM: Ela fazia parte da Secretaria de Direitos Humanos. Fiquei 2 anos e meio lá, infelizmente consegui fazer pouca coisa, mas fiquei inteirada sobre a questão dos quilombolas, por exemplo. Fizemos um vídeo e o levamos a Brasília, entregamos para os senadores, deputados e para o próprio presidente Lula, para saberem como era a dificuldade. Cada quilombo tem um tipo de dificuldade, tem quilombo que não tem luz, tem crianças com dificuldade de estudar. Mas ao mesmo tempo tudo era muito difícil, a máquina é engessada, não tem verba pra quase nada. E você fica mal na fita, porque você quer ver as coisas acontecerem, mas elas não são tão simples assim. Não pretendo aceitar mais esse tipo de convite. Eu queria resolver logo, mas não é assim que a coisa funcionava.
TB: A questão da violência contra a mulher é algo muito preocupante na sociedade brasileira. O que você diria para a mulher que sofre com esse tipo de violência?
ZM: Que não tenha medo, que denuncie, porque enquanto as mulheres não reagirem, o homem fica contando com a impunidade. Tem que ter coragem e denunciar mesmo.

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