Personificação de diversas minorias – nasceu mulher, negra e pobre –,
Elza Soares, de 77 anos, precisou dar chutes nas portas para conquistar o
sucesso e o respeito que almejava. Passou fome na infância, sofreu com o
moralismo da sociedade por causa do relacionamento com Mané Garrincha (que era
casado quando conheceu a cantora), enfrentou os problemas de alcoolismo do
jogador e viveu a traumática experiência da perda do filho do casal em um
acidente de carro, anos depois da morte do companheiro. Sempre se recuperando
como uma fênix, Elza segue bem-humorada e fazendo uma média de 15 shows por
mês, que tem realizado sentada por causa de problemas na coluna. Entre as
apresentações está o espetáculo Elza
Soares Canta e Chora Lupicínio Rodrigues, que ganhará registro ao vivo.
O atual momento da cantora ainda é tema de My
Name Is Now, filme com recortes musicais que mistura ficção e documentário,
dirigido por Elizabete Martins Campos. Elogiado, o longa estreou no Festival do
Rio e busca parceiros para ser exibido em circuito comercial. “Quando me
assisti, pensei: ‘Porra, que mulher foda’”, ela diz, sem falsa modéstia.
Elza Soares canta Vingança,
uma das músicas do show Elza canta e chora Lupicínio
Rolling
Stone: Como surgiu a ideia de
fazer um filme como esse?
Elza Soares: Conheço a
Bebete há um tempo e comentei que gostaria de escrever um livro sobre mim. Ela
me sugeriu fazer um longa-metragem. É um filme em que falo da Elza de agora,
não tanto da Elza das porradas da vida.
RS: E por que não quis abordar de forma mais contundente os perrengues
pelos quais você passou?
ES: Falamos disso
no filme também, mas queria algo mais leve. Ao longo da minha carreira sempre
consegui tudo na porrada, porque sou abusada. Até hoje falo que nunca tive um
grande patrocinador. Mas também é aquela coisa, talvez com um patrocinador eu
não pudesse ser o que sou.
RS: Acha que teria tido mais aceitação do público não fosse o
relacionamento com Garrincha?
ES: Sim. E se eu tivesse sido como queriam que eu fosse,
uma donzelinha frágil com vestido até a canela e gola no pescoço. Meu vestido
só não sobe mais por causa das calcinhas [risos]. Era uma época em que se tinha uma ideia da mulher
submissa, que muitas vezes era depósito para lixo de alguns homens. Nunca quis
isso e sofri também. Ser livre, naquela época, foi difícil. E se minha história
com Mané se passasse agora, com os jogadores ganhando milhões, não sei se eu
seria a mulher dele. Conheci um Garrincha pobre e nosso amor era verdadeiro. O
que sinto por ele permanece intacto.
RS: Essa intensidade que você tem claramente vai
além do cantar.
ES: Sempre me pergunto: “Será, meu Deus, que quem nasce
com esse coração é quem tem que morrer crucificado?” Porque o ser humano vive
muito mais com a razão do que com a emoção. Eu não nasci com a razão e pago um
preço muito caro. E o Mané também era assim.
RS: Não à toa você tem esse laço tão forte com
as canções do Lupicínio.
ES: Acho que é por isso que o show deu tão certo. Elza
canta e chora Lupicínio. Entra pelo meu útero, me engravida e cada música
cantada é um parto. Gravamos um registro audiovisual ao vivo em Porto Alegre,
terra de Lupi. Convidei o filho dele, Lupicínio Rodrigues Filho, e o lançamento
será no início de 2015.
RS: Você era moderna em uma época de grande conservadorismo. Acha que é
mais fácil ser mulher hoje?
ES: As mulheres tinham muito medo de mim. Quando eu
chegava numa festa era uma coisa de “cuidado com a Elza”. Hoje em dia elas
conseguem se impor muito mais. Mas ainda há preconceito, e não só vindo do
homem. Muitas mulheres são machistas sem perceber.
RS: A representação feminina no Congresso, por exemplo, ainda é muito
pequena.
ES: As mulheres não se apoiam. Falta mulher na política.
Eu tenho tanta vontade de vê-las de mãos dadas, se ajudando. E minha luta, além
de ser pelos negros e pelas mulheres, sempre foi pelos gays. Alguns tratam os
homossexuais como se não fossem um pedaço de nós. Eu sou todos eles.
RS: E como está a sua coluna?
ES: Ando fazendo
muita fisioterapia. Caí do palco em 1999 e nem dei muita bola. Segui usando
meus saltos de 15 centímetros. De 2007 para cá, fiz três cirurgias e tenho oito
pinos na coluna. Sempre sambei no palco. Hoje, me apresento sentada, mas
aprendi a dar uma tremidinha na cadeira [risos].
Espero que em 2015 eu já volte a fazer shows em pé. Acredito que com a minha
vontade e entrega vai dar tudo certo.
*Entrevista concedida Patrícia Colombo da revista Rolling Stones em dezembro de 2014, na edição 100 (http://rollingstone.uol.com.br/edicao/edicao-100/entrevista-elza-soares)
Para saber mais sobre Elza Soares, confira o especial ENSAIO sobre Elza Soares gravado em 14/09/2014 pela TV Cultura:
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