“A
minha carne negra já está cansada de ser presa, de viver debaixo do papel
preto, de lixo. Tudo que acontece é a minha carne negra. Tudo que acontece
é minha carne negra. Vamos dar um basta e ta na hora de acabar com a
violência. A violência. A violência. Nós vivemos hoje num país de guerra e não
tomamos conta. Estamos esperando o que? Esperando o que mulheres do meu país?
As matriarcas. Vamos à luta, vamos à luta! Precisamos de liberdade. Paz, paz.
Vamos à luta! Arrebentar, arrebentar essas correntes. Tirar as grades de nossas
portas. A liberdade, o direito de ir e vir. Saber que seu filho volta pra casa.
A liberdade, a liberdade à minha carne negra! Negra, negra negra, negra, negra,
negra. A minha carne negra. Negra. Negra. Justiça. Negra. Negra. Chega de ter menina de 13 anos levando tiro.
Negra!”.
Elza Soares, 2007
Vive-se um momento de crise no mundo todo.
Ninguém está seguro e livre do que está acontecendo. Ao mesmo tempo, vive-se em
um mundo globalizado. Nunca o direito de ir e vir esteve tão propenso a ser
garantido devido às tecnologias disponíveis para comunicação e locomoção. Entretanto,
a intolerância parece imperar. Intolerância para as religiões, para os gêneros,
para as sexualidades, para os posicionamentos políticos e sociais. Intolerâncias
desmedidas, injustificáveis, retrógradas, absurdas, inaceitáveis. Como sempre,
negros estão no foco de grande parte dos intolerantes. Como sempre, mulheres
estão no foco de grande parte dos intolerantes. Mulheres negras, então, nem se
fala. São elas algumas das pessoas que mais sofrem com preconceitos e com desigualdades.
As lutas femininas negras, porém, vem ganhando cada vez mais espaço no globo.
Mulheres com fibra e coragem estão enfrentando a sociedade machista e racista
na qual foram criadas. Leis que contribuem para que as mulheres negras lutem também
foram criadas. Mas isso não é o suficiente. Ainda é preciso lutar muito.
No dia 25 de julho, comemora-se o Dia Internacional
da Mulher Negra. Apesar de ser um dever do mundo agradecer às mulheres negras
todos os dias, o blog faz, durante os próximos dias, uma homenagem para as
mulheres negras envolvidas no audiovisual. A primeira homenagem será com uma
lista de músicas cantadas por mulheres negras que se destacaram nos últimos 100
anos. Na sequência, entrevistas realizadas nos últimos anos com mulheres negras
e textos que relacionam a mulher negra e o audiovisual escritos por mulheres
negras. Abaixo, segue uma lista de mulheres cantoras negras que se destacaram
ao ter suas vozes em alguma música de algum filme para cinema, músicas que, a partir
do filme, ganharam ainda mais o gosto do público. O maior critério, entretanto,
é pela luta dos direitos civis que essas mulheres participaram, cada uma
lutando, e incentivando outras mulheres, por um mundo onde as mulheres negras
sejam devidamente respeitadas e valorizadas.
Aretha
Franklin
- Respect (Otis Redding), Forrest Gump: O Contador de Histórias
(1994), de Robert Zemeckis
Aretha Franklin, a Rainha do Soul ou Dama
do Soul, era filha de um pregador da Igreja Batista que se tornou muito popular
ao construir sua própria congregação, recebendo visitas de pessoas famosas e
ligadas à música gospel e soul. Assim, Aretha começou a ser influenciada. Não
demorou muito para que a jovem chamasse a atenção. Prestes a completar 20 anos,
Aretha começou sua carreira como cantora de jazz. Um tempo depois, Aretha se
livrou dos padrões estéticos, assumiu o black power e lançou Respect, canção que a popularizou mundialmente
e que, mais tarde, virou um hino dos direitos civis e do feminismo. Como um dos
nomes mais famosos da música, Aretha, uma mulher negra, passou a defender os
direitos civis dos negros e apostar nos novos talentos jovens da música
americana. Segundo Aretha, nunca foi sua intenção impulsionar o feminismo, mas
fica feliz em tê-lo feito inconscientemente, e hoje, apoia a causa.
Billy
Holiday
- Strange Fruit (Lawis Allan), 9 ½ Semanas de Amor (1986), de Adrian
Lyne
Strange
Fruit,
de Lewis Allan, é uma canção de 1939 que revela a história de um negro linchado
e condenado ao racismo em um Estados Unidos ainda segregado. A música ficou
famosa ao ser interpretada por Billie Holiday, que nasceu de uma mãe com apenas
13 anos de idade, foi abandonada pelo pai ainda bebê, foi abusada sexualmente,
trabalhou de forma inaceitável, foi prostitua, casou com um marido abusivo,
sofreu violência de músicos com quem trabalhou, teve que comer nos fundos dos
locais onde trabalhava por ser negra, foi viciada em álcool e heroína e morreu
com apenas 44 anos na cama de um hospital e sob prisão domiciliar. Ainda assim,
Billie dominou sua voz sem nenhum ensinamento prévio, ouvindo grandes cantores
desde que conheceu o saxofonista Kenneth Hollan, com quem começou a cantar
profissionalmente. A cantora, sem duvidas, encabeçou o movimento dos direitos
civis femininos negros nos EUA ao se arriscar como artista. Billie teria
completado cem anos em 2015 e, apesar de ter vivido apenas 44, é vista por
alguns como a maior e mais influente cantora da história do jazz. Aqueles que
discordam, a veem como a maior cantora da história da música.
Diana
King
- I Say a Little Prayer (Burt
Bacharach e Hal David), O Casamento do
Meu Melhor Amigo (1997), de P. J. Hogan
Descendente de indianos e africanos e
nascida em 1970 na Jamaica, Diana King é uma cantora que mescla o R&B
contemporâneo, o reggae e o pop numa voz poderosa, afiada, sexual, com letras
nervosas e provocativas. Aos 41 anos, King assumiu sua homossexualidade e
admitiu não tê-lo feito anteriormente por medo do desconhecido e pelo que isso
causaria em sua carreira, família e amigos. Segundo ela, entretanto, “não é meu
trabalho fazer a vontade dos outros... Neste momento na minha vida não me
importo com as coisas que me assustam mais”. Nos últimos anos, Diana tem usado
suas páginas em redes sociais, como o Facebook e o Twitter, para defender os
direitos iguais a negros e homossexuais, bem como a liberdade de todo ser
humano.
Dionne
Warwick
– Walk on By (Hal David e Burt
Bacharach), Um Tiro para Andy Warhol (1997),
de Mary Harron
Walk
on By
foi composta especialmente para Dionne Warwick, que a gravou em 1963 e foi
lançada no ano seguinte. Na década de
1980, a cantora já demonstrava grande apreço pelas questões humanitárias,
participando de duas músicas beneficentes: We
Are the World, fazendo parte da USA For Africa, e That’s What Friends Are For. Grande admiradora da música
brasileira, Dionne possui casas no Brasil e é engajada na luta em prol dos
direitos humanos. Dionne possui um projeto no Vidigal, no Rio de Janeiro, que
luta por mais educação e pela redução da pobreza. Em 2010, ela e o filho, David
Elliott, participaram de um movimento social “em prol do direito a busca da felicidade”.
No mesmo ano, foi concedido o título de cidadã honorário do município do Rio de
Janeiro à doutora em Educação Musical desde 1973.
Ella
Fitzgerald
- It's de-Lovely (Cole Porter), Trapaça (2013), de David O. Russell
Filha de pais que nunca casaram e vivendo
com um o padrasto que a maltratava, Ella teve infância e adolescência
conturbadas, especialmente, após a morte da mãe, quando acabou trabalhando em
um bordel e em uma casa de apostas de jogo de números, foi presa e enviada a um
reformatório, de onde fugiu e passou a viver nas ruas. Acabou sendo internada
em um asilo para jovens de cor. Aos 17 anos, Ella começou sua carreira como
cantora em teatros de variedades interpretando músicas populares da época. A
cantora, assim, tornou-se uma das cantoras mais conhecidas e adoradas da década
de 40 representando as mulheres no jazz. Com carreira de 59 anos, 14 prêmios
Emmy e duas medalhas de honra de diferentes presidentes estadunidenses, Ella, a
“primeira dama da música”, é considerada, por muitos, a maior cantora do século
XX. Ella tinha voz doce, mas pulso filme e se defendia como mulher e negra,
prezando pela igualdade e a liberdade.
Elza
Soares
- Paciência (Lenine), Estamos Juntos (2011), de Toni Venturi
Segundo a própria Elza, ela nasceu mulher,
negra e pobre, nada podia ser mais desanimador. A mulher que pode ser tudo ou
nada, foi uma das figuras mais desejadas da década de 1960 no Brasil. Elza,
como a maioria das mulheres negras do mundo, teve uma infância complicada, e se
tornar uma estrela não fez sua vida virar um céu. Após perder alguns filhos –
começou a ter filhos aos 13 anos -, Elza casou com o jogador de futebol
Garrincha e passou a ser apontada pelo mundo todo. Ela era uma negra, uma
mulher, uma cantora em início de carreira que fez o craque se separar da esposa
para ficar com ela. Segundo Elza, a mulher, a negritude e o mundo gay são a
minorias mais afetadas na sociedade, e é por elas que Elza luta no dia-a-dia,
utilizando, até hoje, sua influência e sua voz – cantando ou falando/gritando –
para lutar pela igualdade e pela democracia.
Gloria
Gaynor
– I Will Survive (Dino Fekaris e
Freedie Perren), de Priscilla – A Rainha
do Deserto (1994), de Stephan Elliott
Gloria Gaynor nasceu em 1949. Seu primeiro
contrato foi assinado em 1968 e, em menos de uma década, já era conhecida no
mundo todo como uma grande artista. Mas foi em 1978, que Gloria ganhou o mundo
com a música I Will Survive, o hino da
resistência feminina que logo virou o maior hino gay da história, especialmente
por sua relação com o filme Priscilla – A
Rainha do Deserto. A canção composta por dois homens, conta a história de
uma mulher que é deixada pelo marido e lhe manda o recado de que não precisa
mais dele, e é uma das músicas populares mais tocadas no cinema. A Rainha do
Disco, desde essa época lutava pelos direitos civis de mulheres e negros, usando,
como tantas outras, sua popularidade para garantir que sua voz seria ouvida,
ou, pelo menos, que poderia fazer os demais pesarem um pouco.
Margareth Menezes - Protesto do Olodum Lá Vou Eu (Tatau), Ó Paí, Ó (2007), de Monique Gardenberg
Margareth Menezes nasceu em Salvador, filha de uma doceira e costureira e um motorista. Seu avô tocava violão e, desde cedo, a cantora teve muito incentivo musical. Durante a adolescência, ainda participou de aulas de teatro em sua cidade natal. Com a música Faraó – Divindade do Egito, Margareth despontou como cantora nacional e caiu na graça do público e dos grandes músicos brasileiros. Cantando sobre a cultura brasileira, sobretudo baiana, e sobre a história negra, Margareth nunca abandonou suas raízes e se tornou um símbolo cultural importante para o Brasil todo. A música, dessa forma, foi usada pela artista como forma de apontar a importância de se valorizar o negro e a cultura nordestina, ambos alvos certos do preconceito. Além disso, Margareth encabeça o Movimento Afro POP Brasileiro e criou a Fábrica Cultural na Cidade Baixa em Salvador, projeto que leva a cultura para a população em massa da região. A artista acredita, e aposta, assim, na juventude do nosso país, defendendo que é preciso que as consciências de cada um estejam iluminadas para que o Brasil mude.
Nina
Simone
- Feeling Good (Leslie Bricusse e
Anthony Newley), Os Intocáveis
(2011), de Olivier Nakache e Eric Toledano
Eunice Waymon, foi descoberta por uma
professora de piano na igreja de sua comunidade. A professora, branca e de
classe alta, convidou a menina para aulas em sua casa, no bairro branco e de
classe alta da professora, em um Estados Unidos ainda segregado. A pequena
Eunice, entretanto, não se deixou abalar e completou seus estudos, sendo a
primeira negra a ingressar na Julliard School. Mas Eunice não tinha dinheiro
para se sustentar e começou a tocar piano em bares, onde foi obrigada a cantar
para segurar o emprego. Foi quando surgiu Nina Simone (Nina vinha de “niña”,
apelido ganhado de um namorado, e Simone vinha da atriz francesa Simone
Signoret). Nina era casada com o marido e agente, que a violentava, humilhava e
roubava. Apesar disso, a fama veio em 1958 com
I Love You, Porgy, e Nina ficou conhecida com uma mulher de temperamento
forte que lutava pelos direitos civis de negros e mulheres. Enaltecer e negritude
e defender as mulheres, foram, assim, seus maiores objetivos até sua
morte.
Tina
Turner
- GoldenEye (Bono e The Edge), 007 Contra GoldenEye (1995), de Martin
Campbell
Única música composta originalmente para
um filme da lista, GoldenEye foi
composta e escrita por Bono e The Edge e gravada, originalmente, pela própria
Tina Turner. A rainha do rock, como ficou conhecida, tornou-se ícone black, pop
e rock. Em sua autobiografia, Turner revelou que viveu agressões físicas de seu
ex-marido e mentor musical, Ike Turner. As declarações acerca da violência
sofrida na segunda metade da década de 1970, serviram de alerta para muitas
mulheres e passaram a servir de exemplo para lutas em prol da igualdade sexual.
No cinema, Tina também foi destaque ao participar do longa Mad Max – Além da Cúpula do Trovão.
Zezé
Motta
- Miragem de Carnaval (Caetano
Veloso), Tieta do Agreste (1996), de
Carlos Diegues
Zezé Motta nasceu no Rio de Janeiro e aos
20 anos estreou Roda-Viva, peça de
Chico Buarque. Apesar de uma carreira excelente desde o início, foi perto dos
trinta anos que eternizou a personagem Chica da Silva, no filme homônimo que
conta a história da escrava alforriada que casou e teve filhos com um homem branco
e rico. Como tantos outros negros, Zezé nasceu em uma família pobre e teve de
lutar para ter seu lugar na cultura brasileira. Assim, a atriz, cantora e
ativista, foi uma das primeiras artistas brasileiras negras a mostrar a cara e
defender os direitos feministas e dos negros com pulsos firmes. A fama e o gosto
do público fizeram com que Zezé também se tornasse uma das mulheres mais
ouvidas de sua geração no combate ao racismo e aos mecanismos de exclusão socioeconômica
e política dos negros na sociedade contemporânea. Zezé já ocupou os cargos de presidente de
honra do CIDAN (Centro de Informação e Documentação do Artista Negro) – fundado
por ela em 1984 - e de superintendente da Igualdade Racial do Governo do Rio de
Janeiro.
BÔNUS: ELZA SOARES
CANTA A CARNE
Como
faixa bônus, Elza Soares cantando a música de Seu Jorge, A Carne, uma das músicas
símbolo da luta negra por igualdade no Brasil. Destacando, claro, o momento em
que Elza expressa sua indignidade e lembra que mais barata ainda que a carne
negra, é a carne da mulher negra. Confira o vídeo da memorável interpretação de
Elza em seu show em 2007.
ACESSE NOSSA PÁGINA NO YOUTUBE:
E CURTA NOSSA PÁGINA NO FACEBOOK:
Nenhum comentário:
Postar um comentário