A segunda sessão do dia de sábado (31) do XI Panorama Internacional Coisa de Cinema teve o documentário como foco. Três produtos bastante diferentes entre si em temáticas e formas de abordagem, os filmes da sessão tinham por grande objetivo homenagear o cineasta Mário Peixoto e a cultura baiana e alertar para os problemas da seca no Nordeste do Brasil.
Uma boca cospe. Em escombros do que antes
fora um prédio, uma mulher negra movimenta-se em uma performance hipnotizante
antes de atacar a câmera fixa. Logo nos primeiros planos, Ifá, de Leonardo França, conquista o espectador pela fotografia e
as cores. Os planos são intimistas, fazem o espectador refletir e acompanhar os
movimentos da boca e de todo o corpo da mulher de forma poética. A saturação do
filme salta aos olhos e chama a atenção para a imagem mostrada. Entretanto, durante
os vinte minutos do filme, ele perde força e parece não saber que direção
tomar. A mulher e sua poesia se misturam a uma conversa com um pai de santo e a
uma contação muito didática de uma história de Orixás. Enquanto o homem fala,
as imagens retratam exatamente o que o homem diz, não há ousadia no que se
mostra, não há alegoria metafórica alguma e as planos acabam sendo forçados
demais.
Mario Peixoto foi roteirista e diretor de
um dos maiores e mais enigmáticos filmes da história do cinema brasileiro: Limite. Seu único longa-metragem. O curta
Mar de Fogo homenageia o mestre e sua
obra em nove minutos. A proposta de homenagear Peixoto e seu filme é, sem
dúvidas, louvável, entretanto, a impressão é a de que o diretor Joel Pizzini
aproveitou a onda que trouxe Limite à
boca do povo europeu e americano quando Martin Scorsese restaurou o longa e
resolveu realizar algum produto relacionado a isso para ter facilidades
financeiras. Em preto e branco e com a real intenção de se aproximar do filme
de Mario Peixoto, o curta não chega nem perto e tem uma proposta clássica demais.
Nada parece ser dito com sutileza e, apesar de belas imagens recuperadas do
filme, as referências ao longa se resumem a coloração do curta.
Seca. Fenômeno natural que se caracteriza
pela ausência ou atraso das chuvas ou pela má distribuição da água. Problema
enfrentado pelo no Nordeste brasileiro há décadas e que poderia ser considerado
batido se a urgência em o debater não fosse perene. Seca, de Maria Augusta Ramos, o longa da noite, trata desse tema
acompanhando um carro pipa pelo sertão. As histórias dos povoados e cidades por
onde o carro passa, mesmo aquelas que parecem não ter muita relação com a água
e com a seca, são narradas de forma natural. O filme possui várias características
sempre vistas em filmes documentários tradicionais, daqueles que a massa está
mais acostuma a assistir, como: iluminação natural, acompanhamento do cotidiano
dos personagens, planos abertos que contextualizam o espectador.
O que se vê de diferente em Seca é a ausência de qualquer
depoimento. As histórias são contadas a partir de imagens, sem a necessidade de
qualquer narração, diferente e mais eficiente do que feito no curta Ifá. Nos momentos onde os depoimentos
seriam cabíveis, existem conversas entre o homem que guia o carro pipa e algum
morador que recebe a agua, entre um morador e outro, entre familiares. Outro
ponto forte do filme é deixar clara a necessidade de ainda se falar sobre a
seca em produtos audiovisuais que cheguem ao público e que conscientizem.
Apesar disso, e apesar do título, o filme peca ao retratar uma história com esperança
demais e crítica de menos. Na ânsia de se falar sobre todo o contexto da seca
no Nordeste, o longa fala sobre água, sobre política, sobre fé, sobre esforços,
sobre medidas, e não foca em nenhum deles.
Ifá poderia ter ido
além do que se diz e ousado mais nas imagens que apresentou, misturando os
elementos do candomblé e retratando a história contada pelo personagem de forma
mais poética, como a dança da mulher negra do início do filme. Mar de Fogo destoa de outros trabalhos de
Joel Pizzini e seria mais interessante se optasse por manter a estética muda do
filme Limite, obra prima do
homenageado Mario Peixoto. Seca se
perde em tantas informações e poderia optar por uma temática de denúncia, como
por exemplo, ser mais incisivo em como a politicagem agrava os problemas da
seca no Nordeste. Com três filmes com propostas bastante interessantes, a noite
de sábado acabou sendo a mais decepcionante do Panorama.
Nenhum comentário:
Postar um comentário