quarta-feira, 11 de novembro de 2015

COBERTURA XI PANORAMA INTERNACIONAL COISA DE CINEMA

O segundo dia da mostra competitiva do XI Panorama Internacional Coisa de Cinema foi um dos mais aguardados de todo o evento. Segundo Cláudio Marques, coordenador do Panorama e curador dos longas das mostras nacional e internacional, a sessão ficou conhecida nos bastidores como “sessão estranheza”. E não é para menos.



Um escritório claustrofóbico. Cinco operários. Um patrão. O homem que virou armário, de Marcelo Ikeda, apresenta uma sociedade ultrapassada, limitada. Aqui, não há a necessidade de se utilizar das novas tecnologias para criticar o vício em trabalho. De forma muito inteligente, o média opta por esse espaço que lembra as décadas passadas e o trabalho com o papel, e não com computadores, para exemplificar claramente o trabalho operário. Com apenas uma fala durante o filme, esse é o tipo de produto que se constrói pelo som e pelas imagens, pelos olhares e pelos gestos dos personagens. No som, o silêncio e os “barulhos” cotidianos do escritório que o quebram, como o relógio que anda vagarosamente, a mulher que lixa as unhas, o homem que carimba os papéis, a mulher que conta o número de folhas, o patrão que abre e fecha gavetas bruscamente. Nos personagens, o suor, a indiferença, a falta de importância de uns com os outros e uma única palavra que muda, de forma muito poética, um mundo todo.


Um casal de idosos almoça em uma cozinha apertada. Um plano longo, carregado de realidade pelo ângulo escolhido e pelas interpretações dos atores. Os dois intérpretes são os pais de André Novais, diretor de Quintal, filme vencedor no Festival de Brasília. No média, a história gira em torno desse casal e das improbabilidades e obviedades do cotidiano de um casal de idosos. A estranheza? Uma espécie de portal que surge nesse quintal. Um portal que representa, metaforicamente, o quanto a vida dos idosos pode ser interessante e agitada no cotidiano. Ao menos para eles, que, quando chegam nessa idade, percebem que são capazes de fazer muito mais do que era esperado. Cada dia acaba se tornando uma verdadeira aventura. Com cenas resolvidas em poucos planos (geralmente longos e fixos), o filme mescla o documental e a ficção, tem efeitos visuais bastante realistas e faz rir e refletir sobre a vida e o futuro.


O calor e o sol são a únicas certezas na vida de Guima, um poeta que não consegue escrever um livro patrocinado pelo estado da Bahia. Com uma câmera na mão, o longa da noite, Tropykaos, de Daniel Lisboa, acompanha os dias na vida desse jovem, que perambula pela escaldante capital baiana de tênis, calça e moletom. Logo nos primeiros planos, o espectador é lançado para o cotidiano de Guima (ainda mais quando o filme é assistido na própria Salvador), e começa a entender sua angústia rapidamente. O ritmo criado ao longo da trama e o som que induz o espectador a sentir as emoções do protagonista são o grande trunfo do filme. Entretanto, sente-se falta de mais algumas ousadias. Tropycaos é um filme que permeia o fantástico. Guima não está apenas sofrendo com o calor, ele está, literalmente, queimando, entrando em combustão. Momentos como quando o sol parece queimar a tela do cinema, ou quando uma montagem frenética alterna entre Guima e outros elementos que representam o agito e o calor nas ruas de Salvador são as melhores sequencias do filme, mas são mais raras do que deveriam. 
O roteiro, de Guilherme Sarmiento, é claramente metafórico. O calor sentido por Guima não é causado apenas pelo sol, o astro que queima lá em cima. O próprio calor tem muito mais a ver com os medos, as angústias, os sentimentos do protagonista. O sol que queima, é a pressão de um governo que espera que a arte de Guima seja feita de forma processual. É a burguesia, representada por sua própria família, sempre preocupada com as aparências. É a religião, que exige a escolha de um Deus, de um demônio, de uma fé única, inabalável e incontestável. É, acima de tudo, a intolerância que tomou conta de nossa sociedade nos últimos anos, que julga, aponta e mata todos os dias no Brasil. Para deixar essas representações claras, Sarmiento opta pela fantasia de forma sublime. O ar condicionado e a falta que ele faz, sem dúvidas, incomoda mais que o necessário, chegando ao exagero. O produto final das ideias do roteirista poupa no experimentalismo, resume a negritude baiana em apenas um radialista e algumas representações que poderiam ser ressaltadas ficam apenas numa metáfora sutil e muito sem graça.


Nos últimos anos, o cinema brasileiro tem recebido um número nunca antes visto de filmes que se entregam ao mundo do fantástico de forma muito positiva. Alguns deles, como no caso de Tropykaos, ainda há um medo de se experimentar essa tendência. O mais interessante desses filmes é como a fantasia é utilizada como elemento que nos faz pensar sobre como a sociedade tem vivido e como estamos condicionados a pensamentos que são mais que ultrapassados. Os curtas da noite são mais ousados e, apesar de o público ainda não estar habituado a esse tipo de narrativa e de linguagem cinematográfica, são filmes que conquistam aos poucos. O Panorama, por sorte, ainda é um festival jovem em idade e, por isso, pronto para receber essas novas tendências e revelar o quanto elas são significativas para o cinema brasileiro.

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