A Mostra Competitiva Nacional do Panorama contou, em cada sessão com dois curtas e um longa-metragem. No primeiro dia (quinta-feira, 28), filmes com aspecto documental que tocam o espectador mostraram que o festival prometia muita coisa.
Com uma câmera na mão, um garoto filma
tudo o que vê pela frente. Seria o futuro Godard? Ou Glauber Rocha? Ou seria o
americano Orson Welles? Ou Dreyer, Truffaut, Bergman? Apesar de algumas
características documentais, o curta Outubro
acabou, que abriu a competitiva nacional na noite de quinta-feira (28) não
é a biografia de nenhum grande cineasta. Ou seria um pouco de todos? Com planos
curiosos, compostos de forma muito artificial e alternando entre o irritantemente
harmônico e o não convencional, o filme de Karen Akerman e Miguel Seabra Lopes
parece a representação de como todo cineasta se torna uma criança curiosa e
sedenta quando encontra uma câmera e decide realizar seus filmes. Apesar de um
ritmo agradável, com pontos bastante engraçados e sensíveis, o filme não é o
tipo de realização que celebra a sétima arte que conquistará um público que não
tenha uma paixão pelo cinema semelhante ao protagonista. Uma pena.
Filmado na Ceilândia, a cidade mais
violenta e precária do Distrito Federal, Meio
fio, de Denise Vieira, foi o segundo filme da noite. A realidade de um
bairro com casas populares mostrado no primeiro plano do filme contrasta com os
planos saturados e quase lúdicos da rádio onde a protagonista trabalha. Como em
nosso cotidiano, o curta se diverte com
o trágico, brinca com personagens que sofrem por amor, pela falta dele, pela
perda, pelas decepções. A câmera na mão que acompanha a protagonista e os
diálogos sempre muito realistas conferem ao curta um caráter documental
interessante, à medida que o espectador se questiona sobre as situações em que
os personagens se encontram. Meio fio
também é uma oportunidade bastante boa para ressaltar como as personagens
femininas fortes e decididas estão ganhando espaço no cinema brasileiro.
Outro filme que merece destaque pela
representatividade feminina é o longa da noite: Olmo e a Gaivota, novo filme de Petra Costa. Com este, Petra
continua mostrando a que veio e traz mais um filme notório para o cinema
brasileiro. Aqui, a personagem feminina da vez é uma atriz de teatro que
engravida do marido e tem que enfrentar essa nova fase da vida. Interessante
observar como o enredo proposto por Petra não dramatiza a situação de Olivia, a
protagonista, nem apenas glorifica a maternidade. Petra pesa tudo na balança e
aborda o tema da gravidez como ele realmente é: um tema delicado e cheio de
controvérsias. Há felicidade, claro, mas também, estão presentes os
questionamentos, os medos e os anseios de uma mulher que vê sua vida prestes a mudar
devido à gravidez.
E logo no início do filme, quando Petra já
havia conquistado o espectador com seus personagens fortes e muito verdadeiros,
surpreende-se quando Olivia, enclausurada em seu apartamento por problemas na
gravidez, volta-se à câmera e responde uma questão feita por quem está atrás
dela. O filme, que já possuía uma câmera na mão que se permitia movimentos
muito sutis, ganha mais características documentais e momentos de total ficção
são compensados com depoimentos tocantes da protagonista e conversas com quem
está atrás da câmera. Conversa-se, no final das contas, com o espectador. Para
diversificar esses dois momentos, o trabalho com o som estabelece uma trilha
sonora muito diferenciada para os momentos dos depoimentos. Claro que essa
estética não irá agradar a todos os espectadores do longa. Incomodará,
inquietará. Mas que seja Petra, com toda sua sensibilidade, a causar essas
emoções pela diversificação do cinema nacional, que, um dia, será muito bem
aceita, muito bem-vinda.
Se há algo de que o Panorama Internacional
Coisa de Cinema pode se orgulhar muito é a forma como a curadoria consegue
reunir filmes que dialoguem uns com os outros em uma mesma sessão. Os aspectos
documentais e as sensações de desconforto causadas pelos filmes da noite de
quinta-feira fazem da primeira sessão do festival mais uma que segue essa
regra. E que bom que seja assim. Além disso, os filmes da noite foram muito bem
selecionados para que os espectadores (que lotaram duas das salas onde a sessão
foi exibida) saibam que muito ainda está por vir. E claro, é bom ver, em uma
competitiva nacional com 16 curtas e oito longas, quatro curtas/médias e três
longas serem dirigidos por mulheres. Três desses sete, foram apresentados na
sessão de quinta, momento em que mulheres fortes e que vem ganhando destaque no
cinema nacional foram representadas e homenageadas de forma digna.
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