quarta-feira, 19 de junho de 2013

065. CIDADE DE DEUS, de Fernando Meirelles e Kátia Lund

“Cidade de Deus” explora, de forma real e sem pudores, a terrível vida de quem mora em uma favela, trazendo um filme cheio de surpresas e qualidade, mostrando a verdadeira face de uma parcela do povo brasileiro.
Nota: DEZ


Título Original: Cidade de Deus
Direção: Fernando Meirelles e Kátia Lund
Elenco: Alexandre Rodrigues, Leandro Firmino, Phellipe Haagensen, Douglas Silva, Jonathan Haagensen, Matheus Natchtergaele, Seu Jorge, Jefechander Suplino, Alice Braga, Emerson Gomes, Edson Oliveira, Michel de Souza,
Produção: Andrea Barata Ribeiro, Mauricio Andrade Ramos, Daniel Filho, Hank Levine, Vincent Maraval, Juliette Renaud
Roteiro: Paulo Lins e Bráulio Mantovani
Ano: 2002
Duração: 130 min.
Gênero: Drama


Em 1960, como uma medida público-social, o governo do Estado da Guanabara (hoje o município do Rio de Janeiro) criou complexos habitacionais para remover as várias favelas que compunham a região urbana. Um desses complexos foi a Cidade de Deus, povoada por favelados de 63 favelas distintas, o que evidencia uma heterogeneidade impressionante verificada nos tipos de trabalhadores, de culturas, de educação, de cor e raça. Na década de 1980, a favela presenciou a criação de dezenas de projetos e associações que melhoraram a vida de seus moradores e em 2009, após décas de períodos muito críticos para todos, a Cidade de Deus foi tomada pela Unidade de Polícia Pacificadora.


O jovem Buscapé é um rapaz sonhador que vive na Cidade de Deus e acaba realizando seu desejo de ser um fotógrafo. Mas antes disso, Buscapé vive toda a intensidade da favela onde mora observando tudo o que acontece a sua volta. O garoto relembra sua infância, onde era o irmão mais novo de um dos maiores marginais do local. Revela a história de Dadinho (ou Zé Pequeno) e toda a ascensão do tráfico na favela. Nesse contexto, Buscapé revive os passos que o levaram ao destino de se tornar um fotógrafo e mostra como a vida podia ser dura para os favelados entre as décadas de 1960 e 1980 na tão temida Cidade de Deus.


Falar sobre o enredo do filme é um pouco complicado, pois Buscapé relembra sua infância e nos conta um pouco da vida de todos os personagens importantes que compõe a trama. No início do filme, a antológica cena em que vários homens preparam galinhas para o almoço, uma delas foge e acaba indo parar bem na frente de Buscapé, que fica entre bandidos e policias. O tempo volta e o garoto lembra do trio composto por Cabeleira, Marreco (irmão de Buscapé) e Alicate, o Trio Ternura, que age na favela ora como verdadeiros bandidos, ora como herois no estilo Robin Hood. Ainda vemos, pela primeira vez, os pequenos Bené e Dadinho, esse um garoto sedento de sangue que se aproveita da fuga do Trio Ternura de um motel para cometer uma jacina no local. Um tempo depois, aos poucos, Dadinho toma quase toda a favela e torna-se Zé Pequeno. A partir daí, o contexto da favela já está construído como a imaginamos: o tráfico de drogas rola solto, os jovens são incitados desde pequenos a querer matar e admirar os traficantes – que, em alguns casos, não passam de homens de menos de 25 anos, Zé, por exemplo, acaba de completar 18 -, há a clara divisão daqueles que mandão e dos que obedecem (ou morrem), gangues vivem provocando umas as outras e a maior pretensão de um favelado acaba sendo estar ao lado de Zé Pequeno. Dessa forma, vemos como o contexto não permite que as pessoas na favela desejem outra coisa, pois não há nenhum outro tipo de oportunidade. Além disso, em um momento de glória, um homem bonito e decente, decide que se vingará de Zé por o bandido ter estuprado sua esposa e ter matado parte de sua família, e, ao contrário do que todos podemos imaginar, a favela se junta ao rapaz e mesmo que sem ajudá-lo de forma efetiva, apóia-o a matar quem ele quiser em prol de trazer a paz novamente à favela.


O roteiro do longa, baseado no romance de Paulo Lins, é uma beleza a parte em toda produção, pois no revela uma realidade nua e crua com a qual não estamos acostumados, realidade que poucos brasileiro imaginam acontecer em seu próprio país. Algumas pessoas acreditam que toda essa realidade seja um exagero por parte do roteiro, adaptado por Bráulio Mantovani, no entanto, tendo em vista todas as crueldades e terrorismos que vemos hoje, afirmo que tudo tem uma origem, ou seja, toda essa violência verificada nos dias de hoje nas favelas brasileiras, todo esse absurdo onde bandidos mandam no poder público – e muitas vez o próprio poder público faz parte das facções criminosas –, todo esse sistema como o apresentado nos filmes de “Tropa de Elite” não pode ter surgido do nada, sem motivos e sem antecedentes. Na realidade, creio que é bem isso o que podemos verificar nessas duas produções brasileiras que deixaram todo o mundo boquiaberto, cada uma em seu tempo: os problemas vivenciados pelo Capitão Nascimento são um reflexo do que ocorreu após a criação das favelas no Brasil. Enquanto Nascimento é o anti-heroi que faz seu trabalho de forma agressiva para prender bandidos, Mané Galinha é o anti-heroi que resolve se vingar de Zé Pequeno e aniquilar toda a máfia da favela. Quanto aos policiais? Não se iluda em não ver nada em “Cidade de Deus”, pois uma hora, previsivelmente, nos será revelado que eles são tão culpados quanto qualquer bandidão da favela. Finalizando meus comentários e minha análise sobre o roteiro, é essencial lembrar como os diálogos criados por Mantovani são maravilhosos, é claro que não estamos livres dos palavrões e de toda a baixaria imaginável, mas devemos lembrar, novamente, de todo o contexto que envolve a trama: como cortar assuntos grotescos e o uso de palavras de baixo calão em um filme que trata exatamente das pessoas que mais utilizam publicamente tais artifícios? Ao menos, assim era a favela há 30 anos. Fernando Meirelles iniciou sua carreira com a série televisiva “Rá-Tim-Bum” (1989), um programa de humor que ganhou o público; no cinema, seu primeiro trabalho de sucesso foi “Domésticas – O Filme” (2001), drama sobre essa parcela tão esquecida, mas essencial, da população brasileira; após o sucesso de “Cidade de Deus” vieram “O Jardineiro Fiel” (2005), com Ralph Fiennes e Rachel Weisz (vencedora do Oscar de melhor atriz coadjuvante) e “Ensaio Sobre Cegueira” (2008) adaptação do romance de José Saramago com Mark Ruffalo e Julianne Moore no elenco. Nesse contexto, foi, sem sombra alguma de dúvidas, “Cidade de Deus” o filme que alavancou sua carreira e o colocou no panteão dos cineastas brasileiros, não obstante, o longa foi indicado em quatro categorias no Oscar, incluindo melhor direção e roteiro (ambos arrebatados pelo sucesso de “O Senhor dos Aneis: O Retorno do Rei”). Meirelles, portanto, está em sua melhor performance: reflete sobre a qualidade de vida de um brasileiro que mora em uma favela, mostrando os diversos lados de tudo o que acontece nesse tipo de “conjunto habitacional” e o como tanto povo, quanto governo, já deixaram de se preocupar com tal situação. Ao lado de Fernando está a co-diretora do filme Kátia Lund filha de americanos que vieram para o Brasil. A dupla, apresenta cada detalhe e cada canto da favela de forma sensacional, contrapondo as décadas abordadas e nos fazendo refletir se toda essa realidade mudou muito efetivamente ou não. Além disso, cada cena foi filmada de forma única desde o momento em que vemos a galinha fugindo dos bandidos – o que, além de ser uma cena muito boa, é uma metáfora inteligentíssima que pode ser interpretada de inúmeras formas diferentes no contexto do longa ou fora dele – até cenas mais cotidianas com o protagonista indo a praia com os amigos.


Finalmente chego a um dos componentes mais importantes do filme: o elenco. Buscapé é interpretado pelo até então iniciante Alexandre Rodrigues; o ator nos apresenta aquele tipo de trabalho que acho ótimo: quando podemos ver claramente as mudanças no personagem, digo, com o passar do tempo, Buscapé precisa aprender a se virar cada vez mais e correr atrás daquilo que deseja sem ter a ajuda de ninguém; além disso, Rodrigues, que estava prestes a completar vinte anos, traz as dúvidas e anseios frenquentes de qualquer adolescente, seja favelado ou não. Para viver Buscapé quando criança temos Luis Otávio, um menino ainda ingênuo até certo ponto que tenta compreender tudo o que acontece ao seu redor e possui apenas um desejo: não virar bandido. E se o sonho de Buscapé é nunca precisar ser um bandido, o sonho do pequeno Dadinho é totalmente o contrário: vivido por Dauglas Silva quando criança, o rapaz é, claramente, um perturbado que tem um prazer inexplicável em matar; naquela cena que citei a cima onde Dadinho comete uma chacina em um motel temos o melhor que se poderia pedir do ator: enquanto as pessoas são assassinadas, o personagem (e, portanto, seu intérprete) ri histericamente, deixando evidente seu desejo incontrolável por matar. Para viver o Dadinho grande, ou melhor “Dadinho é o caralho”, para viver Zé Pequeno, atua  Leandro Firmino, o personagem, como já disse, é totalmente violento e sanguinário e Firmino nos mostra o exato estereótipo de um traficante descontrolado, o tipo de jovem que tem tudo e, ao mesmo tempo, não tem nada, e por isso foca toda sua atenção em conquistar poder e mostrar que pode ser melhor do que o que os outros pensam, ou seja, Zé Pequeno não passa de um homem complexado que afoga suas decepções em matar, roubar, violentar e ganhar dinheiro. Phellipe Haagnsen é o melhor amigo de Zé Pequeno, Bené, e provavelmente o único ser humano que Zé ama e quer bem, o personagem é mais controlado, mas tranquilo e não possui nada da agressividade de Zé, e talvez seja isso que faça com que o bandido admire tanto seu amigo e o queira por perto o tempo todo. Alice Braga, também em início de carreira, faz uma pequena participação sendo a mulher por quem Bené se apaixona, o melhor de Angélica, sua personagem, é que ela não se torna o pivô de toda a trama e pouca coisa acaba girando em torno dela, de forma real, Angélica é apenas uma jovem sonhadora moradora de uma favela. Para completar esse elenco excelente, dois veteranos: Matheus Nachtergaele, um ator que já havia realizado quase 20 trabalhos na época, e Seu Jorge, cantor e compositor que lançara dois discos na época. Nachtergaele vive o outro traficante da favela, Cenoura possui o equivalente a mais ou menos um quinto de toda a Cidade de Deus e vive em atrito com Zé Pequeno pelo local, o ator, como de costume, está ótimo no papel e, diferente dos personagens dele que já estamos acostumados, aqueles mais engraçados ou excêntricos – como o Pai Helinho de “Da Cor do Pecado” (2004) ou o Miguezim de “Cordel Encantado” (2011) -, e sim um personagem mais sério, centrado, mais racional e que não se deixa levar pela emoção, como sempre, mais uma atuação maravilhosa e digna de aplausos do ator. Seu Jorge vive o pacato Mané Galinha, confesso que gosto de ver esse cantor incrível atuando uma vez ou outra, pelo simples fato de que tudo o que ele se propõe a realizar no cinema tem um resultado ótimo, aqui ele mostra como um homem pode ser transformado pelo mundo em que vive, no maior estilo Rousseau, vemos como o homem nasce bom, mas é corrompido pela sociedade.


No ano de 2000 foi ao ar uma série produzida pela Rede Globo que mostrava o cotidiano do povo brasileiro, dentre os episódios de “Brava Gente” encontramos “Palace II” que conta a história de dois jovens moradores da Cidade de Deus, Laranjinha e Acerola, que precisam arrumar dinheiro e resolvem trabalhar para um traficante. Dois anos depois de esse episódio ser lançado, Douglas Silva, Leandro Firmino, Jonathan Haagensen, Phallipe Haagensen e outros atores lançaram, ao lado de Fernando Meirelles e Kátia Lund (diretores de “Palace II), o longa “Cidade de Deus”, que mostra, mais uma vez, o cotidiano de um dos bairros mais perigosos do Rio de Janeiro, sem fazer questão de esconder qualquer fato, apenas mostrar, criticar e denunciar a forma desumana como a vida gira em torno de traficantes e outros tipos de bandidos e como todos acabam indo por esse caminho.


Longe de ser preconceituoso e dizer que todo favelado é bandido, ou que todo favelado é ignorante, ou, ainda, que todo favelado é mal educado, mas a realidade abordada aqui é exatamente essa generalização, como disse no primeiro parágrafo, apenas após a década de 1980 é que a Cidade de Deus começou a ter grandes projetos que melhorassem sua estrutura e trouxessem mais qualidade de vida à população – ou que, ao menos, mostrasse a quem quisesse ver que existem outras realidades na vida, que trouxessem outra perspectiva que não seja a de conquistar dinheiro e poder a qualquer custo, que mostrassem a perspectiva de uma vida digna e saudável -,  o que temos aqui, ainda é a favela em formação e sem ninguém para organizar tudo é óbvio que o local viraria uma bagunça. Infelizmente vivemos em uma realidade triste que pode ser verificada em um trecho de uma das várias ótimas músicas do longa, o próprio Seu Jorge entoa em uma das estrofes da canção: É a Cidade de Deus/Só que Deus esqueceu de olhar/A essa gente que não cansa de apanhar/Não vem dizer que a situação é uma questão de trabalhar/Que vai ter negro querendo te advogar. E é essa a dura realidade: parece que Deus esqueceu de olhar todo o sofrimento desses lugares, e pior, governo e população fingem que não vêem, por dois motivos: gente ignorante representa voto, e, perguntam-se os preconceituosos, por qual razão dar chances a favelados? E é enquanto permanecermos com esse pensamento que continuaremos a presenciar realidades tão deprimentes, apenas espero que continuemos a ter cineastas e produtores capazes e dispostos a denunciar todos os absurdos que ainda cercam o povo brasileiro como um vício que acabará em câncer e morte. Assim, ao menos tenta-se mudar os políticos e o restante desse tal “país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza”.


Aproveitando o fato de o roteiro do longa ser escrito em língua portuguesa, disponibilizo uma das cenas do filme em que se pode verificar claramente a qualidade do trabalho de Bráulio Mantovani e como toda a essência dos personagens é captada. O diálogo é entre Cabeleira e Berenice um tempo após os acontecimentos no motel (obs: o fragmento está na íntegra do texto original):

INT. COZINHA DA CASA DE LÚCIA MARACANÃ - DIA 42
Berenice está lavando a louça do café da manhã. Cabeleira ajuda,
enxugando os pratos.
Cabeleira está tenso. Ensaia várias vezes iniciar uma conversa
com Berenice, mas não consegue ir em frente. Até que ela toma a
iniciativa.
O diálogo a seguir é entrecortado por breves momentos de
silêncio seguidos de efeitos de transição que sinalizam passagem
de tempo: pequenas elipses.
A cada transição, há menos louça suja.
BERENICE
Se você tem alguma coisa pra dizer, diz
logo, Cabeleira! Você tá me deixando
nervosa!
CABELEIRA
É que eu ainda tô escolhendo as palavras
certa, tá sabendo?
BERENICE
Você deve ser um cara muito escolhedor.
Gente assim não se dá bem na vida, não,
sentiu?
SILÊNCIO.
EFEITO: PASSAGEM DE TEMPO.
CABELEIRA
Então é o seguinte: vou te mandar uma letra
invocada agora: acho que meu coração te
escolheu, morou? Quem escolhe é o otário do
coração, e quando eu te vi meu relógio
despertou pensando que era manhã de sol.
BERENICE
Tu tá é de conversa fiada, rapá... Coração
de malandro bate é na sola do pé e não
desperta, não, fica sempre na moita!


CABELEIRA
Pô, mina... Já viu falar em amor à primeira
vista?
BERENICE
Malandro não ama, malandro só sente desejo.
CABELEIRA
Assim não dá nem pra conversar...
BERENICE
Malandro não conversa, malandro desenrola
uma idéia!
CABELEIRA
Pô, tudo que eu falo, você mete a foice!
BERENICE
Malandro não fala, malandro manda uma
letra!
CABELEIRA
Vou parar de gastar meu português contigo.
BERENICE
Malandro não pára, malandro dá um tempo.
SILÊNCIO.
EFEITO: PASSAGEM DE TEMPO.
CABELEIRA
Falar de amor com você é barra pesada.
BERENICE
Que amor nada, rapá. Tu tá é de sete-um!
CABELEIRA
Malandro vira otário quando ama.
SILÊNCIO.
EFEITO: PASSAGEM DE TEMPO.
Berenice larga o prato na pia, e coloca os braços em volta do
pescoço de Cabeleira, oferecendo-se para um beijo.
BERENICE
Tu vai acabar me convencendo...
Eles se beijam na boca.

FADE OUT.


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066. CENTRAL DO BRASIL, de Walter Salles

Fernanda Montenegro transforma o longa no perfeito retrato de nosso povo e nosso país com sua atuação tocante, sensível e reflexiva.
Nota: 9,5


Título original: Central do Brasil
Direção: Walter Salles
Elenco: Fernanda Montenegro, Vinícius de Oliveira, Maríli Pêra, Matheus Nachtergaele, Saia Lira, Othon Bastos, Otávio Augusto, Stela Freitas, Caio Junqueira
Produção: Martine de Clermont-Tonnerre, Arthur Cohn, Robert Redford, Walter Salles
Roteiro: Marcos Bernstein, João Emanuel Carneiro e Walter Salles
Ano: 1998
Duração: 113 min.
Gênero: Drama

Dora é uma professora aposentada que escreve cartas para analfabetos e envia algumas delas para fazer um dinheiro extra. Todavia, sua vida mudará completamente quando Ana e Josué pedem para que envie uma carta ao pai do menino, pois Ana morre e Dora se sente responsável por ajudar Josué a encontrar o pai. Para isso, ela e o garoto atravessam centenas de obstáculos rumo ao nordeste, e o maior deles são as próprias frustrações e medos de cada um acerca do passado, presente e futuro.


Walter Salles havia realizado alguns documentários para televisão e apenas dois filmes para o cinema – “A Grande Arte” (1991), adaptação do romance de Rubens Fonseca, e “Terra Estrangeira” (1996), com Alberto Alexandre, Fernando Alves Pinto e Alexandre Borges – antes de realizar esse que se tornou um dos maiores símbolos do cinema nacional. Nesse filme, percorremos o Sudeste e o Nordeste do Brasil ao lado de Dora e Josué, conhecemos culturas diferentes, visitamos locais que mal sabemos que existem, somos expostos a realidade que, por viver nesse nosso mundo urbano e belo das regiões mais ricas e urbanizadas do Brasil, deixaram de fazer parte de nossa realidade. O Sertão, por exemplo, nos é mostrado como um local difícil de viver, mas, ainda, um local de muitas belezas; as pessoas mais simples do nordeste, aquelas que não foram marginalizadas por serem pobres vivendo em grandes centros urbanos, são pessoas boas, sem maldade e que desejam ajudar o próximo. Para compor todo esse cenário, Salles utiliza uma forma linda de filmar cada cena, captando todas as belezas e contrapondo-as com os problemas que todos encontramos em qualquer lugar do mundo. O roteiro, muito bem escrito por Walter, que escreveu a história, Marcos Bernstein – que viria a escrever “O Xangô de Baker Street” (2001), “Chico Xavier” (2010), “Somos Tão Jovens” (2013) e “Faroeste Caboclo” (2013) – e João Emanuel Carneiro – de “Orfeu” (1999), “Da Cor do Pecado” (2004), “A Favorita” (2009) e “Avenida Brasil” (2012) – é algo único por absorver cada detalhe de cada umas das várias culturas presentes em nosso país, desde a forma de falar de cada região, o tipo de comida, o tipo de tratamento com o semelhante, as gírias, a forma de andar e de se preocupar com a vida, mas, acima de tudo, o roteiro desse longa é um presente por nos apresentar uma história tão bonita e tocante que nos faz refletir sobre cada atitude que tomamos em nossa vida e sobre como podemos nos arrepender no futuro ou magoar pessoas que amamos se não pensarmos bem em nossos atos.



Em primeiro lugar, devemos analisar esse filme como uma representação e crítica à sociedade brasileira, mais que isso: uma homenagem ao povo brasileiro que tanto lutou, e luta, para sobreviver, não importando a região, a classe social ou a cor. É claro, que, em um filme que leva o título “Central do Brasil”, devemos nos preparar, pois estaremos diante de algumas realidades tristes, diferentes das analisadas em longas depois desse, como “Cidade de Deus” (2002) ou os filmes “Tropa De Elite”, que mostram as favelas das grandes cidades do país, chefiadas por traficantes e corruptos, o que vemos aqui é algo diferente, menos chocante e mais comum ainda do que as realidades das favelas. Nesse contexto, já está o fato de Josué não ter conhecido o pai, não importando os motivos, apenas já podemos ter a certeza de que alguma coisa está errada; depois vemos uma das maiores denúncias do longa, Dora é uma professora de ensino infantil aposentada, que escreve cartas de pessoas desconhecidas para pessoas desconhecidas para ganhar um dinheiro a mais no final do mês, afinal, apenas a aposentadoria de professora não é o suficiente para muita coisa; ainda temos a tentativa louca de Dora em vender Josué para pessoas que, supostamente, arrumarão uma família rica para ele, o que deleta a precariedade no Brasil em questão de segurança pública para nossas crianças. Durante o desenrolar da trama, a protagonista contará um pouco de sua história e veremos que essa realidade triste a que tanto me refiro já está presente em nossa sociedade há muitos anos; Josué conhecerá o Nordeste e verá o quanto tudo pode piorar, ou melhorar, depende do quão longe vão os sonhos de cada um. Acrescente a isso, algo que acredito ser uma das coisas mais belas do filme: temos a inocência do protagonista, um menino que sonha em ir atrás do pai, mesmo tendo informações de que ele é um bêbado, digo, por mais que o garoto tente parecer maduro e vivido, temos a certeza que tudo o que ele faz é baseado em um sentimento maior, algo inexplicável, o desejo de encontrar o pai e, ao menos olhar em seus olhos e saber quem ele é, faz com que ele tenha forças para ultrapassar todas as barreiras encontradas no caminho. Dora, por fim, é a representação perfeita do retrato da mulher brasileira: forte, nada submissa, inteligente, ríspida e que não mede esforços para chegar onde quer ou para fazer o que acha certo, apesar dos problemas que encontrou através da vida, essa protagonista não tem medo de viver, não tem medo de realizar nada e se dispõe a tudo pelos seus ideais, mesmo que nem saiba quais são realmente.



Fernando Montenegro dispensa qualquer apresentação e é mais que necessário dizer que, por sua interpretação de Dora, foi indicada ao Globo de Ouro e ao Oscar, o prêmio máximo do cinema, sendo a única brasileira a disputar a estatueta na história da Academia. No entanto, confesso que jamais imaginei vê-la em uma personagem como essa. Deixe-me explicar: para mim, como para a grande maioria dos brasileiros, Fernanda Montenegro se parece mais com suas personagens de “Belíssima” (2006) ou “Passione” (2010), ou seja, mulheres cheias de classe, inexpugnáveis e lindas. Não que aqui a atriz perca todas essas características, pois a forma correta de falar, por exemplo, permanece (afinal, Dora era uma professora), mas se vai quase todo tipo de postura, a construção da personagem é tão fantástica que é mudada a forma de falar, andar, sorrir, mexer nos cabelos, conversar com os outros, aqui, como a própria personagem pede, Fernanda está mais despojada, despe-se de todo o traje politicamente correto socialmente falando e nos mostra uma mulher comum, uma verdadeira brasileira sujeita a defeitos e qualidades, mas não por isso uma mulher menos digna e admirável que qualquer outra personagem vivida pela atriz. Vinícius de Oliveira foi escolhido entre mais de 1500 garotos para viver o pequeno Josué na trama, apesar de novo (ele tinha 12 anos durante as filmagens) é o tipo de ator que compreende bem o que se deve fazer em um filme e consegue segurar tudo ao lado de Fernanda, melhor do que isso: Vinicius se iguala a essa fera inquestionável que é Fernanda Montenegro. E o melhor de tudo: Vinicius de Oliveira, ao contrário da maioria dos jovens atores que fazem sucesso e, desde cedo, já trabalham com atores conceituados, está prestes a completar 28 anos e se formar em cinema. Marília Pêra, outro grande exemplo da sétima arte no Brasil, é a melhor amiga de Dora, Irene, também professora aposentada, mas, diferentemente de Dora, uma mulher que parece ser mais de bem com a vida, mas que, ao mesmo tempo, parece não ter se dado conta de que o tempo passou e tudo está mudando. Do restante do elenco, destaco Matheus Nachtergaele, como sempre ótimo, e Caio Junqueira, em um papel quase irreconhecível, apenas digo que ambos estão excelentes e que representam muito bem o povo nordestino, falar mais sobre seus personagens seria estragar uma parte muito agradável do enredo.



Apenas para esclarecer, além das indicações de Fernanda, o longa esteve na luta pelo Oscar de melhor filme estrangeiro e venceu o Globo de Ouro na mesma categoria. O título de “Central do Brasil” em inglês é tão sugestivo quanto o título original, na versão americana lê-se “Central Station” (Estação Central), uma referência ao local carioca onde os protagonistas, Dora e Josué, conheceram-se, mas também uma referência a todas as estações de trem, metrô, ônibus ou o que forem espalhadas pelo mundo, locais onde a vida realmente acontece, onde pessoas correm de um lado a outro, muitas sem saber para onde ir, mas sempre chegando em algum lugar, e muitas sabendo para onde ir, mas jamais chegando a lugar algum. “Central do Brasil” nos obriga a refletir sobre isso mesmo: até onde tudo o que planejamos para nossas vidas poderá realmente acontecer? Até onde estamos certos e estamos seguindo o caminho que nos foi traçado? O filme nos faz ver o quanto podemos deixar a vida nos levar, sem nos prendermos ao nosso mundinho maravilhoso, ou nem tanto, mas que, de uma forma ou outra, é sempre igual, sempre previsível, nossa redoma de vidro. Um mundo onde jamais estamos com medo, onde nunca corremos perigo, onde estamos totalmente seguros de tudo o que é externo, porém um mundo fictício que não recebe nada de novo, onde mudanças são impossíveis, onde, de forma bem sincera, acredito qeu nenhum ser humano deva viver até seu último dia, afinal, se o fizer, em algum momento olhará para trás e irá perceber o quanto a vida poderia ter sido melhor e como tudo seria completamente diferente se uma segunda chance fosse dada. Por sorte, Dora teve sua segunda chance.


Postei esse pôster por dois motivos: primeiro,pela inspiração; e segundo,  é muito bom ver um filme brasileiro com um pôster americano. Acima do título, o mais importante para atrair o público estrangeiro: "Vencedor do Globo de Ouro de Melhor Filme em Língua Estrangeira". Abaixo do título, lê-se: "Ele estava procurando por seu pai que nunca conheceu. Ela estava procurando por uma segunda chance." E, por último, no final do cartaz: "2 Indicações ao Academy Award (Oscar) em 1998! Melhor Atriz, Fernanda Montenegro, Melhor Filme em Língua Estrangeira.

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067. E AÍ...COMEU?, de Felipe Joffily

Ultrapassando todos os tabus, chegou a vez de os homens falarem de tudo sem preconceito.
Nota: 8,0


Título Original: E Aí... Comeu?
Direção: Felipe Joffily
Elenco: Bruno Mazzeo, Marcos Palmeira, Emílio Orciollo Neto, Dira Paes, Juliana Schalch, Laura Neiva, Seu Jorge, Tainá Müller, Murilo Benício, José Abreu,
Produção: Augusto Casé, Bruno Mazzeo, Marcos Palmeira, Dira Paes, Seu Jorge, Carlos Eduardo Rodrigues, Alex Sander, Bia Caldas
Roteiro: Marcelo Rubens Paiva e Lusa Silvestre
Ano: 2012
Duração: 105 min.
Gênero: Comédia

Fernando, Honório e Fonsinho são três amigos completamente diferentes que, como todo bom brasileiro, terminam seu dia com um happy hour em um barzinho. É claro que as conversas são as mais variadas, como: amor, futebol, dinheiro, problemas e, principalmente, mulheres e sexo. Nesse contexto, Fernando acaba de se separar de sua esposa e está em completa fossa pós divórcio, Honório é casado há anos com a mesma mulher, tem três filhas e está desconfiado que a mulher está enfeitando sua cabeça e Fonsinho é um rapaz rico que recebeu a herança do pai e não faz nada, além de beber, gastar o dinheiro com prostitutas e tentar escrever um romance.


A história já começa da forma mais correta em minha opinião: somos apresentados aos personagens, como se eles nos contassem a história de suas vidas. E digo que isso é o maior acerto do longa por um motivo simples: começamos a nos identificar com eles desde o início, afinal, quem nunca teve de superar a rejeição, quem nunca caiu em rotina no relacionamento, quem nunca tentou ser o popular “vida louca” e não se preocupar com nada no mundo? E se você está pensando que não viveu nada disso, ou que viveu apenas um ou outra, espere, ainda há tempo na vida para que cada um desses problemas bata à sua porta. Além disso, o longa trata toda a vida com muito humor e poucas vezes vi, tanto em filmes estrangeiros quanto em brasileiros, o povo tão bem representado, e quando digo “povo”, não me refiro apenas a maior parcela da população, refiro-me a cada cidadão brasileiro, rico ou pobre, preto ou branco, velho ou jovem, aqui, todos são representados da forma mais original possível, da forma mais real e, por vezes, mais grotesca. Durante a trama, ainda somos apresentados às mulheres que compõe a vida sexual de Fernando, Honório e Fonsinho, e, em uma ótima sacada e escolha perfeita para o papel, Seu Jorge, o cantor, encena o Garçom do Bar Harmonia, um homem negro que, sem dúvida, já experimentou de tudo um pouco na vida. Toda essa história, foi criada por Marcelo Rubens Paiva, escritor do livro “Feliz Ano Velho” (1987), roteirista de “Malu de Bicicleta” (2010) e “E Aí... Comeu?”, além de ter escrito a peça desse último; Lusa Silvestre, também roteirista do longa, é uma das roteiristas do excelente longa “Estômago” (2007). Por fim, mas não menos importante, Filipe Joffly, o diretor, também liderou “Ôdiquê?” (2004) e “Muita Calma Nessa Hora” (2010, que está ganhando uma continuação, acredito que o mais importante a ressaltar sobre seu trabalho nesse filme, seja a forma simples e natural como tudo é feito, mas sem deixar a qualidade de lado: a fotografia do filme nos remete exatamente ao espaço de um bar normal onde todos se encontram após o trabalho para beber uma cerveja e jogar conversa fora, o restante da cidade é muito característico e não nos esquecemos, em nenhum momento, que estamos diante do mais perfeito cenário brasileiro.


Bruno Mazzeo, filho de Chico Anysio, não nega a raça do pai e é um dos artistas mais versáteis e talentosos que temos hoje no cinema e na televisão brasileiros. Como poucos, Mazzeo me faz ter vontade de ir ao cinema assistir a uma comédia como essa, que, tendo um elenco diferente, jamais me atrairia. No longa, Bruno vive Fernando, um homem que não sabe para que lado ir e está totalmente perdido após o divórcio, entretanto, basta um empurrãozinho para que leve a vida adiante, e é isso o que Mazzeo acaba mostrando: mesmo com suas feições deprimentes no início do longa, aos poucos o ator renova sua personagem, que passa a ver a vida de forma muito melhor. Marcos Palmeira é o típico homem casado que está levando uma vida pacata e rotineira demais com a esposa, Honório é um homem ainda disposto que esqueceu como a vida deve ser mais animada inclusive dentro de casa; Marcos Palmeira nos mostra o homem mais sério e, provavelmente, o mais vivido do trio, aquele típico homem que não cresceu totalmente, mas que ama a mulher a ponto de apenas falar sobre outras. Emílio Orciollo Neto é o típico solteirão cobiçado pro ser rico que poderia ter a mulher que quisesse, mas prefere sair com mulheres compromissadas, Fonsinho, além disso, nos apresenta aquilo que todos estamos expostos a nos tornarmos todos os dias: sua tentativa de escrever é frustrada, sua tentativa de arrumar uma parceira é frustrada, ou seja, tudo o que ele tenta fazer para levar uma vida mais séria acaba deixando-o mais perdido ainda. Para completar o elenco, no lado feminino estão as ótimas Dira Paes, Juliana Schalch, Laura Neiva e Tainá Müller; e do lado masculino uma ponta rápida de Murilo Benício e, como citei a cima, Seu Jorge.



“E aí... Comeu” é a enfadonha pergunta que todo homem faz para um amigo após uma festa da qual ele saiu acompanhado ou depois de um encontro que tinha apenas um objetivo: sexo. Se a resposta for sim, logo vêm as perguntas sobre como foi o tal sexo, quais as posições, se ela fazia um bom sexo oral e se rolará novamente, e, pode-se ter certeza, que se a mulher for realmente algo fenomenal, as perguntas prosseguirão por no mínimo uma semana. Se a resposta for não, ou todos permanecerão calados, ou taxarão o cara de viado ou zuarão dele durante semanas dizendo que ele está apaixonado. Talvez, em meio a tanto humor e tanta realidade, seja aí onde o filme peque um pouco: sempre o mesmo assunto, e pior, camufla-se alguns assuntos mais sérios com o tema básico sobre sexo e, por vezes, não parece haver novidades. Entretanto, tal clichesismo não é o suficiente para tirar a diversão e deixar essa comédia se tornar algo ruim.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

068. O XANGÔ DE BAKER STREET, de Miguel Faria Jr.

Um dos melhores textos da história do cinema brasileiro!
Nota: 9,0


Título Original: O Xangô de Baker Street
Direção: Miguel Faria Jr.
Elenco: Joaquim de Almeida, Anthony O’Donnell, Maria de Medeiros, Letícia Sabatella, Cláudia Abreu, Cláudio Marzo, Marcello Antony, Caco Ciocler, Jana Almeida, Roberto Bonfim, Thalma de Freitas, Denise del Cueto, Christiane Fernandes, Malu Galli, Ary França, Clementino Kelé, Marco Nanini, Emiliano Queiroz, Jô Soares
Produção: Bruno Stroppiana, José Zimerman, Tino Navarro
Roteiro: Marcos Bernstein, Arthur Conan Doyle, Miguel Faria Jr. Patrícia Melo e Jô Soares (romance)
Ano: 2001
Duração: 124 min.
Gênero: Comédia / Thriller

Em 1886, na cidade do Rio de Janeiro, ocorre o roubo de um violino Stradivarius que havia sido dado de presente pelo próprio imperador Dom Pedro II à baronesa Maria Luíza. Para encontrar o instrumento, a famosa atriz francesa Sarah Bernhardt aconselha Dom Pedro a chamar o detetive inglês Sherlock Holmes. Quando Holmes e seu fiel escudeiro, Watson, chegam ao Brasil se deparam com uma situação muito mais perigosa e séria que o roubo do violino: mulheres estão sendo assassinadas por um serial killer. Agora, Holmes e Watson terão de enfrentar os perigos da Cidade Maravilhosa e tentar focar em seus casos deixando de lado as tentações brasileiras, como: feijoada, caipirinha, florestas e a sedução que apenas boas brasileiras podem propiciar a qualquer homem.


Miguel Faria Jr. dirigiu alguns importantes títulos do cinema brasileiro desde a década de 1970, para mim um de seus trabalhos mais célebres é o documentário maravilhoso sobre o compositor e poeta brasileiro “Vinicius” (2005), longa que relembra os sucessos de Vinicius de Moraes e nos traz depoimentos de grandes nomes que compõe a cultura brasileira. Aqui, o diretor é responsável por nos levar de volta a era do Segundo Reinado Brasileiro, período que compreende os 58 anos em que Dom Pedro II governou nosso país. Obviamente, esse tipo de produção nunca é algo simples de se realizar, afinal, voltar mais de 100 anos no tempo é algo que exige muito de toda uma equipe de produção. Apesar disso, Miguel Faria tira de letra essa tarefa e nos apresenta um Brasil muito agitado, cheio de novidades e com a cultura à flor da pele. Aliás, o roteiro é uma adaptação do romance homônimo do muito versátil Jô Soares, e nos trás os grandes nomes da época em questão cultural e social que envolveram o Brasil. Por começar, temos a atriz Sarah Bernhardt, o próprio Imperador Dom Pedro II e sua esposa a Imperatriz Tereza Cristina e figuras como Chiguinha Gonzaga, Machado de Assis e Olavo Bilac; e personagens fictícios, como o próprio Holmes e seu amigo Watson, a Baronesa Maria Luíza e o Marques de Sales; e os acontecimentos, que também se dividem entre reais, como: as reuniões dos intelectuais para falar sobre a abolição da escravidão, a ascensão do samba e do maxixe, a fama e o glamour da vida na corte e as práticas religiosas de negros; e fictícios, como o surgimento de palavras como “serial killer” e “caipirinha”, a homossexualidade de Sherlock Holmes, o uso de inúmeras drogas (o que compõe ficção e realidade) e as trapalhadas do detetive e suas sacadas inusitadas – a exemplo, a “batalha de violinos” travada contra o Marquês de Sales e as deduções durante os casos. Não esquecendo, que o próprio Holmes é um personagem totalmente fictício da literatura inglesa. A trilha sonora do longa, bem como sua fotografia e sua edição, é um presente e totalmente propícia. Acrescente a isso, é sempre bom conferir as belezas e a variedade de culturas verificadas no Brasil e a forma como pessoas que chegam do exterior se maravilham com tudo isso.


Joaquim de Almeida é um ator português que já trabalhou em todo tipo de filme imaginável, desde grandes blockusters a cults conhecidos por poucos, estando tanto no cinema quanto na televisão americana em séries bem populares e conhecidas no mundo todo. Aqui, vive o lendário investigador Sherlock Holmes, um homem engraçado que gosta de se divertir da melhor forma possível, mas também  alguém talentoso e muito dedicado em seu trabalho. Almeida trás toda essa graça e seriedade em um homem só, algo extremamente difícil de ser realizado, sem contar suas feições e seu jeito bobo de turista europeu no Brasil. Ao lado de Almeida está Anthony O’Donnell, um inglês pouco conhecido que acaba sendo ofuscado por seu personagem não ter muita participação, apesar disso, também é muito engraçado; o ator já esteve em participações pequenas em vários filmes interessantes, destaco “O Segredo de Vera Drake”. O excelente Cláudio Marzo é o Imperador Dom Pedro II, como de se esperar, um homem inteligente e esperto, mas que acaba se entregando por alguns defeitos que compartilhava com todos os monarcas da época, Marzo não poderia estar melhor. Cláudia Abreu é a bela Baronesa Maria Luíza, a atriz, como sempre, está muito bonita e extremamente sensual, sendo um dos centros femininos da história, conquistando, inclusive, ao Imperador do Brasil. Marcello Antony vive o mais que suspeito Marquês de Sales, um homem atraente que acaba chamando a atenção de Holmes durante o caso. Caco Ciocler é Miguel Lara, dono de uma simples livraria, mas que tem suas opiniões bem formadas e, no contexto da época, parece que tem muito a mostrar. A atriz Sarah Benhardt é interpretada pela portuguesa Maria de Medeiros. Malu Gali vive Chiguinha Gonzaga, transparecendo toda a garra e determinação dessa mulher que foi uma das mais importantes para a história de nossa país, aliás, vale lembrar que, no contexto cultural da trama, foi Chiquinha quem difundiu o estilo maxixe em nossa cultura. Jô Soares, por fim, além de criar a história, também faz uma pontinha prá lá de engraçada e divertida como o desembargador.



Xangô é um orixá justo, forte, destemido, imponente e valente; Baker Street é um endereça conhecido mundialmente por ser onde vive Sherlock Holmes na história original criada por Sir Arthur Conan Doyle. Daí o título “O Xangô de Baker Street”, ou seja, o inglês justo e destemido que vem ao Brasil salvar a nação de algum perigo. Não posso me conter em ficar calado e não comentar uma das maiores sacadas do longa: em 1888, ainda durante o reinado da Rainha Vitória, o Reino Unido, mais especificamente sua capital, Londres, vivenciou o terror denominado Jack, o Estripador, considerado o primeiro serial killer da história da humanidade. Sem mais, deixo apenas na imaginação de cada leitor quem é o verdadeiro criminoso, o que Holmes e Watson fazem no Brasil e qual pode ser a relação entre os eventos reais e ficcionais da trama. Apenas digo mais uma coisa: Jô é realmente um homem muito perspicaz para conseguir reunir tão bem fatos da realidade e da ficção em uma história tão divertida e totalmente instigante.


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