quarta-feira, 19 de junho de 2013

066. CENTRAL DO BRASIL, de Walter Salles

Fernanda Montenegro transforma o longa no perfeito retrato de nosso povo e nosso país com sua atuação tocante, sensível e reflexiva.
Nota: 9,5


Título original: Central do Brasil
Direção: Walter Salles
Elenco: Fernanda Montenegro, Vinícius de Oliveira, Maríli Pêra, Matheus Nachtergaele, Saia Lira, Othon Bastos, Otávio Augusto, Stela Freitas, Caio Junqueira
Produção: Martine de Clermont-Tonnerre, Arthur Cohn, Robert Redford, Walter Salles
Roteiro: Marcos Bernstein, João Emanuel Carneiro e Walter Salles
Ano: 1998
Duração: 113 min.
Gênero: Drama

Dora é uma professora aposentada que escreve cartas para analfabetos e envia algumas delas para fazer um dinheiro extra. Todavia, sua vida mudará completamente quando Ana e Josué pedem para que envie uma carta ao pai do menino, pois Ana morre e Dora se sente responsável por ajudar Josué a encontrar o pai. Para isso, ela e o garoto atravessam centenas de obstáculos rumo ao nordeste, e o maior deles são as próprias frustrações e medos de cada um acerca do passado, presente e futuro.


Walter Salles havia realizado alguns documentários para televisão e apenas dois filmes para o cinema – “A Grande Arte” (1991), adaptação do romance de Rubens Fonseca, e “Terra Estrangeira” (1996), com Alberto Alexandre, Fernando Alves Pinto e Alexandre Borges – antes de realizar esse que se tornou um dos maiores símbolos do cinema nacional. Nesse filme, percorremos o Sudeste e o Nordeste do Brasil ao lado de Dora e Josué, conhecemos culturas diferentes, visitamos locais que mal sabemos que existem, somos expostos a realidade que, por viver nesse nosso mundo urbano e belo das regiões mais ricas e urbanizadas do Brasil, deixaram de fazer parte de nossa realidade. O Sertão, por exemplo, nos é mostrado como um local difícil de viver, mas, ainda, um local de muitas belezas; as pessoas mais simples do nordeste, aquelas que não foram marginalizadas por serem pobres vivendo em grandes centros urbanos, são pessoas boas, sem maldade e que desejam ajudar o próximo. Para compor todo esse cenário, Salles utiliza uma forma linda de filmar cada cena, captando todas as belezas e contrapondo-as com os problemas que todos encontramos em qualquer lugar do mundo. O roteiro, muito bem escrito por Walter, que escreveu a história, Marcos Bernstein – que viria a escrever “O Xangô de Baker Street” (2001), “Chico Xavier” (2010), “Somos Tão Jovens” (2013) e “Faroeste Caboclo” (2013) – e João Emanuel Carneiro – de “Orfeu” (1999), “Da Cor do Pecado” (2004), “A Favorita” (2009) e “Avenida Brasil” (2012) – é algo único por absorver cada detalhe de cada umas das várias culturas presentes em nosso país, desde a forma de falar de cada região, o tipo de comida, o tipo de tratamento com o semelhante, as gírias, a forma de andar e de se preocupar com a vida, mas, acima de tudo, o roteiro desse longa é um presente por nos apresentar uma história tão bonita e tocante que nos faz refletir sobre cada atitude que tomamos em nossa vida e sobre como podemos nos arrepender no futuro ou magoar pessoas que amamos se não pensarmos bem em nossos atos.



Em primeiro lugar, devemos analisar esse filme como uma representação e crítica à sociedade brasileira, mais que isso: uma homenagem ao povo brasileiro que tanto lutou, e luta, para sobreviver, não importando a região, a classe social ou a cor. É claro, que, em um filme que leva o título “Central do Brasil”, devemos nos preparar, pois estaremos diante de algumas realidades tristes, diferentes das analisadas em longas depois desse, como “Cidade de Deus” (2002) ou os filmes “Tropa De Elite”, que mostram as favelas das grandes cidades do país, chefiadas por traficantes e corruptos, o que vemos aqui é algo diferente, menos chocante e mais comum ainda do que as realidades das favelas. Nesse contexto, já está o fato de Josué não ter conhecido o pai, não importando os motivos, apenas já podemos ter a certeza de que alguma coisa está errada; depois vemos uma das maiores denúncias do longa, Dora é uma professora de ensino infantil aposentada, que escreve cartas de pessoas desconhecidas para pessoas desconhecidas para ganhar um dinheiro a mais no final do mês, afinal, apenas a aposentadoria de professora não é o suficiente para muita coisa; ainda temos a tentativa louca de Dora em vender Josué para pessoas que, supostamente, arrumarão uma família rica para ele, o que deleta a precariedade no Brasil em questão de segurança pública para nossas crianças. Durante o desenrolar da trama, a protagonista contará um pouco de sua história e veremos que essa realidade triste a que tanto me refiro já está presente em nossa sociedade há muitos anos; Josué conhecerá o Nordeste e verá o quanto tudo pode piorar, ou melhorar, depende do quão longe vão os sonhos de cada um. Acrescente a isso, algo que acredito ser uma das coisas mais belas do filme: temos a inocência do protagonista, um menino que sonha em ir atrás do pai, mesmo tendo informações de que ele é um bêbado, digo, por mais que o garoto tente parecer maduro e vivido, temos a certeza que tudo o que ele faz é baseado em um sentimento maior, algo inexplicável, o desejo de encontrar o pai e, ao menos olhar em seus olhos e saber quem ele é, faz com que ele tenha forças para ultrapassar todas as barreiras encontradas no caminho. Dora, por fim, é a representação perfeita do retrato da mulher brasileira: forte, nada submissa, inteligente, ríspida e que não mede esforços para chegar onde quer ou para fazer o que acha certo, apesar dos problemas que encontrou através da vida, essa protagonista não tem medo de viver, não tem medo de realizar nada e se dispõe a tudo pelos seus ideais, mesmo que nem saiba quais são realmente.



Fernando Montenegro dispensa qualquer apresentação e é mais que necessário dizer que, por sua interpretação de Dora, foi indicada ao Globo de Ouro e ao Oscar, o prêmio máximo do cinema, sendo a única brasileira a disputar a estatueta na história da Academia. No entanto, confesso que jamais imaginei vê-la em uma personagem como essa. Deixe-me explicar: para mim, como para a grande maioria dos brasileiros, Fernanda Montenegro se parece mais com suas personagens de “Belíssima” (2006) ou “Passione” (2010), ou seja, mulheres cheias de classe, inexpugnáveis e lindas. Não que aqui a atriz perca todas essas características, pois a forma correta de falar, por exemplo, permanece (afinal, Dora era uma professora), mas se vai quase todo tipo de postura, a construção da personagem é tão fantástica que é mudada a forma de falar, andar, sorrir, mexer nos cabelos, conversar com os outros, aqui, como a própria personagem pede, Fernanda está mais despojada, despe-se de todo o traje politicamente correto socialmente falando e nos mostra uma mulher comum, uma verdadeira brasileira sujeita a defeitos e qualidades, mas não por isso uma mulher menos digna e admirável que qualquer outra personagem vivida pela atriz. Vinícius de Oliveira foi escolhido entre mais de 1500 garotos para viver o pequeno Josué na trama, apesar de novo (ele tinha 12 anos durante as filmagens) é o tipo de ator que compreende bem o que se deve fazer em um filme e consegue segurar tudo ao lado de Fernanda, melhor do que isso: Vinicius se iguala a essa fera inquestionável que é Fernanda Montenegro. E o melhor de tudo: Vinicius de Oliveira, ao contrário da maioria dos jovens atores que fazem sucesso e, desde cedo, já trabalham com atores conceituados, está prestes a completar 28 anos e se formar em cinema. Marília Pêra, outro grande exemplo da sétima arte no Brasil, é a melhor amiga de Dora, Irene, também professora aposentada, mas, diferentemente de Dora, uma mulher que parece ser mais de bem com a vida, mas que, ao mesmo tempo, parece não ter se dado conta de que o tempo passou e tudo está mudando. Do restante do elenco, destaco Matheus Nachtergaele, como sempre ótimo, e Caio Junqueira, em um papel quase irreconhecível, apenas digo que ambos estão excelentes e que representam muito bem o povo nordestino, falar mais sobre seus personagens seria estragar uma parte muito agradável do enredo.



Apenas para esclarecer, além das indicações de Fernanda, o longa esteve na luta pelo Oscar de melhor filme estrangeiro e venceu o Globo de Ouro na mesma categoria. O título de “Central do Brasil” em inglês é tão sugestivo quanto o título original, na versão americana lê-se “Central Station” (Estação Central), uma referência ao local carioca onde os protagonistas, Dora e Josué, conheceram-se, mas também uma referência a todas as estações de trem, metrô, ônibus ou o que forem espalhadas pelo mundo, locais onde a vida realmente acontece, onde pessoas correm de um lado a outro, muitas sem saber para onde ir, mas sempre chegando em algum lugar, e muitas sabendo para onde ir, mas jamais chegando a lugar algum. “Central do Brasil” nos obriga a refletir sobre isso mesmo: até onde tudo o que planejamos para nossas vidas poderá realmente acontecer? Até onde estamos certos e estamos seguindo o caminho que nos foi traçado? O filme nos faz ver o quanto podemos deixar a vida nos levar, sem nos prendermos ao nosso mundinho maravilhoso, ou nem tanto, mas que, de uma forma ou outra, é sempre igual, sempre previsível, nossa redoma de vidro. Um mundo onde jamais estamos com medo, onde nunca corremos perigo, onde estamos totalmente seguros de tudo o que é externo, porém um mundo fictício que não recebe nada de novo, onde mudanças são impossíveis, onde, de forma bem sincera, acredito qeu nenhum ser humano deva viver até seu último dia, afinal, se o fizer, em algum momento olhará para trás e irá perceber o quanto a vida poderia ter sido melhor e como tudo seria completamente diferente se uma segunda chance fosse dada. Por sorte, Dora teve sua segunda chance.


Postei esse pôster por dois motivos: primeiro,pela inspiração; e segundo,  é muito bom ver um filme brasileiro com um pôster americano. Acima do título, o mais importante para atrair o público estrangeiro: "Vencedor do Globo de Ouro de Melhor Filme em Língua Estrangeira". Abaixo do título, lê-se: "Ele estava procurando por seu pai que nunca conheceu. Ela estava procurando por uma segunda chance." E, por último, no final do cartaz: "2 Indicações ao Academy Award (Oscar) em 1998! Melhor Atriz, Fernanda Montenegro, Melhor Filme em Língua Estrangeira.

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