quarta-feira, 29 de outubro de 2014

EU, TU, ELE, ELA, NÓS, VÓS, ELAS, ELES

Especial X Panorama Internacional Coisa de Cinema: "Camila", A Era de Ouro" e "Ela Volta na Quinta"



Em 2002, aconteceu a primeira edição do Panorama Internacional Coisa de Cinema. Segundo seus realizadores, os cineastas Cláudio Marques e Marília Hughes, “o sucesso daquele primeiro ano mostrou que o público baiano estava ansioso para ver um cinema diverso”. Até o final daquela década, os festivais de cinema ganharam força no Brasil todo. Este ano, o Panorama será realizado entre os dias 29 de outubro e 2 de novembro e, além de contar com as tradicionais competitivas de filmes baianos e de filmes nacionais, o Festival conta com retrospectivas do cineasta americano Stanley Kubrick, do cineasta russo Sergei Eisenstein e da cineasta francesa Mia Hansen-Love e com mostras de filmes alemães e italianos. Para finalizar, esta edição traz  o Laboratório de Roteiros, a já tradicional oficina de Escrita Crítica e a nova oficina de Assistência de Direção, ministradas, respectivamente, por Aleksei Wrobel, Fabio Meira e Felipe Bragança, Rafael Carvalho e Marcelo Caetano.
Devido ao vínculo criado e alimentado durante os últimos anos entre a capital baiana e a cidade de Cachoeira, a poucos quilômetros de Salvador, desde 2012, na cidade, que abriga o curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, o CineClube Mario Gusmão, projeto criado em 2010 pela Universidade, se tornou parceiro da produtora Coisa de Cinema, apresentando alguns filmes e sediando oficinas na cidade de Cachoeira durante a semana que o Panorama acontece em Salvador. Esse ano, a oficina escolhida para a cidade foi a de Assistência de Direção, além de mais de trinta filmes, dentre eles, os filmes de retrospectiva: “2001 – Uma Odisseia no Espaço” (1968), de Kubrick, “Tudo Perdoado” (2007) e “O Pai dos Meus Filhos” (2009), ambos de Hansen-Love; e filmes que vem fazendo sucesso em festivais no país todo, como “My Name is Now, Elza Soares”, de Elizabete Martins Campos, “A História da Eternidade”, de Camilo Cavalcanti e “Brasil S/A”, de Marcelo Pedroso.

Filme "Camila", de Clarissa Rebouças e Virginie Dubois
Nesta segunda-feira (29), na cidade de Cachoeira, foram apresentados os longas de retrospectivas “2001 – Uma Odisseia no Espaço” e “Tudo Perdoado”, durante a noite, a Competitiva Nacional trouxe os curtas “Camila”, de Clarissa Rebouças e Viginie Dubois e “A Era de Ouro”, de Leonardo Mouramateus e Miguel Antunes Ramos, e o longa “Ela Volta na Quinta”, de André Novais. “Camila” conta a história de uma jovem que vai à procura do marido de quem não tem notícias há semanas no Canadá; “A Era de Ouro” apresenta uma sociedade paulista protagonizada por um homem e uma mulher que vivem no mundo da valorização extrema do dinheiro; e “Ela Volta na Quinta” revela uma sociedade mineira muito simples e cotidiana, onde vive um casal de senhores e seus filhos.
“Camila” é um filme de apenas seis minutos que, como a própria diretora revelou, “tem que ser um tiro certeiro”, como qualquer outro curta-metragem. Com uma câmera de mão ágil, o curta, protagonizado por Clarissa, coloca o espectador no lugar da protagonista, transforma quem assiste o filme em personagem, expondo-o a qualquer situação vivida pela ficção. Pelo tempo de filme não há muito o que falar sobre esse verdadeiro “tiro certeiro” sem revelar alguns elementos essenciais sobre seu enredo, assim, apenas digo que quando a protagonista chega no Canadá, encontra o marido e descobre algo surpreendente. O que fica são as surpresas e os questionamentos: o que você faria no lugar dela? Correria? Faria um escândalo? Chamaria a polícia? Tentaria se matar? Não faria nada? Ou não faria nada disso? Camila reagiu conforme sua espontaneidade mandava, mas e você?

Filme "A Era de Ouro", de Leonardo Mouramateus e Miguel Antunes Ramos
Se “Camila” já é um filme reflexivo que põe em teste as relações humanas, o mesmo podemos dizer do filme que foi apresentado na sequência. “A Era de Ouro” mostra um casal de amigos que foram mais próximos na juventude, até que ela resolveu mudar para a capital. O curta se passa em uma visita que David faz para Simone. Durante tal visita, os ânimos se alteram enquanto o casal lembra do passado e David questiona por quê a vida cheia de riquezas é tão importante para Simone. As questões aqui, entretanto, diferem do filme anterior. Indagamo-nos qual o papel do dinheiro na sociedade, por que o dinheiro e os bens materiais são tão importantes? Por que as pessoas ricas dão tanta importância ao dinheiro? Em uma cena pra lá de metafórica (aliás, o curta é pura metáfora), ricos empresários falam sobre a valorização de uma padaria e contam que, para ganharem a conta pretendida, Simone teve que seduzir o filho do dono da padaria. Vê-se a valorização clara do produto, e a desvalorização de Simone (apresentada como outro produto). Que valor tem essa era em que todos pensam e desejam dinheiro e poder?
“Ela Volta na Quinta” é um filme realizado por André Novais e que conta com sua própria família no elenco. Não é um documentário. É uma ficção. É a realidade na ficção. Ou a ficção na realidade? O fato é que André escreveu um roteiro romântico sobre um casal de senhores (seus pais) que vivem suas vidas juntos e, em um dado momento, resolvem se separar. Paralelamente, existem as vidas de André e seu irmão. A ficção está no divórcio, nas traições e nos elementos que nos lembra um romance típico, a realidade está no perfil dos personagens, nas situações vividas (em uma cena brilhante, André e o pai assistem a vídeos virais na internet), na simplicidade de se viver a vida. Diferente dos outros filmes da noite, é um drama mais simples, mais cotidiano. Semelhante aos curtas, é um filme que explora as relações humanos de forma intensa, destacando a dualidade masculino-feminino. As reflexões sobre a vida são muito intensas e chegam pelos momentos mais íntimos, como quando a mãe relembra uma história do pai enquanto passa mal na cama e é cuidada pelo filho. A vida é curta demais para nos preocuparmos tanto? Vivemos mais do que deveríamos? Aproveitamos o suficiente o tempo que temos na terra?

Filme "Ela Volta na Quinta", de André Novais

“Camila”, “A Era de Ouro” e “Ela Volta na Quinta” possuem mais que apenas reflexões sobre a vida e a exploração do tema da dualidade em comum. São filmes de qualidades técnicas impressionantes. Cada um chama a atenção por um aspecto. Para mim, foi a câmera de mão, as metáforas e a exploração do cotidiano, respectivamente, que mais me atraíram para dentro das produções. Se ao final de “Camila” é possível responder aos questionamentos acerca da atitude da jovem é algo impossível de se dizer. Vai de espectador para espectador. E talvez esse seja o melhor trunfo do curta. Quão dourado é o mundo consumista e capitalista que vivemos e que é apresentado em “A Era de Ouro” não sabemos. É um mundo do ouro encontrado pelos Europeus quando chegaram ao Brasil, ou é o ouro de tolo deixado nas igrejas mineiras depois que o outro real era roubado? A cada momento, parece que se pensa em quanto vale cada ser humano, pior, por quanto cada ser humano pode ser vendido para dar lucros a outras pessoas. E essa vida cotidiana? Essa simplicidade que encanta a todos de forma tão singela e bela? Seria melhor viver cercado pelo luxo sem ter amigos ou amores de verdade? Ou é melhor levar uma vida simples cheia de altos e baixos e ter sempre pessoas amadas por perto? Quem sabe?

Conversa após a apresentação dos três filmes com Clarissa Rebouças e André Novais, onde os cineastas falaram sobre o processo de criação e de realização dos filmes e sobre suas intenções ao fazê-los.
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