sexta-feira, 31 de outubro de 2014

... LEVANTA, SACODE A POEIRA...

Especial X Panorama Internacional Coisa de Cinema. Filmes: "My name is Now, Elza Soares" e "Castanha"



A segunda metade do dia de quinta-feira (30) foi dedicada, respectivamente, a filmes da Mostra Panorama Brasil (fora das competitivas) e da Mostra da Competitiva Nacional, “My name is now, Elza Soares”, de Elizabete Maria Campos, que conta com participação da própria Elza para contar sua história de vida e falar sobre seus pensamentos, e “Castanha”, de Davi Pretto, que conta a história de João Carlos Castanha, um ator homossexual que ganha a vida nos palcos (como transformista ou não). Durante a apresentação do primeiro longa, o festival recebeu a visita dos alunos oitavo ano/sétima série (entre 12 e 14 anos) da Escola Estadual Edvaldo Brandão Correa, acompanhados pelo professor Sandro Augusto*. Segundo ele o cinema é uma nova linguagem, “o filme, hoje, não ocupa mais uma condição de marginalidade” tornando-se “uma ferramenta auxiliar para a gente dar aula”. Entretanto, Sandro acha que os jovens cachoeiranos ainda não conseguem mensurar a importância da produção cinematográfica para a cidade de Cachoeira. Sandro considera que, mesmo sendo bom, para a formação cognitiva dos jovens, o cinema ainda está muito distante deles, faltando alguma ferramenta de aproximação para eventos como o Panorama e o próprio CachoeiraDoc (o festival de Documentários de Cachoeira que é atrelado à Universidade). Uma das alternativas seria ir nas comunidades divulgado o evento e atraindo o público para assistir aos filmes e participar das oficinas oferecidas.
 “My Name is Now, Elza Soares” inicia da forma mais clichê possível: com a personagem título entoando um de seus sucessos. Os clichês param por aí. Elizabete Martins Campos traz um filme tão convencional quanto a própria cantora. Diferente de outros documentários, explora a alma da personagem principal, apresentando seus depoimentos sobre a vida, sobre o que passou e sobre o que Elza espera do futuro. Não existem aqueles relados comuns onde a cantora poderia falar e falar sobre sua infância pobre e sua juventude conturbada. Essa mulher negra e pobre, como ela mesma se define, uma pessoa que pode ser tudo ou nada, prefere falar sobre seus pensamentos, seus desejos, suas visões sobre a vida, seus sentimentos em relação à vida. As histórias reais, sobre como chegou ao estrelato, como conheceu, se apaixonou e casou com Garrincha, a perda do filho, os sofrimentos por ser uma minoria completamente reprimida são deixados para segundo plano. Temos aqui a Elza Soares de agora, mais viva que nunca. Temos lembranças de uma Elza que ainda está aqui e ali. Lembranças de uma Elza que insiste em viver o agora, que insiste em viver agora. Uma Elza que vive. Uma Elza que viverá para sempre.

Filme: "My name is Now, Elza Soares", de Elizabete Martins Campos
Entretanto, a diferença deste documentário para os convencionais não é apenas na narrativa. Elizabete Martins Campos escolheu diversificar totalmente na forma de realizar seu filme. As fotografias e registros clássicos de qualquer filme do gênero ainda estão presentes. Elza canta enquanto esses registros são apresentados. Todavia, em sobreposição a esses registros, aparecem luzes, focos e outros artifícios para diferenciar a imagem sem deixar com que ela se perca. A diretora faz paralelos, por exemplo, entre o rosto de Elza e uma lua cheia que ora aparece por completo, ora some devido a uma nuvem muito escura. Elza aparece nua. Elza faz fotos sensuais. Elza se veste como madrinha de bateria de uma escola de samba. Elza é massageada por um homem sexy. E Elza canta. Elza canta seus maiores sucessos e, ao invés de contar seu passado, relembra músicas que diziam muito sobre a época, ou músicas que dizem muito sobre o hoje, sobre o Agora. Tudo isso, claramente, é feito para aproximar a produção da protagonista. Este filme é sobre Elza. É um filme para Elza. É um filme de Elza. “My name is Now, Elza Soares” é um filme que respira, transpira, inspira Elza Soares como poucas produções conseguem fazer com seus protagonistas.
“Castanha”, também possui um pé no documentário, mas usa do artifício da ficção para se completar. Após se formar na PUCRS em Cinema, Davi Pretto acabou conhecendo João Carlos Castanha, um ator conhecido na capital gaúcha. Durante alguns anos, Davi fez uma espécie de laboratório conversando e conhecendo mais sobre a vida do artista e de sua mãe, Dona Celina. Quando tudo estava pronto, Davi acompanhou a vida dos dois durante vinte dias, filmando tudo o que desejava e lhe era permitido. Algumas coisas eram espontâneas, outras respeitavam um roteiro que, geralmente, recriava acontecimentos, ou apenas improvisações dos personagens. A história, além de contar com mãe e filho, contava, também, com um sobrinho de João Carlos, um jovem viciado em drogas que é interpretado por um ator. O longa, realizado com um orçamento baixíssimo, tem como primeira cena um homem nu coberto de sangue, dos pés à cabeça. Pela imagem e pela música (uma união de todas as músicas criadas para o filme) já se pode ter noção do que virá: um filme melancólico, denso, forte, escuro, com vários contrastes e muitas surpresas. Aquele homem, no final das contas, é o exterior do que, na maior parte do longa, se passa na cabeça e na vida do protagonista. A cena, segundo Davi, é um resumo de tudo o que está por vir.

Filme: "Castanha", de Davi Pretto
Mas não é apenas o cuidado técnico (que traz uma fotografia incrível, uma edição sonora impressionante, uma direção de arte minimalista) e com o roteiro que surpreendem no filme. Os personagens reais são o maior trunfo do diretor. Dona Celina é uma mulher espontânea, engraçada, simples e que representa perfeitamente as mães e mulheres que conhecemos. João é uma figura rara em meio aos milhões de habitantes de Porto Alegre, um verdadeiro artista em busca da compreensão de sua alma e de todos os demais seres humanos. As situações vistas no filme são as mais diversas, sempre permeando pela naturalidade e veracidade, tornando o filme engraçado em cenas como quando Dona Celina discute com a síndica do prédio em que vivem, e emocionante em momentos como quando ela desabafa sobre a vida. João possui seus melhores momentos durante suas apresentações, revelando que o palco (independente da forma como ele esteja representando) é a fuga para os problemas e frustrações de sua vida. É no palco que Castanha se sente vivo, revigorado. É o palco que o estimula para continuar vivendo.
Assistir a essas duas espécies de cinebiografias em um mesmo dia foi, sem dúvida, uma experiência interessante. Elza Soares e João Carlos Castanha possuem mais em comum do que possam imaginar. São duas figuras enigmáticas, cheias de histórias para contar, duas personalidades vividas que já passaram por muito sofrimento, muita dor e muito preconceito, ela, por ser uma mulher negra e pobre, ele, por ser um ator homossexual e transformista. Os filmes, nesse contexto, acompanham as personalidades de cada um: “My name is now, Elza Soares” é um filme com muito jogo de luz tornando-o tão artístico quanto a própria figura de Elza, e que concilia a voz espetacular da cantora com uma sonorização de arrepiar, “Castanha” é um filme tão sombrio quanto o interior do protagonista ou pelo momento em que ele vive e usa o contraste de luz para relevar as nuances vividas por João Carlos. Ambos os longas são impressionantes. Ambos os protagonistas são impressionantes. E melhor de tudo é ver como os dois abraçaram suas respectivas artes e se jogam no mundo através delas, por elas e tendo nelas seus maiores escudos contra os preconceitos da humanidade. São duas figuras que, como qualquer bom brasileiro, sofrem, mas, independe do que aconteça, se erguem do mais profundo do poço e dão a volta por cima.
*Sandro Augusto é estudante do oitavo semestre do curso de história da UFRB e professor estagiário na Escola Estadual Rômulo Galvão e bolsista de iniciação à docência (Pibid) na Escola Estadual Edvaldo Brandão Correa, levou os alunos do oitavo ano/sétima série (entre 12 e 14 anos) desta instituição para assistirem ao filme “My name is now, Elza Soares”. 

Após a apresentação do filme "Castanha", o diretor Davi Pretto, conversou com o público no Auditório do Centro de Artes, Humanidades e Letras da UFRB, na cidade de Cachoeira.

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