A dupla Allen-Blanchett apresenta um dos
longas mais fortes e impressionantes do ano.
Nota: 9,3
Título Original: Blue Jasmine
Direção e Roteiro: Woody Allen
Elenco: Cate Blanchett, Sally Hawkins,
Alec Baldwin, Charlie Tahan, Daniel Jenks, Max Rutherford, Andrew Dice Clay,
Kathy Tong, Bobby Cannavale, Max Casella, Ali Fedotowsky, Michael Stuhlbarg,
Alden Ehrenreich
Produção: Letty Aronson, Stephen Tenenbau e Edward Walson
Ano: 2013
Duração: 98 min.
Gênero: Drama
Jasmine é uma bela mulher que se casa
com o milionário Hal após conhecê-lo em uma festa ao som da canção Blue Moon,
como ela mesma gosta de lembrar. A vida do casal é, aparentemente, perfeita:
vivem em um lindo apartamento em Nova York, possuem uma bela casa de campo, são
abençoados com a companhia de Danny, filho de Hal, que adora a madrasta,
compram o que querem e frequentam as festas da alta sociedade. Entretanto, o
mundo do casal vai ladeira à baixo quando o FBI descobre que Hal era um
mentiroso nato e fez fortuna enganando pessoas. Enquanto Hal vai preso e comete
suicídio, Jasmine se obriga a se conformar em morar em São Francisco com a irmã
pobre que ela sempre rejeitou.
“O ser humano tá na maior fissura
porque/Tá cada vez mais down the high society”. Não consigo imaginar outro
filme que tenha assistido que se encaixe mais perfeitamente naquela música
cantada por Elis Regina quanto esse. Sem dúvida alguma, Jasmine vê seu castelo
ruir, sua vida mansa e bela se despedaçar, suas sociais ao entardecer virarem
apenas lembrança e suas tardes fazendo compras se transformarem em tardes onde
ela é a vendedora e não compradora, isso tudo, por que, após tantos anos
vivendo na ilusão, Jasmine, finalmente, está abaixo da sociedade. Em uma das
cenas mais características que exemplificam a situação da personagem, Jasmine
lamenta o quão triste é fazer serviços comuns em São Francisco como ser
secretária de um dentista, alegando que não quer ser mais humilhada como já
aconteceu em Nova York, onde, além de ter de vender suas joias e seus casacos
de pele, foi obrigada a vender sapatos em uma loja onde, uma vez, comprou tais
objetos. Ali, e durante todo o longa, a personagem nos mostra como é fútil e
como um monstro foi criado com o passar dos anos. Essa ideia começa a ser armada
pelo roteiro desde que a trama inicia: em um avião, Jasmine conta a uma senhora
como foi conhecer Hal e fala sobre sua vida chata e mesquinha. A mulher ao lado
de Jasmine não dá a mínima para o que a companheira de viagem de primeira classe
(mesmo falida Jasmine insiste em viajar na primeira classe) está dizendo. Mais
tarde, ainda teremos mais momentos como esses, em que a protagonista relembra o
passado glorioso falando sozinha, mesmo que existam centenas de pessoas à sua
volta com quem poderia conversar realmente. E em algumas delas somos capazes de perceber que
Jasmine sempre foi um pouco perturbada, e tudo começa pelo fato de ela sempre
deixar claro que Ginger e ela foram adotadas, filhas de pais diferentes, de mães
diferentes, mas adotadas pelo mesmo casal. E o que a consola nesse passado
triste é o fato de saber, e negar, que a mãe adotiva sempre preferiu ela a
Ginger.
Nos últimos anos, acredito que Woody
Allen esteja se tornando um diretor muito melhor do que jamais fora. Não que
seus trabalhos do passado sejam ruins, mas acho que a última década deu a Allen
mais sabedoria e classe em seus trabalhos. Não estamos mais expostos a ideias
loucas como em “Tudo o que Você queria
saber sobre sexo mas tinha medo de perguntar” (1972) ou a filme lentos
como “Manhattan” (1979). O diretor esta trazendo longa mais vivos, mas fortes
em todos os sentidos e extremamente cativantes. Sua não aparição nos filmes
ajuda nessa melhora, ele apenas trabalha a ideia e a idade lhe trouxe ideias,
indiscutivelmente, sensacionais. “Blue Jasmine” é um filme vivo, mesmo com toda
a melancolia que ronda a protagonista, é um filme forte e realista, que
denuncia a loucura a qual os ricos se expõe devido ao dinheiro e revela como
pode ser patética a forma que pessoas falidas levam a vida. Em uma passagem
interessante do longa, a decadente Jasmine reencontra com Danny. Enquanto ela
está velha, cansada, chorando e reclamando de tudo, Danny, que já passou pelo
uso das drogas, está casado e reconstruindo sua vida. Ali, Allen nos apresenta
as duas facetas da derrota, não apenas de indivíduos falidos, mas de qualquer
homem que veja a derrota pelo caminho da vida: ou se decide optar pela
humildade e abaixar a cabeça e seguir em frente, ou ergue-se a cabeça e
continua-se a seguir como se tudo estivesse abaixo de você. A diferença é que
na primeira hipótese, em algum momento, você terá a chance de reerguer a cabeça
e poder seguir em frente feliz e conformado com sua situação, na segunda
hipótese, a luta para voltar à riqueza acaba levando o homem ao desespero e, em
um momento próximo, ele será obrigado a abaixar a cabeça e seguir em frente com
uma vida deprimente e medíocre.
Cate Blanchett é uma das melhores
atrizes de sua geração. Não há uma interpretação sua que seja passada
desapercebida. Como Jasmine ela está, nada mais, nada menos, que sublime. Como
costumo dizer, sua atuação é um assombro, pois, como poucas atrizes, ela
consegue nos fazer amar e odiar Jasmine. Blanchett, nesse contexto, cria uma
Jasmine bela, pura, sorridente enquanto rica, e uma mulher que parece sempre à
beira de um colapso após a falência. Não há nada em Jasmine que sirva de modelo
para qualquer ser humano, mas ela nos cativa. E, ao mesmo tempo,
questionamo-nos como podemos nos cativar por um ser tão imbecil que transborda
hipocrisia e medo. Talvez seja isso: o medo que Jasmine sente por ter uma
mudança tão brusca em sua vida nos faz sentir pena. E são as feições e os
ataques que Blanchett cria para a personagem que denotam tal medo, são as cenas
em que Jasmine fala sozinha que fazem tantos sentimentos vierem à tona.
Entretanto, nada do que aconteça com a protagonista nos faz sentir algo mais
digno dela que pena, e isso tudo, devemos à interpretação brilhante de
Blanchett. A companheira de Cate na trama é Sally Hawkins. Não menos
competente, Hawkins tem uma personagem menos interessante. A vida de Ginger,
irmã de Jasmine, é a face da derrota eterna, mas, ainda assim, Hawkins consegue
a façanha de tratar tal vida com alguma dignidade, provando que o dinheiro não
compra tudo e tratando a vida como ela é. Os melhores momentos da atriz são
suas reações aos insultos da irmã, o que faz da atriz o par perfeito para Cate
na telona. Os homens do longa não são capazes de agregar nada ao filme, talvez
seja pelo fato de o longa ter sido escrito focando em mulheres. Apesar de Peter
Sarsgaard, Andrew Dice Clay, Bobby Cannavale e Alden Ehrenreich estarem bem e
conseguirem segurar as pontas ao lado de Blanchett e Hawkins, Alec Baldwin não
consegue ser útil nem mesmo nos momentos cômicos do longa, o que sobre para os
momentos dramáticos é característico e comum demais.
O longa tem apenas 3 indicações ao
Oscar, nas quais está muito bem representado. Cate Blanchett é indicada como melhor atriz principal, e, mesmo com
concorrentes de peso como Judi Dench e Meryl Streep, e com atrizes queridas na
América, como Amy Adams e Sandra Bullock, é a grande favorita para o prêmio. A
interpretação de Blanchett é tudo o que a academia gosta, pois sua personagem
vai da riqueza à decadência, sua personagem não tem nenhuma esperança de que
alguma coisa dê certo na vida e podemos ver vários modelos de mulheres reais
que já passaram pelo que a personagem passa. Sally Hawkins está na disputa como
melhor atriz coadjuvante, apesar de
ser uma interpretação marcante e bem realista, a atriz está concorrendo com Jennifer
Lawrence, a nova queridinha de Hollywood e deve ficar sem o prêmio. Por fim,
Woody Allen concorre na categoria de melhor
roteiro original e, apesar de ser um roteiro de Allen, sempre favorito pela academia, o prêmio já está, merecidamente, nas mãos de Spike Jonze por seu trabalho espetacular em "Ela" (2013). Particularmente,
simpatizo com a escolha de Allen de iniciar o longa com Jasmine indo para São
Francisco e alternar a vida rica da protagonista com a vida decadente em flash
backs que esclarecem tudo o que aconteceu com a personagem até ali.
Woody Allen é conhecido por grandes
comédias e por grandes personagens femininos criados de forma original. “Blue
Jasmine” não é uma comédia. Existem momentos engraçados? Sim, mas eles não são
cômicos, são irônicos, são debochados, são realidades escrachadas a respeito de
uma sociedade mesquinha, fútil, desonesta, hipócrita e que não merece estar
nesse mundo. E, sobre isso, não me refiro apenas aos ricos, refiro-me a
qualquer ser humano que trate a vida de forma tão estúpida e sem amor próprio
como Jasmine e Ginger fizeram a vida toda. Se Jasmine não é um modelo de ser
humano por estar tão acabada após a falência, Ginger também está longe de ser
exemplo, pois nunca tentou nada para tornar sua vida algo mais digno. Claro que
o filme pode desagradar a alguns por ser tão realista e tão forte, não é um
filme simples e está longe de ser um longa agradável para qualquer momento da
vida de um ser humano. Mas é essa força e essa realidade que tornam o longa um
daqueles essências. Allen e Blanchett formam uma dupla inesperada que criam uma
trama e uma personagem inigualáveis. E que casal melhor para apresentar tramas
e personagens fortes e complexas que Woody Allen e Cate Blanchett, esses
mestres da dramaturgia?
VENCEDORES
DOS PRÊMIOS DO SINDICATO DOS ATORES
CINEMA
Melhor
Elenco: Trapaça
Melhor
Elenco Dublê: O Grande Herói
Melhor
Ator: Matthew McConaughey, por Clube de Compras Dallas
Melhor
Atriz: Cate Blanchett, por Blue Jasmine
Melhor
Ator Coadjuvante: Jared Leto, por Clube de Compras Dallas
Melhor
Atriz Coadjuvante: Lupita Nyong’o, por 12 Years a Slave
TELEVISÃO:
Melhor
Elenco em Série Drama: Breaking Bad
Melhor
Elenco em Série Comédia: Modern Family
Melhor
Elenco Dublê em Série Drama ou Comédia: Game of Thrones
Melhor
Ator em Série Drama: Bryan Cranston, por Breaking Bad
Melhor
Atriz em Série Drama: Maggie Smith, por Downton Abbey
Melhor
Ator em Série Comédia: Ty Burrell, por Modern Family
Melhor
Atriz em Série Comédia: Julia Louis-Dreyfus, por Veep
Melhor
Ator em Minissérie ou Telefilme: Michael Douglas, por Behind the Candelabra
Melhor
Atriz em Minissérie ou Telefilme: Helen Mirren, por Phil Spector
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