domingo, 2 de março de 2014

013. (ESPECIAL OSCAR 2014) ÁLBUM DE FAMÍLIA, de John Wells

Um exército imbatível de atores armados até os dentes com a pior das armas, a palavra, expõe a realidade e traz um dos filmes mais violentos do ano.
Nota: 9,0


Título Original: August: Osage County
Direção: John Wells
Elenco: Meryl Streep, Julia Roberts, Chris Cooper, Ewan McGregor, Margo Martindale, Sam Shepard, Julianne Nicholson, Juliette Lewis, Abigail Breslin, Benedict Cumberbatch, Dermot Mulroney, Misty Upham
Produção: George Clooney, Jean Doumanian, Grant Heslov, Steve Traxler, Bob Weinstein, Harvey Weinstein
Roteiro: Tracy Letts (roteiro e peça)
Ano: 2013
Duração: 120 min.
Gênero: Drama

Beverly e Violet Weston estão casados há mais de 40 anos e têm três filhas crescidas, Barbara, Karen e Ivy. Quando Beverly desaparece, a família se reúne na casa dos Weston no Contado de Osage, no infernal deserto do Oklahoma. Mas é quando descobrem que Beverly cometeu suicídio que a coisa esquenta de forma inacreditável. Barbara, sua filha e seu marido, de quem ela está se separando; Karen e seu noivo; Ivy; Mattie Fae, irmã de Violet, seu filho e seu marido, todos se reúnem em volta da mesa de jantar na casa dos Weston para prestar condolências à Violet.


Não se engane com a primeira cena do longa. A troca de palavras sutis entre Violet e Beverly não é apenas uma pequena discussão entre dois velhinhos que se amam. Não se engane pela primeira música tocada no filme. A animada “Lay Down Sally”, de Eric Clapton, está longe de ser a representação do humor da família Weston. A emocionante “Last Mile Home”, é bem mais apropriada. A história pode parecer de uma família que acaba de passar por um momento difícil e está se desestruturando, entretanto, os Weston jamais foram uma família estruturada. O calor do Oklahoma se parece em muito com o clima quente, áspero e seco que ronda cada membro dessa família, e pior, que acaba contagiando cada indivíduo que se torna um membro do clã Weston. O suicídio de Beverly também não é uma coincidência: após tantos anos passando vergonha por seu hábito desagradável de beber, ele resolveu afogar a si próprio após ter sido afogado a vida toda pelo álcool e pelas palavras de sua esposa. E, como se não bastasse, Violet está com câncer na boca, sua arma infalível contra a maior parte dos integrantes de sua família.


A matriarca, no entanto, jamais usou seus artifícios sem propriedade, o que não significa que ela cobre alguma coisa de qualquer pessoa, Violet simplesmente diz a verdade na cara de todos. Diz não. Violet arremessa verdades ofensivas, sendo fria, inapropriada e invasiva de todas as formas imagináveis por um homem. E o mais louco em tudo isso é que Violet não se contenta em “conversar” com pessoas que, como Ivy, escutam tudo de boca fechada. Karen, que ri de tudo e finge que a vida é perfeita, também não é uma opção para a fúria da megera. Violet gosta dos que respondem, dos que mostram estarem incomodados, dos que tentam ser mais terríveis que ela. Violet gosta dos sets em que luta, hostilmente, com Barbara, Mattie Fae e, especialmente, Beverly. São esses que a enfrentam que deixam a boca cancerosa de Violet sedenta por palavras ofensivas. E não se engane, também, se está pensando que Mattie Fae é diferente da irmã. Charlie, o marido, e Pequeno Charlie, o filho, são seus alvos: Pequeno Charlie fica acuado, tem medo da mãe e faz o possível para não deixá-la brava, com Charlie a coisa é diferente, ele a enfrenta e a coloca em seu lugar, e é por amá-lo e por ficar calada uma vez ou outra que os dois estão há 38 anos casados.


Diretor de nove episódios da aclamada série “Plantão Médico” (1998 – 2009), de quatro episódios da premiada série “Shameless” (2011 - 2014) e do mediano filme “A Grande Virada” (2013), John Wells é vencedor de seis prêmios Emmy e conhecido mais por seus trabalhos como produtor (o que inclui a produção de uma das melhores minisséries dos últimos anos “Mildred Pierce” [2011]). A notícia de que ele seria o realizador de um filme como esse deixou muitas dúvidas quanto às possibilidades de seu trabalho. O longa, inquestionavelmente, lembra muito uma peça de teatro. Possui marcações teatrais, direção de arte teatral, diálogos teatrais que parecem intermináveis e, até mesmo, atuações um tanto teatrais. Mas isso não significa que o trabalho tenha ficado ruim. Muito pelo contrário. Apesar das marcações incomodarem um pouco, a arte do filme é linda, o figurino é característico e melancólico como esperamos que seja, o roteiro é espetacular, com alguns dos melhores diálogos do ano e, ainda mais interessantes, com falas que mais parecem monólogos que se estendem por minutos e minutos e as atuações são o que há de mais belo. As brigas que o contexto proporciona para a família também são interessantes e nos estimulam a cada momento. Os momentos de conflito entre Violet e Barbara são intensos, a conversa entre Mattie Fae e Charlie é definitiva, as revelações do passado são tocantes, os escândalos de Violet são deprimentes e suas ofensas são inacreditáveis. A trilha sonora também é algo primordial, trazendo canções fortes e adequadas, que misturam o calor do verão em Osage County, a intensidade da vida dos Weston e a afeição inevitável que uns nutrem pelos outros.


Meryl Streep e Julia Roberts são a dupla indicada ao Oscar desse longa. E que dupla, diga-se de passagem. Poucas vezes atrizes se deram tão bem na telona como essas duas. No Oscar, Meryl é indicada como melhor atriz principal e Julia como melhor atriz coadjuvante. Como ocorreu com Judi Dench e Cate Blanchett em “Notas Sobre um Escândalo” (2006) – indicadas, respectivamente, nas mesmas categorias que Streep e Roberts -, o difícil é dizer qual das duas é a protagonista e qual é a coadjuvante. Meryl, mais uma vez, está magnífica. Ela é uma Violet velha, indefesa fisicamente, frágil, viciada em calmantes, com poucos cabelos devido à quimioterapia. Mais uma vez somos enganados, pois quando a atriz coloca a peruca escura e os óculos, esquecemos por completo a boa mãe que a atriz viveu em “Um Amor Verdadeiro” (1998), onde sua personagem também lutava contra o câncer, e somos obrigados a dar espaço a uma mulher má, perversa, desagradável, que se delicia com o prazer de ofender os outros, e se esses outros são sua família, melhor ainda. Indicada pela décima oitava vez ao Oscar (recorde que deixa qualquer outro ator ou atriz muito para trás), essa dama da sétima arte não parece pretender humanizar sua personagem, em um dos momentos mais belos do longa, Violet conta uma passagem de sua infância que nos faz sentir pena, até ela mesma mencionar que é uma mulher diabólica e, ao concordarmos com ela, deixamos de sentir qualquer remorso. E uma das culpadas por ficarmos tão enojados com Violet é Barbara, personagem de Julia Roberts. Talvez por vermos que toda a monstruosidade da matriarca está refletindo em apenas uma coisa: a reprodução de outro monstrinho que tenta se igualar à mãe. Roberts tem a mesma fúria nos olhos, o mesmo desejo insaciável de aniquilar os outros apenas com palavras. A mesma intensidade vista em Streep, vemos em Roberts. Em uma das cenas mais deliciosas, e engraçadas do longa, Barbara, Violet e Ivy estão almoçando e Barbara se enfurece com a irmã e age como Violet: após Ivy atirar um prato no chão, Barbara debocha fazendo o mesmo e gritando que todos devem jogar o prato no chão, Violet, sorrindo diabolicamente, atira seu prato como se fosse algo normal a ser feito. Nessa cena, e na cena em que Barbara se joga sobre a mãe para tomar os calmantes de sua mão, vemos a perfeição na interpretação de Julia, que consegue, até mesmo, se parecer fisicamente com Streep por suas feições. E mais impressionante: compreendemos que, como Violet, Barbara se diverte com tudo aquilo.


O restante do elenco não é menos sublime que a dupla citada à cima. Não podemos dizer que esse ou aquele intérprete segura essa ou aquela cena. A esses gladiadores, foi dado o mesmo treinamento, as mesmas armas, as mesmas chances de treinar antes de entrarem na arena, são os personagens que sairão vivos, ou mortos, não os atores. Margo Martindale é Mattie Fae, outra mulher perversa e rancorosa. É ela quem nos faz sentir que existem apenas duas possibilidades para um filho de uma dessas duas irmãs: ou ele se torna como elas, ou se torna um ser que se sente impotente e insignificante até uma etapa da vida, aliás, os quatro filhos delas se sentem assim, alguns mais, outros menos. Martindale é forte e não tem nada que faça parecer que sua interpretação é uma tentativa de se igualar a Streep ou alguma referência à sua personagem estar tentando imitar a irmã. Martindale deixa claro que ambas são assim, cada uma possui uma personalidade, mas ambas são o retrato da mãe que tiveram. Chris Cooper e Benedict Cumberbatch são Charlie e Pequeno Charlie, respectivamente. Cooper está majestoso, trazendo um Charlie que já sabe como lidar com a esposa e segura as pontas de tanta loucura; Cumberbatch é o retrato da opressão e vemos, claramente, como o Pequeno Charlie criado por ele está tentando sustentar, sobre sua cabeça, o enorme peso de ser filho de Mattie Fae. Mas o Clã Weston nada seria sem Juliette Lewis e Julianne Nicholson, Karen e Ivy. Enquanto Lewis traz uma personagem irritantemente sorridente e que finge que a vida é um paraíso e que ela vive em um conto de fadas desde que conheceu o noivo, Nicholson nos traz uma personagem simples, cativante que também poderá irritar a quem não se contenta com pessoas fracas. Abigail Breslin mostra que cresceu, vivendo Jean, a filha de Barbara, a pobre coitada que, provavelmente, está herdando o dom da língua maldita das mulheres de sua família. Ewan McGregor e Dermot Mulroney são os genros de Violet, Bill, marido de Barbara, e Steve, noivo de Ivy. Os atores provam, mais uma vez, que são muito mais que rostinhos bonitos e trazem personagens distintos. Enquanto Bill é um homem íntegro que, por não aguentar mais a genética da esposa, arrumou uma amante, mas que está tentando concertar as coisas – ao menos com filha -, Steve é um canalha que não tem ideia do que o espera entrando para essa família ao casar com uma das filhas de Violet Weston.



É triste ver como as interpretações magníficas e todo o resto que compõe esse filme foram esnobados pelas grandes premiações. Provavelmente, os votantes ainda não estão preparados para ouvir tantos palavrões saindo de bocas tão decentes quanto as de Meryl Streep e Margo Martindale, ou não conseguiram assistir ao filme sem encontrar um pouco de sua família ali dentro (e você também encontrará) e ficaram revoltados com isso. Ou, ainda, ninguém está pronto para uma trama com tantas verdades, tantas surpresas, tantas ofensas, tantas loucuras entre pessoas que deviam se amar e se respeitar e se tratam como se a família fosse um fardo. As metáforas escondidas, ou escrachadas, da trama, são o que dão o tom melancólico e até agradável. As verdades atiradas pela boca de Violet, como se sua língua fosse o componente principal de uma catapulta que atira pedras para demolir castelos, são, sem dúvida, terríveis e são destinadas a qualquer efeito que não seja lisonjeador.  Mas também não direi que muito do que é dito aqui, se escutado com atenção, deixa de ter graça. Violet, como outra personagem de Streep já foi apontada, é uma sádica notória. Sua risada é violenta, seu temperamento é violento, suas palavras são violentas e até a forma como anda, abraça e diz palavras bonitas (que são raras, mas existem) parece mais um tapa na cara a um carinho de uma mãe amável. Esse filme não é do tipo que traz alguma lição de vida. Ele não quer mostrar a ninguém como o amor é importante ou como a amizade salvará todos das desgraças a que estamos fadados. O longa se refere às decadências vivenciadas pelo ser humano ao longo da vida, que é “longa demais”, como apontaria T. S. Eliot. E também é uma forma de mostrar a intimidade de uma família que representa qualquer outra, afinal, todas as famílias do mundo podem fingir que tem vidas perfeitas e podem esconder o passado, mas todos os clãs a que pertencemos possuem um teto de vidro, e ele não é laminado. Quando estoura, seus cacos se espalham para todos os lados, e será muito difícil juntá-los, e renuí-los será impossível.Também não vemos a referência a uma mãe que há muito começou a perder o controle sobre a vida das filhas, já que Violet não quer controlar, quer importunar. Esse filme é uma exposição afiada e irônica, assim como a boca cancerosa de Violet Weston sempre será. 

VENCEDORES DOS SINDICATOS:
Sindicato dos Roteiristas:
Melhor Roteiro Original: Spike Jonze, por Ela
Melhor Roteiro Adaptado: Billy Ray, por Capitão Phillips, baseado no livro “A Capitain’s Duty: Somali Pirates, Navy SEALS, and Dangerous Days at Sea”, de Richard Phillips com Stephan Talty
Melhor Roteiro para Documentário: Sarah Polley, por Stories We Tell
USC Roteiristas (Roteiros Adaptados):
John Ridley, por 12 Anos de Escravidão
Sindicato dos Diretores:
Melhor Direção em Filme: Alfonso Cuarón, por Gravidade
Melhor Direção em Documentário: Jehane Noujaim, por The Square
Sindicato dos Produtores:
Melhor Filme (empate): 12 Anos de Escravidão e Gravidade
Melhor Animação: Frozen: Uma Aventura Congelante
Melhor Documentário: We Steal Secrets: The Story of WikiLeaks
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