Um exército imbatível de atores armados
até os dentes com a pior das armas, a palavra, expõe a realidade e traz um dos
filmes mais violentos do ano.
Nota: 9,0
Título Original: August: Osage County
Direção: John Wells
Elenco: Meryl Streep, Julia Roberts, Chris Cooper, Ewan McGregor, Margo
Martindale, Sam Shepard, Julianne Nicholson, Juliette Lewis, Abigail Breslin,
Benedict Cumberbatch, Dermot Mulroney, Misty Upham
Produção: George Clooney, Jean Doumanian, Grant Heslov, Steve Traxler, Bob Weinstein, Harvey Weinstein
Roteiro: Tracy Letts (roteiro e peça)
Ano: 2013
Duração: 120 min.
Gênero: Drama
Beverly e Violet Weston estão casados há
mais de 40 anos e têm três filhas crescidas, Barbara, Karen e Ivy. Quando Beverly
desaparece, a família se reúne na casa dos Weston no Contado de Osage, no
infernal deserto do Oklahoma. Mas é quando descobrem que Beverly cometeu
suicídio que a coisa esquenta de forma inacreditável. Barbara, sua filha e seu
marido, de quem ela está se separando; Karen e seu noivo; Ivy; Mattie Fae, irmã
de Violet, seu filho e seu marido, todos se reúnem em volta da mesa de jantar
na casa dos Weston para prestar condolências à Violet.
Não se engane com a primeira cena do
longa. A troca de palavras sutis entre Violet e Beverly não é apenas uma
pequena discussão entre dois velhinhos que se amam. Não se engane pela primeira
música tocada no filme. A animada “Lay Down Sally”, de Eric Clapton, está longe
de ser a representação do humor da família Weston. A emocionante “Last Mile
Home”, é bem mais apropriada. A história pode parecer de uma família que acaba de
passar por um momento difícil e está se desestruturando, entretanto, os Weston
jamais foram uma família estruturada. O calor do Oklahoma se parece em muito
com o clima quente, áspero e seco que ronda cada membro dessa família, e pior,
que acaba contagiando cada indivíduo que se torna um membro do clã Weston. O
suicídio de Beverly também não é uma coincidência: após tantos anos passando
vergonha por seu hábito desagradável de beber, ele resolveu afogar a si próprio
após ter sido afogado a vida toda pelo álcool e pelas palavras de sua esposa.
E, como se não bastasse, Violet está com câncer na boca, sua arma infalível
contra a maior parte dos integrantes de sua família.
A matriarca, no entanto, jamais usou
seus artifícios sem propriedade, o que não significa que ela cobre alguma coisa
de qualquer pessoa, Violet simplesmente diz a verdade na cara de todos. Diz
não. Violet arremessa verdades ofensivas, sendo fria, inapropriada e invasiva
de todas as formas imagináveis por um homem. E o mais louco em tudo isso é que
Violet não se contenta em “conversar” com pessoas que, como Ivy, escutam tudo
de boca fechada. Karen, que ri de tudo e finge que a vida é perfeita, também
não é uma opção para a fúria da megera. Violet gosta dos que respondem, dos que
mostram estarem incomodados, dos que tentam ser mais terríveis que ela. Violet
gosta dos sets em que luta, hostilmente, com Barbara, Mattie Fae e,
especialmente, Beverly. São esses que a enfrentam que deixam a boca cancerosa
de Violet sedenta por palavras ofensivas. E não se engane, também, se está
pensando que Mattie Fae é diferente da irmã. Charlie, o marido, e Pequeno
Charlie, o filho, são seus alvos: Pequeno Charlie fica acuado, tem medo da mãe
e faz o possível para não deixá-la brava, com Charlie a coisa é diferente, ele
a enfrenta e a coloca em seu lugar, e é por amá-lo e por ficar calada uma vez
ou outra que os dois estão há 38 anos casados.
Diretor de nove episódios da aclamada
série “Plantão Médico” (1998 – 2009), de quatro episódios da premiada série
“Shameless” (2011 - 2014) e do mediano filme “A Grande Virada” (2013), John
Wells é vencedor de seis prêmios Emmy e conhecido mais por seus trabalhos como
produtor (o que inclui a produção de uma das melhores minisséries dos últimos
anos “Mildred Pierce” [2011]). A notícia de que ele seria o realizador de um
filme como esse deixou muitas dúvidas quanto às possibilidades de seu trabalho.
O longa, inquestionavelmente, lembra muito uma peça de teatro. Possui marcações
teatrais, direção de arte teatral, diálogos teatrais que parecem intermináveis
e, até mesmo, atuações um tanto teatrais. Mas isso não significa que o trabalho
tenha ficado ruim. Muito pelo contrário. Apesar das marcações incomodarem um
pouco, a arte do filme é linda, o figurino é característico e melancólico como
esperamos que seja, o roteiro é espetacular, com alguns dos melhores diálogos
do ano e, ainda mais interessantes, com falas que mais parecem monólogos que se
estendem por minutos e minutos e as atuações são o que há de mais belo. As
brigas que o contexto proporciona para a família também são interessantes e nos
estimulam a cada momento. Os momentos de conflito entre Violet e Barbara são
intensos, a conversa entre Mattie Fae e Charlie é definitiva, as revelações do
passado são tocantes, os escândalos de Violet são deprimentes e suas ofensas
são inacreditáveis. A trilha sonora também é algo primordial, trazendo canções
fortes e adequadas, que misturam o calor do verão em Osage County, a
intensidade da vida dos Weston e a afeição inevitável que uns nutrem pelos
outros.
Meryl Streep e Julia Roberts são a dupla
indicada ao Oscar desse longa. E que dupla, diga-se de passagem. Poucas vezes
atrizes se deram tão bem na telona como essas duas. No Oscar, Meryl é indicada
como melhor atriz principal e Julia como
melhor atriz coadjuvante. Como
ocorreu com Judi Dench e Cate Blanchett em “Notas Sobre um Escândalo” (2006) –
indicadas, respectivamente, nas mesmas categorias que Streep e Roberts -, o
difícil é dizer qual das duas é a protagonista e qual é a coadjuvante. Meryl,
mais uma vez, está magnífica. Ela é uma Violet velha, indefesa fisicamente,
frágil, viciada em calmantes, com poucos cabelos devido à quimioterapia. Mais
uma vez somos enganados, pois quando a atriz coloca a peruca escura e os
óculos, esquecemos por completo a boa mãe que a atriz viveu em “Um Amor
Verdadeiro” (1998), onde sua personagem também lutava contra o câncer, e somos
obrigados a dar espaço a uma mulher má, perversa, desagradável, que se delicia
com o prazer de ofender os outros, e se esses outros são sua família, melhor
ainda. Indicada pela décima oitava vez ao Oscar (recorde que deixa qualquer
outro ator ou atriz muito para trás), essa dama da sétima arte não parece
pretender humanizar sua personagem, em um dos momentos mais belos do longa,
Violet conta uma passagem de sua infância que nos faz sentir pena, até ela
mesma mencionar que é uma mulher diabólica e, ao concordarmos com ela, deixamos
de sentir qualquer remorso. E uma das culpadas por ficarmos tão enojados com
Violet é Barbara, personagem de Julia Roberts. Talvez por vermos que toda a monstruosidade
da matriarca está refletindo em apenas uma coisa: a reprodução de outro monstrinho
que tenta se igualar à mãe. Roberts tem a mesma fúria nos olhos, o mesmo desejo
insaciável de aniquilar os outros apenas com palavras. A mesma intensidade
vista em Streep, vemos em Roberts. Em uma das cenas mais deliciosas, e
engraçadas do longa, Barbara, Violet e Ivy estão almoçando e Barbara se
enfurece com a irmã e age como Violet: após Ivy atirar um prato no chão,
Barbara debocha fazendo o mesmo e gritando que todos devem jogar o prato no
chão, Violet, sorrindo diabolicamente, atira seu prato como se fosse algo
normal a ser feito. Nessa cena, e na cena em que Barbara se joga sobre a mãe
para tomar os calmantes de sua mão, vemos a perfeição na interpretação de Julia,
que consegue, até mesmo, se parecer fisicamente com Streep por suas feições. E
mais impressionante: compreendemos que, como Violet, Barbara se diverte com
tudo aquilo.
O restante do elenco não é menos sublime
que a dupla citada à cima. Não podemos dizer que esse ou aquele intérprete
segura essa ou aquela cena. A esses gladiadores, foi dado o mesmo treinamento,
as mesmas armas, as mesmas chances de treinar antes de entrarem na arena, são
os personagens que sairão vivos, ou mortos, não os atores. Margo Martindale é
Mattie Fae, outra mulher perversa e rancorosa. É ela quem nos faz sentir que
existem apenas duas possibilidades para um filho de uma dessas duas irmãs: ou
ele se torna como elas, ou se torna um ser que se sente impotente e
insignificante até uma etapa da vida, aliás, os quatro filhos delas se sentem
assim, alguns mais, outros menos. Martindale é forte e não tem nada que faça
parecer que sua interpretação é uma tentativa de se igualar a Streep ou alguma
referência à sua personagem estar tentando imitar a irmã. Martindale deixa
claro que ambas são assim, cada uma possui uma personalidade, mas ambas são o
retrato da mãe que tiveram. Chris Cooper e Benedict Cumberbatch são Charlie e
Pequeno Charlie, respectivamente. Cooper está majestoso, trazendo um Charlie
que já sabe como lidar com a esposa e segura as pontas de tanta loucura;
Cumberbatch é o retrato da opressão e vemos, claramente, como o Pequeno Charlie
criado por ele está tentando sustentar, sobre sua cabeça, o enorme peso de ser
filho de Mattie Fae. Mas o Clã Weston nada seria sem Juliette Lewis e Julianne
Nicholson, Karen e Ivy. Enquanto Lewis traz uma personagem irritantemente
sorridente e que finge que a vida é um paraíso e que ela vive em um conto de
fadas desde que conheceu o noivo, Nicholson nos traz uma personagem simples,
cativante que também poderá irritar a quem não se contenta com pessoas fracas.
Abigail Breslin mostra que cresceu, vivendo Jean, a filha de Barbara, a pobre coitada
que, provavelmente, está herdando o dom da língua maldita das mulheres de sua
família. Ewan McGregor e Dermot Mulroney são os genros de Violet, Bill, marido
de Barbara, e Steve, noivo de Ivy. Os atores provam, mais uma vez, que são
muito mais que rostinhos bonitos e trazem personagens distintos. Enquanto Bill
é um homem íntegro que, por não aguentar mais a genética da esposa, arrumou uma
amante, mas que está tentando concertar as coisas – ao menos com filha -, Steve
é um canalha que não tem ideia do que o espera entrando para essa família ao
casar com uma das filhas de Violet Weston.
É triste ver como as interpretações
magníficas e todo o resto que compõe esse filme foram esnobados pelas grandes
premiações. Provavelmente, os votantes ainda não estão preparados para ouvir
tantos palavrões saindo de bocas tão decentes quanto as de Meryl Streep e Margo
Martindale, ou não conseguiram assistir ao filme sem encontrar um pouco de sua
família ali dentro (e você também encontrará) e ficaram revoltados com isso.
Ou, ainda, ninguém está pronto para uma trama com tantas verdades, tantas
surpresas, tantas ofensas, tantas loucuras entre pessoas que deviam se amar e
se respeitar e se tratam como se a família fosse um fardo. As metáforas
escondidas, ou escrachadas, da trama, são o que dão o tom melancólico e até
agradável. As verdades atiradas pela boca de Violet, como se sua língua fosse o
componente principal de uma catapulta que atira pedras para demolir castelos,
são, sem dúvida, terríveis e são destinadas a qualquer efeito que não seja
lisonjeador. Mas também não direi que
muito do que é dito aqui, se escutado com atenção, deixa de ter graça. Violet,
como outra personagem de Streep já foi apontada, é uma sádica notória. Sua
risada é violenta, seu temperamento é violento, suas palavras são violentas e
até a forma como anda, abraça e diz palavras bonitas (que são raras, mas
existem) parece mais um tapa na cara a um carinho de uma mãe amável. Esse filme
não é do tipo que traz alguma lição de vida. Ele não quer mostrar a ninguém
como o amor é importante ou como a amizade salvará todos das desgraças a que
estamos fadados. O longa se refere às decadências vivenciadas pelo ser humano
ao longo da vida, que é “longa demais”, como apontaria T. S. Eliot. E também é
uma forma de mostrar a intimidade de uma família que representa qualquer outra,
afinal, todas as famílias do mundo podem fingir que tem vidas perfeitas e podem
esconder o passado, mas todos os clãs a que pertencemos possuem um teto de
vidro, e ele não é laminado. Quando estoura, seus cacos se espalham para todos
os lados, e será muito difícil juntá-los, e renuí-los será impossível.Também
não vemos a referência a uma mãe que há muito começou a perder o controle sobre
a vida das filhas, já que Violet não quer controlar, quer importunar. Esse
filme é uma exposição afiada e irônica, assim como a boca cancerosa de Violet
Weston sempre será.
ACESSE NOSSA PÁGINA NO YOUTUBE:
http://www.youtube.com/user/projeto399filmes
E CURTA NOSSA PÁGINA NO FACEBOOK:
Nenhum comentário:
Postar um comentário