Um belo retrato do sofrimento dos negros
na América, mas não é o melhor filme do ano.
Nota: 9,6
Título Original: 12 Years a Slave
Direção: Steve McQueen
Elenco: Chiwetel Ejiofor, Lupita
Nyong’o, Michael Fassbender, Benedict Cumberbatch, Paul Giamatti, Alfre Woodard, Paul Dano,
Sarah Paulson, Andy Dylan, Liza J. Bennett, Kelsey Scott, Bryan Batt, Brad
Pitt, Taran Killam, Christophr Berry, Chris Chalk, Tony Bentley, Cameron
Zeigler, Quvenzhané Wallis
Produção: Dede Gardener, Anthony Katagas, Jeremy Kleiner, Steve McQueen,
Arnon Milchan, Brad Pitt, Bill Pohlad, John Ridley, Tessa Ross e Bianca Stinter
Roteiro: John Ridley e Solomon Northup (livro “Twelve Years a Slave”)
Ano: 2013
Duração: 134 min.
Gênero: Drama / Biografia
Nova York, 1841, o negro Solomon Northup
despede-se da esposa e dos filhos que estão indo em uma viagem para que a
mulher possa trabalhar. Andando pela rua, ele acaba conhecendo dois homens que
se apresentam como proprietários de um circo e que desejam tê-lo como
violinista. Após uma bebedeira, Solomon acorda em um porão usando correntes
pressas à parede. Apartir dali, informam-no que ele é um escravo e deve se comportar
como tal. Mesmo tentando negar tudo, Solomon é levado e vendido como o escravo
Platt. Começando na fazenda do bom Sr. Ford, passará pelas terríveis mãos do
Sr. Epps e, ao lado da escrava Patsey, terá de se conformar em ser um escravo
rebelde.
Quando Solomon acorda no porão, já
começamos a sentir remorso, pânico e pena daqueles que viveram situações
semelhantes, basta os carcereiros entrarem para que nossos sentimentos mudem e
passemos a sentir ódio, nojo e raiva daqueles que, um dia, trataram os negros
de forma tão absurda e ultrajante. É bom revelar, desde já, que os
proprietários do circo não tiveram nenhuma participação no sequestro. Nesse
porão, Solomon passa por uma situação terrível para que ele pare de se dizer um
homem livre: um homem bate nele lembrando que “na verdade” ele é um escravo.
Depois, quando Solomon chega até o vendedor de escravos, o homem é obrigado a
trocar seu nome. Pode parecer algo ameno nos dias de hoje, mas ele, que um dia
fora Solomon Northup, teria de se acostumar a ser chamado de Platt (e usar o
sobrenome de seu proprietário). Nesse contexto, o tal senhor de escravos mostra
toda sua ganância e falta de compaixão, tratando os negros como mercadorias,
como animais que estão à venda, batendo em seus peitos, obrigando que pulem e
mostrem seus dentes. Quando Solomon é vendido, após tantos sustos e surpresas
inimagináveis, encontra um dono bom e até compreensível. O Sr. Ford ouve as
opiniões do escravo para as melhorias em sua fazenda e chega a presenteá-lo com
um violino. Entretanto, Solomon vive em guerra com John Tibeats, o chefe
carpinteiro da fazenda que mais parece um monstro impiedoso. Uma das figuras
mais desagradáveis da trama, John acaba apanhando de Solomon e tenta enforcá-lo
como vingança. O Mestre Ford, entretanto, acaba ajudando Solomon e o envia para
a propriedade de Edwin Epps, um homem duro e louco. Ali, o escravo começa a
trabalhar com algodão e se aproxima da escrava Patsey, a maior colhedora da
fazenda. Solomon, além de sofrer o que qualquer escravo sofria nas mãos de um
homem como Epps, também tem que aguentar os insultos e as agressões do patrão
por Epps ser apaixonado de uma forma muito estranha por Patsey. Por um tempo,
ainda, enquanto Epps enfrenta uma praga em sua lavoura, Solomon é enviado à
fazenda do Juíz Turner, que se mostra tão generoso que chega a indicar o
escravo violinista para uma grande festa e ainda garante que o que ele ganhar
será seu. Após a praga da fazenda de Epps ser removida, Solomon volta ao seu
antigo dono e continua levando sua vida sofrida. Certo dia, porém, Solomon
acaba sendo agraciado com a surpresa do único homem que lhe ajudou realmente.
De forma simples e indireta, enquanto
John Ridley conta a história de Solomon, ele nos presenteia com os costumes e
crenças da época. Claro que, tudo aqui é visto pela perspectiva dos negros, os
reais protagonistas da trama. No início, por exemplo, vemos um norte americano
que está se acostumando com o fim da escravidão, um norte que apoia os
movimentos abolicionistas e que já estão bem habituados aos negros serem
tratados com respeito e dignidade. Depois que Solomon é pego e levado ao sul
dos EUA, vemos uma região ainda muito escravista, que não dá a mínima para as
palavras de um negro que se auto declara livre. O Sr. Ford e sua esposa,
entretanto, representam uma camada da sociedade do local que trata os negros
com igualdade até uma certa altura, o próprio capataz da fazenda parece estar
ali apenas para manter a ordem entre os escravos. Ainda no sul, temos uma
situação muito parecida com as que estamos acostumados em ver nas novelas e
romances brasileiros que tratam da escravidão: o desejo ou paixão de um patrão
por sua escrava. A construção do que Epps sente por Patsey é impressionante:
não podemos dizer que ele a ama desde o princípio, mas podemos afirmar que ele
se apaixona e a deseja pelo fato de ela colher tão bem que chega a ser chamada
por ele de Rainha das Colheitas. Com o tempo, percebemos que Epps se martiriza
por essa paixão, essa obsessão que nutre
por sua escrava. E isso fica muito claro quando ele a estupra. Em uma cena
muito típica da época, o que ocorreu no mundo todo, a Sra. Epps acaba atirando
uma garrafa na cara de Patsey quando ve seu marido a observar enquanto ela
dança. Anos mais tarde, vemos Epps com uma menina negra em seus braços, o que
nos enoja mais ainda se levarmos em consideração que ele, provavelmente,
pretende criar outra Patsey, ou, quem sabe, ela seja fruto de alguma relação
dele com alguma escrava. Para piorar a situação, em uma cena inesquecível, Epps
não consegue, a princípio, castigar Patsey com o chicote, e ordena que Solomon o
faça. Após algumas chicotadas leves, o patrão toma o objeto do escravo e
termina o serviço, alegando que um homem faz o que deseja em sua propriedade.
Steve McQueen dirigiu mais de vinte curtas-metragem
e outros dois bons longas antes desse. “Fome” (2008) é um filme forte e de
diferente opiniões, “Shame”, com Michael Fassbender, não é nada diferente:
trata da vida de um homem viciado em sexo. “12 Anos de Escravidão” também não é
um filme simples ou agradável. Muito pelo contrário: é violento, é triste e
expõe o pior dos homens. No entanto, são poucas as cenas em que os escravos são
violentados de forma inovadora ou que possamos ver algo além do que já foi
mostrado em outros filmes. Inquestionavelmente, o longa é maravilhoso, mas não
existem grandes novidades na produção além de sermos expostos à perspectiva de
um escravo. Mesmo assim, não posso negar: o conjunto da obra é muito original. Os
cenários são componentes muito bem preparados e cada cena é única e possui
valor histórico inestimável. A forma como McQueen consegue captar os
sentimentos e as verdades no rosto de seus atores é incrível e parece que o
diretor não perde muita coisa em alguma cena. A fotografia do longa é
belíssima, assim como o figurino, ambos muito característicos e que nos remontam
direto à época em que a história realmente aconteceu. Mas cenas bonitas e bem
feitas, uma história tocante e boas interpretações não são o suficiente para
fazer o melhor filme do ano. McQueen e Ridley pecam ao tentar detalhar doze
difíceis anos de um homem, um homem que foi de livre à escravo. Durante todo o
filme, não sabemos a quanto tempo Solomon foi roubado de seu lar, não somos
situados no tempo e tudo fica muito confuso. Em uma das últimas cenas do filme,
simplesmente, Solomon fica com os cabelos brancos e não sabemos o que
aconteceu. Um palpite seria que tudo o que o filme mostra aconteceu nos
primeiros quatro ou cinco anos da vida do personagem, e os outros anos, Solomon
teve de viver trabalhando para Epps. Ainda, apenas a história de Solomon é
explorada, momentos da vida de Patsey, uma das melhores personagens do longa,
são deixados de lado e, como em uma grande telenovela, o que acontece a alguns
personagens, seu presente e futuro, é deixado de lado e não sabemos da vida de
ninguém que não seja Solomon.
Chiwetel Ejiofor traz uma das mais
impressionantes interpretações do ano. Apesar de sabermos que muito do que o
ator mostra é o que, provavelmente, viveu em sua vida (relacionado a preconceitos)
é impossível não se emocionar e não aplaudir de pé sua interpretação como
Solomon. Ele é intenso e, ao mesmo tempo, sabe abaixar a cabeça quando
necessário, é forte e corajoso, mas começa a se acalmar quando vive a disciplina
da fazenda dos Epps. Ejiofor traz um homem comum, um pai de família, um
trabalhador que vê seu mais precioso bem ser levado: sua liberdade. E é por
demostrar todo esse desespero de forma tão magnífica que quase ficou difícil
decidir se ele ou Leonardo DiCaprio serão mais injustiçados se perderem o
Oscar. Lupita Nyong’o é, sem rodeios, a melhor atriz do ano. Em uma interpretação visceral como a pobre Patsey, Lupita possui os momentos mais dramáticos e
arrasadores do longa. Na cena em que é estuprada por Epps, é seu silêncio que
fala, quando é açoitada pelo mesmo homem, seus gritos adentram nossa alma de
forma inacreditável. E se alguém se atrever a dizer que a atriz é exagerada
demais em alguma cena, basta lembrar a situação que ela vivia para saber que
nenhum exagero é demais. Michael Fassbender sim, em alguns momentos, parece
querer chamar demais a atenção. Claro que Epps, seu personagem, é um
descontrolado alcoólatra, mas isso não é motivo para o ator ser tão escandaloso
em alguns momentos. Apesar das alterações exageras de voz de Fassbender, as
feições dele em todo o longa são algumas das melhores do ano e os deboches do
personagem são ótimos. Na cena em que Epps chicoteia Patsey, por exemplo, as
feições de Fassbender mostram o quanto aquele homem está se sentindo
proprietário daquela mulher.Talvez o ator devesse ter explorado mais esse lado
e ter deixado os escândalos para Nyong’o. Ao lado de Fassbender, Sarah Paulson
mostra uma esposa de Epps que já perdeu a cabeça há muito por culpa do marido,
mas que não o deixa de forma alguma. As cenas de ciúmes, inveja e nojo dela
para com Patsey são os grande momentos de Paulson. Benedict Cumberbatch, mais
uma vez em um filme indicado ao Oscar, dá vida ao bom Sr. Ford, um homem de
Deus definitivamente. Cumberbatch e Liza J. Bennett (esposa de Ford) são o
retrato perfeito de um casal que não pede pela igualdade, mas vive ela em seu
proprio lar. Paul Dano vive o insuportável John Tibeats, apesar de ter uma boa
interpretação, a construção de Epps feita por Fassbender é tão terrível que
Dano fica esquecido. Não se pode deixar de comentar, mesmo que rapidamente, a sempre muito bem-vinda interpretação de Alfre Woodard como uma escrava que se casa com um homem branco, a atriz está, como de costume, magnífica e representando a negritude de forma muito particular.
Nove é o número de indicações
arrebatadas pelo filme esse ano no Oscar, o segundo maior número, perdendo
apenas para “Gravidade” e “Trapaça”, maiores concorrentes do longa na categoria
de melhor filme do ano. Mesmo que
“Gravidade” tenha surpreendido pelas técnicas utilizadas (algumas desenvolvidas para o filme), a morte de Nelson Mandela parece ter emocionado as premiações do
mundo todo e “12 Anos de Escravidão” vem como o grande favorito. O mesmo não
podemos dizer em relação a Steve McQueen, indicado como melhor diretor. Se “12 Anos de Escravidão” impressiona pelo tema, Alfonso Cuarón, diretor de “Gravidade” impressiona pela arte de seu longa,
sendo o grande favorito das premiações até agora e do Oscar. Vale lembrar que o
filme venceu o Sindicato dos Produtores (termômetro para a categoria principal
do Oscar), dividindo o prêmio com “Gravidade”, e que perdeu o prêmio dos
Sindicato dos Diretores para Cuarón. John Ridley, apesar do roteiro confuso, é
indicado em melhor roteiro adaptado.
“Capitão Phillips” que possui diálogos muito superiores e uma história mais ágil
e cheia de expectativas, é seu grande concorrente, o ponto forte de Ridley é a temática e o fato de o longa possuir uma primeira hora maravilhosa que
conquista a todos. Ejiofor, como o esperado, é indicado como melhor ator. Ao longo da temporada, em
mais de 40 prêmios, o ator venceu 22 duas vezes na mesma categoria. Com uma
interpretação surpreendente, o prêmio está entre ele e Matthew McConaughey.
Espero que a Academia continue se emocionando e que Ejiofor saia vencedor.
Michael Fassbender, apesar de muito bem no papel e de possuir a segunda melhor
atuação coadjuvante do ano, não tem chances contra o parceiro de McConaughey na
telona, Jared Leto, de “Clube de Compras Dallas”, que merecidamente (após vencer 27 prêmios ao
longo da temporada), levará o prêmio de melhor
ator coadjuvante para casa. Lupita Nyong’o, indicada como melhor atriz coadjuvante, progoniza a
maior luta do ano, levando em consideração a certeza quanto ao prêmio de melhor
atriz ser de Cate Blanchett. A principal concorrente dessa revelação
maravilhosa é a queridinha Jennifer Lawrence, por w“Trapaça”. Até agora, a
loira venceu 12 vezes, a morena, 22. O figurino belíssimo de Patricia Norris,
vencedora do Sindicato dos Figurinistas, é indicado como melhor figurino, concorrendo com “O Grande Gatsby” e tendo grandes
chances de levar, merecidamente, a estatueta. Joe Walker é indicado na categoria
de melhor edição por um trabalho
muito bonito que deixa o filme ainda mais tocante, mas não melhor que o do trio
de “Trapaça” ou que Christopher Rouse de “Capitão Phillips”, que disputam o
prêmio com Alfonso Cuarón e Mark Sanger, por “Gravidade”. Outro grande
componente do filme, a arte de Adam Stockhausen e Alice Baker, indicada como melhor direção de arte. Apesar de ser
um trabalho bonito, será difícil tirar o prêmio de “Gravidade”, “O Grande
Gatsby” ou “Ela”, vencedores do Sindicato dos Diretores de Arte.
Sendo o favorito como vencedor da
estatueta do Oscar de melhor filme, “12 Anos de Escravidão” pode ter suas
chances de ser o grande vencedor da noite frustradas pelo trabalho excepcional de Alfonso Cuarón e sua equipe impecável em “Gravidade”. Mesmo assim, não
podemos negar que o filme seja bonito e que contenha uma denúncia importante
sobre a escravidão. Aliás, por incrível que pareça, as atrosidades cometidas
contra negros séculos atrás, parecem não cansar nunca. “12 Anos de Escravidçao”
faz o que Martin Scorsese fez em “O Lobo de Wall Street”. Enquanto Scorsese não
mostra nada de novo em relações aos seus trabalhos anteriores, “12 Anos de
Escravidão” não mostra nada de novo em relação ao que já vimos sobre a
escravidão e a forma brutal como negros foram tratados. A semelhança é que
ambos o fazem de forma inacreditávelmente original e convincente. A diferença é
que os negros nunca estiveram tão em alta, e os corruptos, tão em baixa. E esse
filme poderia ter sido perfeito se o roteiro tivesse sido melhor desenvolvido. Tudo
bem que a história era sobre os doze anos de escravidão vividos por Solomon
Northup, mas não custava nada ter omitido algumas coisas ou ter usado uma
narração em off para que ele contasse algumas passagens de sua vida e de seus
companheiros sem o filme virar uma confusão. “12 Anos de Escravidão” é, sem
dúvida alguma, um dos melhores filmes do ano, mas, definitivamente, não é o
melhor.
TABELA TEMPORADA DE PREMIAÇÕES 2014
Confira a tabela da Temporada de Premiações 2014! Veja quem foram os vencedores dos principais prêmios internacionais e dos críticos. Os filmes coloridos e em negrito possuem indicações ao Oscar e seu número de vitórias está indicado na última coluna da tabela, mas isso não significa que o longa possui indicações nas categorias que venceu algum prêmio. Os filmes em preto sem ser em negrito não possuem indicação alguma no Oscar. Para visualizar melhor, basta abrir a imagem em outra janela/guia/aba. OBSERVAÇÕES: os filmes coloridos e em negrito possuem indicações ao Oscar e seu número de vitórias está indicado na última coluna da tabela, mas isso não significa que o longa possui indicações nas categorias que venceu algum prêmio. Os filmes em preto sem ser em negrito não possuem indicação alguma no Oscar.
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