terça-feira, 4 de novembro de 2014

YIN YANG

Especial X Panorama Internacional Coisa de Cinema. Filmes: "Parque Soviético" e "A Doce Flauta da Liberdade"



O final da tarde sábado no X Panorama Internacional Coisa de Cinema iniciou, em Cachoeira, com a apresentação de um curta-metragem e um longa, respectivamente, o primeiro, parte da Competitiva Nacional, o segundo, da Competitiva Baiana. O curta, dirigido por Karen Black, foi “Parque Soviético”, uma história que mistura o relacionamento conturbado de um casal em crise com as lembranças de um tempo onde o mundo vivia entre dezenas de dualidades que mudariam a história da humanidade. O longa, de George Neri, “A Doce Flauta da Liberdade” é um filme metalinguístico que mistura as referências cinematográficas com a importância de se falar sobre a liberdade de expressão, independente da região, da cultura ou da área de que se fala.
“Parque Soviético” foi filmado no parque em memória dos soldados do Exército Vermelho que tombaram na Segunda Guerra Mundial. É nesse parque que um homem e uma mulher se encontram e começam a discutir seu relacionamento. E o que isso tem a ver com uma relação de um casal? Tudo! Segundo a própria Karen, “amor é guerra fria”. Amor é a luta entre dois lados. Amor é a disputa ideológica de dois seres humanos. Nesse caso, amor é o jogo entre um homem e uma mulher. Amor passa tanto pelas dualidades da vida quanto uma guerra. Enquanto ele defende o capitalismo, ela opta pelo socialismo. Enquanto ele é um homem, ela é uma mulher, assim como, durante a Guerra Fria, enquanto de um lado estavam os EUA e seus aliados e de outro estavam a URSS e seus aliados. Além da história, o filme em preto e branco possui uma fotografia incrível que se preocupa sempre em mostrar um pouco dos monumentos e um pouco do casal e uma sonoplastia aparentemente natural que, ainda segundo a diretora, foi feita de forma absolutamente artificial.

Filme: "Parque Soviético", de Karen Black
“A Doce Flauta da Liberdade” é uma alegoria metalinguística que tem por objetivo criticar a censura. A história se passa na cidade fictícia de Liberdade, no interior da Bahia, onde um homem tem como função recortar partes obscenas, indecentes, com diálogos que possuam palavrões e qualquer referência perigosa que possa afastar o povo da religiosidade dos mais diversos filmes. Em um dado momento, a repressão chega ao limite e jovens se revoltam. Um deles chega a usar de artifícios místicos para prejudicar o homem em questão. Inicialmente, o filme é uma confusão de imagens, do real e do imaginário, uma mistura de diversas cenas e histórias, um recorte muito diferenciado e, por vezes, estranho. É preciso, assim, tentar entender a loucura contida na proposta do longa e tentar fazer parte dele para só então, tentar compreendê-lo. E, ainda assim, não há garantia de que o filme funcione.
George recebeu um roteiro com uma história que ele considerou meio quadrada sobre um homem que picotava negativos de filmes e, devido a uma revolta, acaba sofrendo consequências um tanto drásticas. George não gostava da forma como o roteiro era proposto, então, inseriu a improvisação, a aparição de parte da produção (o que tornou o filme ainda mais metalinguístico do que apenas inserir diálogos e cenas de filmes muito conhecidos no cinema) e artifícios estilísticos como um pano sobre a lente da câmera para causar um efeito diferenciado. A equipe do filme é o próprio elenco, assim, algumas cenas parecem ensaios, outras parecem making off. Uma proposta arriscada que, aliada a metáforas exageradas e algumas críticas exploradas de forma excessiva, corroem o filme em alguns aspectos. Algumas ideias, como a necessidade do fim da repressão e a o cinema como expressão necessária, acabam se perdendo e o sentido do filme se torna um tanto ambíguo. Pontas ficam soltas e a sensação é a de que muito mais podia ser falado.

Filme: "A Flauta Doce da Liberdade", de George Neri
 “Parque Soviético” e “A Doce Flauta da Liberdade” possuem em comum a apresentação das dualidades e de como elas afetam a vida dos seres humanos. Enquanto no primeiro a dualidade se dá entre as ideologias e os gêneros, no segundo, ela se apresenta pela liberdade ou pela falta dela, pela repressão ou pela tolerância. “Amor é guerra fria”, independente de com quem se relacione, o amor será uma disputa eterna entre duas pessoas e seus egos, e suas ideias, e seus desejos, e seus sonhos. Assim como a imposição de ideologias será uma guerra eterna entre os que defendem a permanência de um estilo de vida e os que buscam por uma vida nova. E, talvez, essas dualidades, que dizem respeito ao amor e ao convívio social, sejam as que mais afetam o ser humano, em qualquer lugar do mundo, em qualquer espaço de tempo.

Conversas com os diretores Karen Black, de "Parque Soviético", e George Neri, de "A Doce Flauta da Liberdade", após a apresentação dos filmes. Foto: Wesley Proença.
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