quarta-feira, 5 de novembro de 2014

ENCONTROS E DESENCONTROS

Especial X Panorama Internacional Coisa de Cinema. Filmes: "O Completo Estranho", "Tenho um Dragão que mora Comigo", "Sem Coração", "O Bom Comportamento" e "Quinze"



O dia de domingo (02) foi o último dia do X Panorama Internacional Coisa de Cinema na cidade de Cachoeira, onde o festival é realizado em parceria com o Cineclube Mário Gusmão, que funciona atrelado ao curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Os filmes começaram a ser exibidos com uma sessão da Mostra Competitiva Nacional às 14h, com a apresentação de cinco filmes em curta-metragem. Os primeiros foram dois filmes cearenses: “O Completo Estranho” e “Tenho um Dragão que Mora Comigo”, dirigidos, respectivamente, por Leonardo Mouramateus e Wislan Esmeraldo. Depois, foi a vez de um filme pernambucano, estado que marcou forte presença no evento, com o filme “Sem Coração”, de Nara Normande e Tião. O quarto filme foi o paulista “O Bom Comportamento”, de Eva Randolph. Para finalizar a sessão, o filme mineiro “Quinze”, de Maurílio Martins.
“O Completo Estranho” gira em torno da relação de dois jovens que se conhecem em uma festa. Ela foi até o local com o namorado para “salvar” uma amiga em apuros. Ele é o anfitrião. No meio de um apagão, os personagens, que, supostamente, nunca haviam se visto, acabam se encontrando. Eles continuam sem se ver, mas começam a se ouvir e a conversar sobre os mais diversos temas. O maior trunfo do filme é a forma como os contornos humanos são explorados pela falta da luz (devido ao apagão). É essa falta de luz, e a precisão dos contornos, que lembram que os seres humanos são feitos de sua índole, de seu interior, de seu espírito, e não de sua carne, de sua cor, de sua imagem exterior. Os personagens, assim, sem nenhum preconceito começam a conversar. Segundo ele, ele já havia a visto na festa, mas ela não tem nem ideia de como ele se parece fisicamente. O problema são diálogos muito pontais, marcados e teatrais demais. O curta é feito, sem dúvida, pela poética da imagem e dos contornos, mas é levado pelos diálogos de forma lenta e sem graça.

Filme: "O Completo Estranho", de Leonardo Mouramateus
Uma mulher arruma sua casa, prepara um bolo e espera seu amante chegar. Em “Tenho um Dragão que mora Comigo”, os personagens são muito normais, suas atitudes muito cotidianas, a casa onde se encontram muito realista, as atitudes e diálogos muito naturais. Como muitos curtas, é um filme quase documental, sem pudor e sem medo de mostrar a realidade que assola os personagens. De forma simples, o curta consiste em apresentar uma mulher que espera por alguém. Em nenhum momento nos é revelado quem é essa pessoa até que o homem chegue. E mais, temos a certeza de que essa espera é longa e voltará a ser tão longa quanto. A fotografia e a direção de arte do filme são precisas e as cores que vemos em cada cena dialogam de uma forma ou outra sempre. O dragão do título pode ser visto como esse amor grande e cheio de calor que a mulher possui em seu peito. Ou também pode ser uma referência ao vazio imenso que a personagem sente quando está longe de seu amado. Quem sabe?

Filme: "Tenho um Drgão que mora Comigo", de Wislan Esmeraldo
“Sem Coração” foi, sem dúvida, um dos curtas mais interessantes apresentados durante o Panorama. A história acompanha um jovem que vai visitar os tios e o primo em uma praia nordestina. Lá, o menino, de aproximadamente treze ou quatorze anos, conhece outros meninos que o apresentam à Sem Coração, uma garota da mesma idade com quem os meninos se relacionam sexualmente. Para começar, o filme já impressiona pela interpretação e maturidade dos intérpretes das crianças que levam toda essa descoberta sexual de forma muito realista. É a impressão do que eles mesmos vivenciavam quando o curta foi realizado. Ainda nesse contexto, chama a atenção a construção da personagem de Sem Coração. A metáfora tem a ver com uma cicatriz que a garota tem no peito, mas também diz respeito à forma como ela se relaciona com todos os meninos, sem se apegar a nenhum deles. Qualquer semelhança não é mera coincidência, segundo Nara Normande, a personagem é baseada em um pessoal real. A fotografia do filme é imponente e utiliza o sol e as praias de forma muito inteligente.

Filme: "Sem Coração", de Nara Normande e Tião
Isolados, adolescentes se divertem em uma colônia de férias em “O Bom Comportamento”. Laura, porém, está totalmente sozinha no local depois que seu único amigo se vê obrigado a ir embora. Com o tempo, ela se aproxima de um belo garoto e os dois voltam ao tema das descobertas sexuais da adolescência. Durante o filme, uma colega de quarto de Laura conta a história de uma jovem grávida que morreu no acampamento e assombra a cachoeira local. Com o passar do curta, é difícil compreender sobre o que a história está tentando falar: sobre Laura ou sobre a jovem que morreu há anos? Podemos até levantar a hipótese de que Laura é a própria jovem que veio levar o belo rapaz. Mas isso não condiz com a personagem contada pela colega de Laura: na “lenda”, a morta vem para buscar crianças, não qualquer um. A dúvida sobre quem é o real protagonista, paira no ar mesmo após o termino do filme. Assim sendo, o filme cria uma confusão que acaba tomando conta do espectador, restando um bom trabalho de decupagem, direção fotográfica e de interpretações para o filme valer a pena.

Filme: "O Bom Comportamento", de Eva Randolph
O filme “Quinze”, surpreendentemente, relata, mesmo, o aniversário de quinze anos de uma jovem. Mas isso é apenas um pano de fundo para apresentar a relação de uma mãe e uma filha que não sabem até que ponto se conhecem. Não que o filme seja um tramalhão sobre as dificuldades de se ser mãe ou de se ser filha. Muito pelo contrário, é um retrato real e imprevisível dessa relação. O grande trunfo dessa produção, além da veracidade da história (o que inclui pequenas discussões, revelações interessantes, contas a serem pagas, muita risada e um pouco de choro emocionado) são as interpretações de Karine Teles e Malu Ramos (mãe e filha, respectivamente). Mais inacreditável ainda, é ver que as duas sustentam planos extremamente longos com diálogos cotidianos e cheios de surpresas. Além disso tudo, existe uma relação homossexual muito tranquila e apaixonada entre Raquel (a mãe) e outra mulher, o que confere ao curta um tom mais moderno e de militância contra o preconceito e pela aceitação da diversidade.

Filme: "Quinze, de Maurílio Martins

De uma forma ou outra, todos os filmes dessa sessão fazem referências aos encontros e desencontros da vida humana. “O Completo Estranho” aborda o desencontro da protagonista e do namorado, o que culmina no encontro com o anfitrião da festa. Em “Tenho um Dragão que mora Comigo” a protagonista espera ansiosa o encontro entre ela e o amado que está chegando, após tanto tempo de saudade guardada. Em “Sem Coração”, há o encontro do protagonista com a família do tio, com os garotos de mesma idade, com a menina Sem Coração e, por que não, com os desejos carnais que afloram a cada dia. “O Bom Comportamento” é o encontro entre a jovem excluída e o moço bonito, mas também é o encontro com a sexualidade (sempre presente durante a adolescência) e entre os mundos do real (representado pelo acampamento) e do “imaginário”, representado pela cachoeira onde, supostamente, está a moça que morreu. Em “Quinze”, por fim, talvez esteja a maior dificuldade de descobrir onde estão os encontros e desencontros, mas basta ter um pouco de imaginação para ver o encontro de uma mãe e sua filha, o encontro entre duas mulheres e o encontro de todas as diversidades, das aceitações e das tolerâncias. Cinco filmes retratando um dos maiores fatos da vida humana na terra: a vida é feita de encontros e desencontros. 
Especial Premiação: Antes que os vencedores da premiação sejam anunciados, aqui estão os meus preferidos. Levando em consideração os 17 filmes da Competitiva Nacional apresentados na cidade de Cachoeira, mais os longas "Branco Sai, Preto Fica" e "Homem Comum" e os curtas "La Llamada" e "E", assistidos recentemente no CachoeiraDoc, também em Cachoeira) e os sete filmes (seis curtas e um longa) da Competitiva Baiana (mais o curta "No Seu Giro, Corpo Leve", assistido anteriormente). Devido ao numero de prêmios distribuídos, decidi colocar dois vencedores por categoria.
Melhor Filme Longa-metragem Nacional: "A História da Eternidade", de Camilo Cavalcanti, e "Castanha", de Davi Pretto.
Melhor Filme Curta-metragem Nacional: "Carranca", de Marcelo Matos e Wallace Oliveira, e "Parque Soviético", de Karen Black.
Melhor Filme Baiano: "Menino da Gamboa", de Pedro Perazzo e Rodrigo Luna, e "O Velho Rei", de Ceci Alves.
EM BREVE, os vencedores oficiais pelos júris selecionados pelo X Panorama Internacional Coisa de Cinema!

Após a apresentação dos curtas, houve uma conversa com participantes das produções mediada pela professora Cyntia Nogueira (de costas), responsável pelo Cineclube Mário Gusmão (da esquerda para a direita): Nara Normande, de "Sem Coração", Maurílio Martins, de "Quinze", Samuel Brasileiro, de "O Completo Estranho", Wislan Esmeraldo, de "Tenho um Dragão que mora Comigo", e Eva Randolph, de "O Bom Comportamento".
ACESSE NOSSA PÁGINA NO YOUTUBE:

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Poderá gostar também de: