Denunciando a realidade nordestina,
Glauber Rocha questiona: quem é o herói e quem é o vilão? Quem é Deus? Quem é o
Diabo?
Nota: 9,8
Título Original: Deus e o Diabo na Terra
do Sol
Direção: Glauber Rocha
Elenco: Geraldo Del Rey, Yoná Magalhães,
Othan Bastos, Maurício do Valle, Lidio Silva, Sonia Dos Humildes, João Gama,
Antonio Pinto, Milton Rosa, Roque Araújo
Produção:
Roteiro: Glauber Rocha, Walter Lima Jr.
E Paulo Gil Soares
Ano: 1964
Duração: 119 min.
Gênero: Drama
CONFIRA O TRAILER DO FILME:
Manuel e Rosa são um casal que vive no
sertão nordestino trabalhando sol a sol para garantir seu sustento. Certo dia,
Manuel conhece um homem, Sebastião, que já está sendo considerado santo pelo
povo da região. Esperançoso, Manuel encontra a esposa a esposa que,
indiferente, fingi não ouvir uma palavra do marido. Como de costume, o vaqueiro
segue seu rumo e leva pouco mais de uma dezena de vacas até um coronel.
Chegando lá, Manuel informa que perdeu alguns bichos no meio do caminho. O
coronel lhe nega qualquer pagamento, alegando que os animais que morreram eram
os de Manuel. Revoltado, o vaqueiro acaba matando o latifundiário. Desesperado
e arrependido deste pecado, Manuel corre até Sebastião, pedindo por clemência.
Não se engane se imagina que, depois de
todos os acontecimentos, Manuel será perdoado de forma bela e que poderá seguir
sua vida sem preocupações. Muito pelo contrário. Sebastião faz promessas e mais
promessas ao povo nordestino. Como Antonio Conselheiro, quer que o povo
compreenda que todos devem lutar contra o sistema que privilegia os
latifundiários. De forma utópica, garante à população que, se tiveram fé em
Deus, quando morrerem, os pobres ficarão ricos. Já os ricos, ficarão pobres nas
“profundezas do inferno”. Enquanto o “santo” prega suas visões, a igreja e os
latifundiários contratam Antonio das Mortes para dar fim em Sebastião. Em uma
das cenas mais impressionantes do cinema, entretanto, o beato comete um
assassinato sem perdão. Após Manuel subir um morro com uma pedra na cabeça, o
“Santo” ordena que ele traga a mulher (descrente de tudo) para o topo junto com
uma criança. O que vem a seguir é aterrador: Sebastião apunhala a criança
frivolamente. Ameaçada, Rosa consegue pegar o punhal e mata o tal “santo”.
Antonio das Mortes, chega ao local, comete uma chacina, verifica que Sebastião
já está morto e deixa Manuel e Rosa vivos para contar a história. Acompanhados
pelo cego Julio, Rosa e Manuel acabam encontrando Corisco, herdeiro de Lampião,
que jurou vingança quando soube dos assassinatos do amigo e de Maria Bonita.
Daí pra frente, Manuel se tornará um cangaceiro e Rosa os acompanhará para
todos os lugares. Antonio das Mortes, estimulado pelo governo, está atrás de
Corisco.
“Deus e o Diabo na Terra do Sol” é
considerado, por muitos críticos e especialistas o melhor filme da história do
cinema brasileiro. Os que discordam dessa afirmação não se opõe ao fato de ser
um dos filmes mais importantes do cinema nacional. Glauber Rocha, o gênio por
trás da obra, e o precursor do cinema novo no Brasil, apresenta a verdadeira
identidade do povo nordestino. Revela a inocência dos pobres e a ganância dos
ricos. Mostra que o povo, em sua maioria, estava sujeito às influências de
qualquer homem que pudesse prometer um futuro melhor, mesmo que depois da
morte. Por outro lado, também mostra a igreja e os latifundiários que desejavam
permanecer no poder e, para tanto, não mediam esforços para isso. Depois,
Glauber confunde nossos pensamentos quando vemos Sebastião sacrificando um
bebê. Por que Deus precisaria de uma alma tão pura e inocente? Quem, realmente,
era Sebastião? Representante de Deus ou do Diabo? Mais à frente, Manuel
encontrará Corisco, o representante dos anti-heróis do nordeste, os
cangaceiros. A princípio, Corisco de posta como um defensor dos pobres e
oprimidos, um homem justo e fiel a sua causa: impedir que os pobres morram de
fome. No momento seguinte, estupra uma noiva e ordena que Manuel “castre” o
noivo, que assistiu a tudo sem poder fazer nada. Quem é Corisco? Representante
de Deus ou do Diabo? E aquela Igreja Católica e os latifundiários? São eles
Deuses que defendem o povo das interpretações tortas de Sebastião, ou serão
Diabos que querem permanecer no poder?
O roteiro do filme, por trazer tantos
questionamentos e tantas dúvidas aos espectadores, pode ser o maior trunfo de Glauber
Rocha, mas não é só dele que o filme é feito. Claro que, em alguns momentos,
essas dúvidas levam a confusão ao extremo e o filme parece se perder em sua
própria filosofia. Mas isso é recuperado com rapidez e tudo volta a ser
compreensível. Glauber reconhece essas possibilidades. Assim, não se prende
apenas ao roteiro para tornar “Deus e o Diabo na Terra do Sol” um filme tão
importante para o cinema nacional. Este longa foi uma das grandes produções nacionais
desde que o cinema brasileiro surgiu. As denúncias feitas por Glauber já haviam
sido feitas em grandes clássicos da literatura nacional, mas era a primeira vez
que aquilo tudo se tornava mais palpável para populações do sul e do sudeste do
país, por exemplo, que viviam longe de toda a realidade sertaneja. A trilha
sonora, composta por Sérgio Ricardo e com letras de Glauber Rocha, mistura a
canção de cordel com elementos da música de Villa-Lobos, identificando-se os
elementos culturais da região em cada música. Vale apontar que a trilha, aqui,
é essencial. O filme não chega a ser um musical, mas é a música de cordel
cantada em off em momentos específicos que contam a história dos personagens. A
fotografia de Roque Araújo surpreende em todos os sentidos: por ser um filme
pioneiro no cinema novo e por ser um trabalho feito em filme ainda preto e
branco. A maestria de Roque é vista, especialmente, pela forma incrível como os
espaços sertanejos são mostrados. Inúmeras vezes, vemos cenas panorâmicas de
tirar o fôlego, que mostram a realidade física do sertão nordestino. A
qualidade do sonora de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, justamente por ser um
filme antigo e por misturar algumas músicas aos diálogos, também surpreende e é
excelente. A edição de Rafael Justo Valverde mistura momentos acelerados com
momentos mais monótonos, o que confere mais verossimilhança em relação ao
contexto representado. Por fim, aliando-se a toda a qualidade técnica, estão os
intérpretes de personagens tão bem criados por Glauber e desenvolvidos pelo
elenco.
Geraldo Del Rey traz um Manuel que exala
esperança, que crê em Deus e nos milagres que ele pode realizar. Quando Manuel
conhece Sebastião, entretanto, seu desespero confunde sua fé e ele acaba
acreditando que o “padrinho” é um mensageiro do Senhor que veio para lhe trazer
uma vida melhor. Mesmo depois que Rosa mata Sebastião, Manuel continua fiel ao
“santo”, chegando a entrar para o cangaço para “vingar a morte do padim”. Del
Rey é o maior responsável por nos confundir entre o que representa Deus e o que
representa o Diabo. Na cena em que Corisco ordena que ele castre o tal noivo,
Manuel segura, em uma mão, uma cruz, e, na outra, a faca para fazer o serviço.
Aliás, quando entra para o cangaço, Manuel passa a se chamar Satanás. Ao lado
de Geraldo, está Yoná Magalhães, como Rosa. Apesar de a personagem não ter
muitas falas (característica que marca o todo o filme), Magalhães se sustenta
com o olhar e com os gestos. Rosa é uma mulher que parece cética para uns, mas
pode ser vista como uma mulher realista. A cena em que a personagem mata
Sebastião, é vista, pelo espectador, como um momento de libertação. Não há como
não ver na Rosa de Magalhães uma espécie de salvadora que liberta o povo das
loucuras de um homem que se autoproclamava santo. Maurício do Valle, intérprete
de Antônio das Mortes, possui muito mais falas que Yoná, mas sustenta o
personagem pela expressão e pela dúvida. Antônio não sabe qual o melhor
caminho, qual é o caminho mais certo, não sabe o que Deus acha melhor, não sabe
quem é o verdadeiro representante de Deus. Othon Bastos entra depois da metade
do filme, mas ele é um dos personagens mais fortes do elenco e do cinema novo.
Corisco é um homem astuto, decidido e corajoso, que defende os oprimidos. Em
pelo menos três momentos, Othon toma a cena com monólogos poéticos que parecem
ter vindo de grandes peças shakespearianas, mas são verdadeiros momentos
escritos por um homem que conhece de berço a realidade do povo nordestino,
Glauber Rocha.
“Deus e o Diabo na Terra do Sol”, que
completa 50 anos em 2014, é um dos filmes mais expressivos do cinema brasileiro.
Sem dúvida, marcou uma época e um estilo de filmes muito particulares. Não há
como questionar a beleza na intenção de Glauber Rocha em denunciar os problemas
brasileiros. Problemas, que assolaram o país durante séculos e mais séculos,
mas que persistiram no nordeste ainda muito depois de o sistema ser modificado.
Os diálogos intensos, os monólogos impetuosos, as canções de cordel, o modo de
falar regional, as cenas estarrecedoras, o ritmo alternado, o cenário árido, as
interpretações marcantes e a realidade assombrosa fazem de “Deus e o Diabo na
Terra do Sol” um filme completo. Mas, de tudo isso, o que mais adentra na alma
do espectador são as dúvidas, as questões, as incertezas, enfim, as
interrogações levantadas pelo longa. Quem é Deus? Quem é o Diabo? O título em
inglês do filme foi estabelecido como “Black God, White Devil” (Deus Negro,
Diabo Branco), mas será que é tão simples assim? Será que basta influenciar a
mente do espectador a crer que nem tudo é o que parece? Ou o buraco é mais
embaixo? Aqui, temos apenas uma certeza: todos estão na Terra do Sol, do Sol
escaldante, do Sol impiedoso, do Sol incessante. Mas quem é Deus? Quem é o
Diabo? Isso não podemos afirmar.
http://www.youtube.com/user/projeto399filmes
E CURTA NOSSA PÁGINA NO FACEBOOK:
Nenhum comentário:
Postar um comentário