Um documentário intimista que revela o
mais íntimo de duas mulheres impressionantes que se permitiram viver (e morrer)
na decadência.
Nota: 9,7
Título Original: Grey Gardens
Direção: Albert Maysles, David Maysles,
Ellen Hovde e Muffie Meyer
Elenco: Edith Bouvier Beale, Edith
‘Little Edie’ Bouvier Beale, Brooks Hyers, Norman Vincnt Peale, Jack Helmuth,
Albert Maysles, David Maysles, Jerry Torre e Lois Wright
Produção: Susan Froemke, Albert Maysles,
David Maysles
Ano: 1975
Duração: 100 min.
Gênero: Documentário / Drama
CONFIRA O TRAILER DO FILME:
Jacqueline Lee Bouvier Kenney Onassis
foi a mais famosa primeira-dama dos Estados Unidos. Jackie, como era conhecida,
nasceu em 1929 na cidade de Suffolk, no estado de Nova York. Antes de se tornar
esposa de John F. Kennedy, Jackie costumava ter uma vida menos glamorosa, o que
incluía passar as férias na casa de campo Grey Gardens, em companhia de sua
tia, Edith Bouvier Beale, e sua prima, também Edith Bouvier Beale, a “Little
Edie”, duas socialites novaiorquinas. Com o passar dos anos, todavia, Jackie se
tornou primeira-dama, enquanto ‘Big Edie’ e ‘Little Edie’ descuidaram de si
próprias e do lar que, outrora, tanto amaram. Reclusas em Grey Gardens, mãe e
filha deixaram com que o local fosse tomado por animais silvestres, ignoraram
os jardins que precisavam ser cuidados, esqueceram-se das regras de etiqueta
tão importantes entre os ricos americanos e optaram por viver na sujeira e no
desconforto.
Após um casamento conturbado, mas cheio
de festas e comemorações abertas a todos os grandes nomes da alta sociedade
americana, ‘Big Edie’ e Phelan Beale anunciaram o divórcio em 1931. Enquanto
isso, ‘Little Edie’ vivia uma vida agitada entre ser modelo e atriz, tentando
conquistar seu espaço e se tornar uma mulher reconhecida. ‘Little Edie’, assim
recusava casamentos que poderiam torná-la uma mulher milionária, ou uma nobre,
afinal, escolhera seu sucesso profissional. Com o divórcio, apesar de ter
outros dois filhos, o jornalista Phelan Beale e o advogado Bouvier Beale, ‘Big
Edie’ passou a receber uma pensão a baixo do padrão de vida que levava e passou
a exigir que sua filha a acompanhasse, vivendo com ela na mansão que recebera
do marido: Grey Gardens.
Foi ali que a vida das duas começou a se
tornar uma só. No início, ambas ainda saiam de casa e se divertiam em várias
festas da alta sociedade. ‘Big Edie, ainda uma mulher muito bonita, tinha dois
companheiros com quem era vista regularmente: George ‘Gould’ Strong e Tom ‘Tex’
Logan. Enquanto a mãe ainda se relacionava com esses homens, a vida de ‘Little
Edie’ era mais tranquila, afinal, ‘Big Edie’ se divertia com ambos – Strong era
um grande companheiro na música para sua amante: enquanto ele tocava piano, ela
cantava canções maravilhosas. Mas tudo ficou mais complicado quando mãe e filha
se viram sozinhas na mansão. Após um roubo enquanto estavam em uma festa, elas
passaram a preferir a permanecer em casa. No entanto, essa permanência foi se
tornando cada vez mais forte e mãe e filha deixaram de receber visitas ou
realizar qualquer passeio. Dessa forma, Grey Gardens passou a se deteriorar ano
após ano, deixando a sociedade americana escandalizada quando souberam da
situação de mãe e filha e da mansão.
'Little Edie' na época do documentário, em meio a sujeira e desorganização que imperava em Grey Gardens, e a mesma jovem, na época em que sonhava em ser um atriz e modelo famosa. |
Mas o que interessa são as fofocas geradas
pela reclusão das “Edies”? São as opiniões públicas de quem estava pronto para
julgar qualquer ser humano? Os processos e ameaças que mãe e filha receberam
por estarem desvalorizando a região rica onde Grey Gardens se encontra? São
todos esses pontos sociais e preconceituosos, essas mesquinharias de pessoas
fúteis que se preocupavam apenas com as aparências, quando descobriu-se a realidade
de ‘Big Edie’ e ‘Little Edie’? A resposta foi sim para jornalistas,
aristocratas e a maioria do restante dos americanos. A resposta foi não para Albert
e David Maysles, diretores e criadores do documentário “Grey Gardens”. Enquanto
o mundo, ou melhor, boa parte dele, desejava saber as condições em que elas
viviam para poder apontar as atitudes dessas mulheres, Albert e David queriam
uma resposta mais complexa, mais questionável, mais persistente, enfim, uma
resposta muito mais importante. Queriam saber por que aquelas mulheres que
tiveram vidas tão interessantes, que tiveram oportunidades tão bonitas se
tornaram tão fracassadas. Em que ponto permitiram se submeter a uma vida
inferior, derrotada, sem sentindo ou perspectiva? Como duas mulheres podem
suportar viver de forma tão decadente?
Para tentar compreender um pouco aquelas
mulheres tão curiosas, precisamos tentar traçar um perfil de cada uma delas.
‘Big Edie’, por exemplo, era uma mulher bonita, de bem com a vida, que gostava
de cantar, dançar e se divertir. Uma mulher que não deixou o divórcio com um
homem rico fazer com que ela deixasse de viver. Na década de 70, prestes a
completar 79 anos de vida, aquela mulher que, outrora entoava belas músicas,
apenas escuta canções para recordar um passado que há muito foi deixado. Em um
momento realmente tocante, ‘Big Edie’ escuta e canta alguns pedaços de “We
Belong Together” e lembra seus momentos de certa glória, quando a casa ainda
vivia cheia e ela e Strong formavam uma dupla deliciosa. Se “Grey Gardens” não
fosse um documentário e sim um filme como lançado em 2009, teríamos um flash
back com tal lembrança (como na cena do filme protagonizado por Drew Barrymore
e Jessica Lange) onde poderíamos conferir toda a emoção vivida pela personagem.
Aqui, entretanto, toda a carga de emoção vem pelos olhos e pela voz de ‘Big
Edie’, que demonstra toda sua saudade e, por que não, arrependimentos. Ainda
sobre a mãe, temos uma mulher rancorosa, que continua cobrando muitas coisas da
filha, culpando-a pela desordem e pela sujeira da casa. ‘Big Edie’, assim
mesmo, pode ser vista como a pessoa mais racional, a única, dentre as duas, que
está conformada com a situação na qual vivem.
‘Little Edie”, com 54 anos quando o documentário
foi realizado, viveu momentos com certo teor de glamour e beleza enquanto se
firmava como modelo e atriz. Todavia, aqueles tempos também ficaram para trás,
e ela se tornou uma mulher deprimente que apenas relembra o fato de ter sido
tão bela e desejada a ponto de ter sido pedida em casamento inúmeras vezes. E
se ‘Big Edie’ é a naturalidade em pessoa, não podemos dizer o mesmo de sua
filha. ‘Little Edie’ parece interpretar personagens durante boa parte do
documentário, parece querer impressionar, e até seduzir, Albert e David,
fazendo-se de vítima e se insinuando para os diretores. Ela também culpa a mãe
por suas frustrações: segundo ‘Little Edie’, se a mãe não tivesse exigido a
presença da filha em Grey Gardens após o divórcio, ela teria se tornado uma
atriz e modelo de renome internacional. Além disso, acredita que ainda é uma
mulher jovem, com um corpo exuberante e feições sem rugas alguma. Tentando
provar que o tempo foi generoso com ela, dança e tenta cantar como se isso
fosse prova de alguma coisa e sempre pensa que homens mais jovens a desejam.
Para finalizar, ela relembra, o filme todo, sua vontade de deixar tudo para trás
e voltar a viver na cidade grande.
O trabalho de Albert e David é
impressionante. No início da trama, até podemos pensar que o objetivo da dupla
é mostrar como duas socialites se
tornaram tão decadentes. Com o tempo, percebemos que o que desejam mostrar vai
bem além disso: é o relato de como dois seres
humanos se tornaram tão decadentes. Enquanto mãe e filha contam histórias
do passado, vamos descobrindo seu presente, passamos a compreender por que ela
chegaram a tal ponto. E essas descobertas seriam impossíveis sem os
enquadramentos intimistas que os irmãos realizam, pois são eles que revelam
toda a expressividade de ambas as “personagens”. São esses enquadramentos, essa
forma quase amadora de se filmar que aproxima essas mulheres de quem assiste ao
longa. Não que a filmagem da dupla seja mal feita ou coisa do tipo, muito pelo
contrário, a forma como acompanham as duas onde quer que elas estejam dentro ou
fora da casa e a forma despudorada com a qual mostram tudo para o público é uma
das maneiras mais belas de se realizar um documentário. A forma “amadora” com a
qual o documentário foi filmado o torna ainda mais profissional, pois ela
reflete a vida das “personagens”: não há luxos ou confortos. A beleza foi
deixada para trás e a preocupação estética em relação ao filme deu espaço à
preocupação com mostrar apenas a realidade, de forma nua e crua. E por isso
esse documentário foi o escolhido para representar esse gênero na reta final do
projeto do blog, por ser tão real, por ser deprimente e assolador ao mesmo
tempo em que se mostra tão instigante e tão fascinante.
Em certo momento, ‘Little Edie’ chega a
afirmar que não pode ter contato com o mundo do lado de fora de Grey Gardens,
pois, do contrário, como saberá o que acontece dentro da casa, como saberá se
as coisas não estão sumindo? Chega a citar sua preocupação, em mais de uma
ocasião, com as “antiguidades” que ainda restaram. Assim, podemos ver como
ainda é uma mulher fútil que, vivendo em condições tão deprimentes ainda está
preocupada com antiguidades, com coisas que ainda remetem ao passado rico da
família. No final das contas, somos direcionados a compreender uma coisa: ‘Big
Edie’ e ‘Little Edie’ são um reflexo de Grey Gardens, assim como a mansão e
seus imensos e famosos jardins se deterioraram com o tempo, o mesmo ocorreu com
essas mulheres. O exterior de onde os “personagens” vivem, mais uma vez, revela
o interior desses humanos. E o documentário sobre a vida real explica por que
as representações de Tara, em “...E O Vento Levou” (1939) e de Xanadú, em
“Cidadão Kane” (1942), em relação aos respectivos protagonistas dos filmes, são
tão reais. ‘Big Edie’ e sua filha, escolheram seus caminhos, trilharam aquele
que consideraram mais propício para elas e deixaram o mundo, respectivamente,
em 1977 e em 2002, com 81 e 84 anos, conquistando o que tanto desejavam:
tornaram-se famosas. Ainda que conhecidas no mundo todo, todavia, morreram na
mesma decadência a que se sujeitaram durante tantos anos. Grey Gardens, a casa
tão adorada pela ex primeira dama dos Estados Unidos, e seus famosos jardins,
entretanto, foram reformados pelos novos moradores, voltaram a ganhar visitantes
e permanecerão lá, como a memória daquelas mulheres tão enigmáticas: intactos,
vivos e eternos.
Confira o poema de Robert Frost que é
apresentando nos créditos do longa e que fala sobre as escolhas dos seres
humanos:
O Caminho não Trilhado, por Robert Frost
Dois caminhos separavam-se num bosque amarelado,
E aflito por não poder trilhar os dois
E ser um viajante, ali fiquei tempo prolongado
E observei num deles o que podia ser avistado:
A curva, um arbusto, e nada depois.
Então escolhi o outro, tão belo quanto promissor,
Por ter talvez uma aparência mais ditosa
Visto que seu tapete relvado era-me sedutor.
Mas aos viajantes, ambos mostravam o mesmo fulgor
Aqui e ali, a relva sempre vistosa.
E naquela manhã ambos igualmente se estendiam
Com suas folhas tenras, nunca antes pisadas
Reservei o outro para dias que ainda viriam
Mas cônscio de que outros caminhos se ramificariam,
Pensava sobre as folhas ali deixadas.
E direi um dia, como alguém que se arrependeu,
Quando a saudade marcar sua presença:
Dois caminhos separaram-se naquele bosque, e eu –
E eu escolhi aquele que de pronto me envolveu
E esta escolha fez toda diferença.
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