Tocante, realista, sensível. O filme
mais emocionante do ano.
Nota: 9,0
Título Original: Philomena
Direção: Stephen Frears
Elenco: Judi Dench, Steve Coogan, Sophie Kennedy Clark, Mare Winningham,
Barbara Jefford, Ruth McCabe, Peter Hermann, Sean Mahon, Anna Maxewell Martin,
Michelle Fairley, Amy McAllister, Charlie Murphy, Cathy Belton
Produção: Steve Coogan, Tracey Seaward, Gabrielle Tana
Roteiro: Steve Coogan, Jeff Pope e
Martin Sixsmith (livro)
Ano: 2013
Duração: 98 min.
Gênero: Drama / Biografia
Philome Lee tinha 18 anos, encantou-se
com um homem em uma feira e acabou se entregando a ele. Dessa paixão momentânea, nasceu Anthony. Entretanto, a Irlanda católica da década de 1940
jamais permitiria que uma jovem solteira tivesse seu filho e o criasse sozinha.
Sendo assim, Philomenta teve de se conformar em ver seu filho levado para longe
aos três anos de idade. O tempo passou e, quando Anthony completaria 50 anos,
Philomena contou a filha – que teve em um casamento posteriror – sobre o irmão.
Jane Libberton resolveu ajudar a mãe, contatando diversas pessoas e descobrindo
sobre o paradeiro e a morte do irmão. Com a ajuda do Martin Sixsmith, Philomena
encontrou pessoas que conheceram o filho e que estiveram ao seu lado. Hoje,
Philomena está com 80 anos, criou uma entidade que visa facilitar o encontro entre famílias separadas por
adoções forçadas, foi recebida pelo Papa Francisco e afirma que essa história
não é apenas sua, é de centenas de outras mães também.
A atriz Judi Dench e a verdadeira Philomena Lee |
No filme, Philomena se emociona ao
lembrar que seu filho estaria completando 50 anos ao seu lado se não tivesse
sido levado à força. Relembra o parto difícil e a crueldade das freiras que não
permitiam que visse Anthony com frequência e que sempre se negaram a dar
informações sobre a criança. Nesse contexto, Philomena conta à filha toda a
verdade. Em uma festa, Jane ouve sobre o desejo de Martin se tornar escritor e
conta a história da mãe. Ele, jornalista decadente e passando por vários
problemas no trabalho, após relutar um pouco, resolver ajudar Philomena. Juntos,
partem em busca de Anthony, indo até o convento onde Philomena deu à luz,
atravessando o Oceano Atlântico até os EUA e voltando para casa com a verdade
nas mãos e uma história a ser divulgada.
O verdadeiro Martin Sixsmith e o ator Steve Coogan |
Philomena, quando jovem, foi obrigada a
permanecer no convento onde teve Anthony. Lá, após o parto complicado, ela
trabalhou para “pagar” a dívida com as freiras por elas ter “acolhido” ela e
seu filho. Claro que, assim como as outras jovens que moravam no convento,
Philomena passava por momentos aterradores. As freiras alegavam que tudo aquilo
era devido ao fato de elas terem se entregue aos prazeres mundanos da carne.
Depois que Anthony foi levado, Philomena sanou sua dívida e foi embora. Anos
mais tarde, voltou ao convento pedindo por informações. As freiras inventavam
desculpas e chegaram a alegar que um incêndio destruiu todos os documentos que
podiam levá-la a qualquer informação. Entretanto, na realidade, foi uma freira
que contou tudo à Philomena. Jane colocou a mãe em contato com a mulher, que
tinha acesso aos documentos de adoção, e a mesma revelou o que havia acontecido
a Anthony, que recebeu o nome de Michael Hess. Mesmo com as atrocidades cometidas pelas freiras, é necessário lembrar que não podemos julgá-las por
seus atos. O que elas fizeram foi culpa do sistema, foi culpa de uma Igreja
antiquada e mercenária (no filme, chegam a acusá-las de terem vendido as
crianças). E Philomena nos lembra da inocência das mulheres durante o longa. Nos
Estados Unidos, Philomena foi guiada por Martin – essa informação revelada no
filme é verdadeira, foi o jornalista que levou Philomena até lá, mas ela já
sabia o que havia acontecido ao filho. Na América, ela conversa com uma mulher
com quem o filho trabalhou; com Mary, filha da melhor amiga de Philomena na
época do convento, que foi adotada junto com Anthony; e com o companheiro de
Anthony, Pete Olsson, com quem Anthony viveu até morrer. Revelar informações
como essas, sobre a sexualidade de Anthony, sobre a morte do rapaz ou sobre ele
ter sido uma figura importante para o Partido Republicano, chegando a trabalhar
diretamente com Ronald Reagan e George Bush (pai).
Stephen Frears foi indicado duas vezes ao
Oscar como melhor diretor. Uma delas, foi por seu trabalho magnífico no filme
“A Rainha” (2006), um dos longas baseados em fatos reais mais inspiradores,
emblemáticos e bem produzidos dos últimos anos. Em termos de comparação, é bom
lembrar que, além da direção, são os mesmos os responsáveis pela produção de
design, pela trilha sonora e pelo figurino em ambas as produções. Sendo assim,
e sabendo que ambos são baseados em fatos sobre pessoas muito inglesas (no caso
de Philomena, ela se mudou cedo para a Inglaterra), é inevitável que um filme
não lembre um pouco o outro. Como Frears fez no filme sobre a monarca, em
“Philomena” temos cenas feitas para o filme e outras que foram coletadas em
arquivos de mídia e arquivos pessoais. Outras, ainda, foram gravadas como se
fossem recordações feitas em família ou coisas do tipo. Outra relação que podemos
traçar sobre os dois filmes, é a forma firme como as protagonistas são
mostradas pelo diretor. Mesmo assim, Frears ainda consegue humanizá-las em
todos os sentidos, escolhendo ângulos e momentos que mostram, com perfeição, os
sentimentos das personagens apenas por suas feições. Frears ainda sabe usar os
cenários que lhe são dispostos com sabedoria impressionante, aproveitando os ambientes
ingleses e irlandeses e os contrapondo com os americanos, explorando os
ambientes sossegados sacros e os contrapondo com bares e restaurantes agitados.
A adaptação de Coogan e Pope do livro de Sixsmith, “The Lost Child of Philomena
Lee”, é algo belíssimo. Não compreendo ao certo o por que da mudança de ser
Sixsmith a estar ao lado de Philomena sempre, mas admito que a construção da relação
dessas pessoas tão diferentes é o que há de mais incrível no longa. O roteiro,
ainda, desenvolve tudo com tanta humanidade e emoção que saber revelações como
as que citei no parágrafo acima jamais será um incômodo, pois, como vemos em
poucos filmes, o que interessa é a forma como a história se desenvolve, e não
como termina.
Judi Dench é uma das grandes damas da
Sétima Arte. Ela já foi indicada a 26 prêmios BAFTA, o Oscar inglês, pelo qual
foi homenageada em 2001 por sua contribuição como atriz. A Philomena
apresentada por Dench é humana, inteligente, educada, simpática, atenciosa e
amável. É impossível não se apaixonar por essa mulher que procura por seu
filho, e devemos isso mais à interpretação da atriz e ao contexto do filme.
Judi não é indiferente demais, nem exagerada demais, sua interpretação está no
meio termo, vem na medida certa, oscilando entre cenas emocionante e cenas
cômicas. É sua a responsabilidade, também, de retratar como essa velha mulher
está cansada de julgar ou ser julgada, mostrando que a fé em Deus é muito mais
importante que acreditar ou não no que a Igreja prega. Mesmo tento sofrido com
o catolicismo e suas regras loucas, a Philomena de Dench crê em Deus e sabe que
somente ele poderá levá-la até seu filho. Ao lado da atriz está Steve Coogan,
em uma interpretação simples, mas muito boa. Como Sixsmith, Coogan traz um
homem que já teve momentos de glória como jornalista, mas que agora está por
baixo. Entretanto, o mais interessante da atução é ver como o personagem se
cativa por Philomena e se torna seu amigo, vivendo o drama da irlandesa e
tornando a história e a busca dela seu objetivo de vida. Sophie Kennedy Clark
deve ser destacada vivendo Philomena jovem, trazendo uma interpretação forte e
tocante de uma mãe que perde o filho por um sistema terrível ao qual teve de se
expor. Além dela, outro destaque é Barbara Jefford, que vive a Irmã Hildegarge,
o destaque se deve à cena em que deixa claro por que foi cruel e manteve
Philomena e Anthony afastados todos aqueles anos, mesmo podendo uní-los
novamente. Ademais, o elenco é completo por Sean Mahon, o Anthony adulto, Peter
Hermann, que vive Pete Olsson, Anna Maxwell como a filha de Philomena e
Michelle Fairley, a nada sentimental Sally Mitchell, editora de Sixsmith.
As indicações ao Oscar são merecidas e
em categorias importantes. A primeira, e a maior surpresa entre todos, é como melhor filme. Acho que foi mais a
emoção e a influência de Hervey Weinstein que trouxeram essa indicação ao
filme, mas é bom ver que os membros da academia se curvaram a um filmes
simples, bonito, inteligente e emocionante como esse. Apesar de tudo, o filme
não tem chances de levar a estatueta, que mostra-se cada vez mais dividida
entre “Gravidade” e “12 Anos de Escravidão”. Judi Dench, merecidamente, está
indicada como melhor atriz. Indicada
pela segunda vez ao lado de Meryl Streep, ao que tudo indica, sairá perdendo
para Cate Blanchett, com quem contracenou no maravilhoso “Notas Sobre um
Escândalo” (2006). É lamentável, ver uma atriz como Dench ter tão poucas
indicações ao Oscar (são apenas sete em toda a carreira), mas é louvável
assistir a cada um de seus filmes e conferir sempre atuações ótimas. Dench não
sairá como vencedora, até por que, a interpretação de Blanchett é a melhor do
ano, mas isso não signifca, em nenhuma hipótese, que sua atuação não seja uma
das melhores de 2013. O trabalho de Coogan e Pope é indicado como melhor roteiro adaptado. Apesar de o
prêmio estar entre “12 Anos de Escravidão” e “Capitão Phillips”, é um fato que
“Philomena” tem um roteiro maravilhoso, que se sustenta do começo ao fim sem se
tornar chato, a melancolia e o humor (o melhor do humor inglês) se misturam e
estão sempre em quatidade precisa e suficiente. Como Billy Ray e “Capitão
Phillips”, Coogan e Pope não perdem a linha em nenhum momento e proporcionam o
segundo melhor roteiro adaptado do ano (perdendo apenas para a história de “Phillips”).
Por fim, a trilha sonora de Alexandre Desplat é indicada como melhor trilha sonora original. Apesar
de ser um trabalho belíssimo que completa o filme com perfeição, não será dessa
vez que o compositor será consagrado pela academia. Mas afirmo: se não fosse
pelo trabalho impecável de Steven Price em “Gravidade”, “Philomena” seria
melhor trilha sonora do ano.
Apesar de ser um grande filme, lamento
dizer que “Philomena” terá de se contentar apenas com as indicações ao Oscar.
Recebido pelo público e pela crítica de braços abertos, o filme cativa e
emociona, não sentir pena da protagonista é impossével, não julgar a Igreja
Católica no princípio é burrice. Todavia, deixar de entender as mensagens do
filme é algo mais estúpido ainda. Como já disse, muitos dos filmes da temporada
de premiações de 2013 não trazem mensagens, apenas estão aí para trazer o
melhor da sétima arte. “Philomena” é um filme que ganha pontos por uma direção
forte, um roteiro tocante, interpretações realistas, uma trilha sonora perfeita
para o longa e uma fotografia ótima, mas se torna um dos melhores filmes do ano
por outros motivos. “Philomena” trás o melhor do ser humano: gentileza, humor,
sensibilidade, humanidade e persistência. Além disso, expõe a realidade sem
medo, traz em questão as adoções forçadas que ocorreram até a década de 1960 na
Irlanda e alertam para esse absurdo. E se mais pessoas se motivaram pela força
e persistência de Philomena, então toda essa produção já terá valido a pena.
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