Um dos filmes mais belos e sentimentais
do ano.
Nota: 9,5
Título Original: Her
Direção e Roteiro: Spike Jonze
Elenco: Joaquin Phoenix, Amy Adams, Rooney Mara, Scarlett Johansson,
Chris Pratt, May Lindstrom, Kristen Wiig, Matt Letscher, Olivia Wilde, Pramod
Kumar, Evelyn Edwards, Steve Zissis, Dane White, Nicole Grother, Luka Jones
Produção: Megan Ellison, Spike Jonze, Vincent Landay
Ano: 2013
Duração: 126 min.
Gênero: Drama
Confira a canção "The Moon Song", indicada ao Oscar de Melhor Canção Original, de Karen O e Spike Jonze e interpretada por Karen O
Theodore Twombly é um escritor de cartas
que trabalha em uma empresa especializada em cartas escritas à mão. Theo é
criativo, inteligente, romântico, simpático e educado. Entretanto, isso tudo
não é o suficiente para que seu relacionamento com Catherine permaneça em pé
após alguns anos de casamento. Quando ele e Catherine decidem se divorciar,
Theodore fica perdido, sem saber para onde ir, sem saber o que deseja ou o que
fazer com sua nova vida. E é no auge de sua depressão que Theodore “conhece”
Samantha, uma operadora de sistema.
Theodore e Samantha, nesse contexto,
iniciam uma relacionamento puro e sincero. Aos poucos eles se conhecem e se
apaixonam um pelo outro. O que acontece entre eles é algo mútuo, real, apesar
de Samantha não ser real. Uma operadora de sistema, significa que ela está
“dentro” de uma máquina, que ela é um istema que organiza os arquivos de quem a
compra. Theo e Samantha conversam, discutem, riem e fazem sexo. Aliás, um dos pontos
altos do filme são as relações sexuais entre os dois. Em um primeiro momento,
Theodore apenas ouve as carícias de Samantha, os gemidos e sussurros enquanto
ele se masturba. E o mais impressionante é que isso satisfaz totalmente o
personagem. Ele não precisa ter uma mulher o tocando para sentir prazer, basta
saber que aquela foz sexy e gentil também se satisfaz apenas com sua voz. No
entanto, Samantha não acredita que possa ser tão maravilhoso para Theodore como
é para ela e contata uma jovem que está disposta a fazer sexo com Theo, como se
ela fosse Samantha. E é aí que temos uma das cenas mais belas do longa, onde
Theo expressa tudo o que ele é capaz de sentir por esse sistema operacional que
tomou conta de sua vida. Outra cena impressionante é quanto Theodore não
consegue mais ligar Samantha. Seu desespero é tão grande e sincero que nos
desperta os sentimentos mais profundos que possuímos. Ainda é necessário
apontar, como Samantha representa a maior parte dos relacionamentos dos seres
humanos. Quando iniciamos um relacionamento, todos nos doamos ao máximo, o sexo
é intenso, existe diálogo em qualquer circusntância e deixamos os defeitos do
outro passar em branco, todavia, todo esse castelo de conto de fadas começa a
desabar com o passar do tempo, por um motivo simples: nos distanciamos. De uma
forma ou outra, Samantha representa o que sempre acontece com os casais quando
um deles vê a paixão desaparecer: deixa-se de se estar ao lado do parceiro de
uma forma ou outra. Nesse caso, Theodore está experimentando o que plantou em
seu relacionamento anterior, quando ele se distanciou de Catherine por seus
motivos estúpidos.
Spike Jonze possui muitos trabalhos
ruins em seu currículo, a exemplo os roteiros para série estúpida chamada
“Jackass” (2000 – 2002). Entretanto, é suficiente dizer que ele é o diretor de
dois dos melhores filmes lançados entre 1995 e 2004: “Quero ser John Malkovich”
(1999), com John Cusack e Cameron Diaz e indicado a 3 Oscar, incluindo melhor
direção, e “Adaptação” (2002), com Nicholas Cage, Meryl e Chris Cooper e
vencedor do Oscar de melhor ator coadjuvante (Cooper) e indicado em outras três
categorias, incluindo melhor roteiro. Apesar da qualidade de ambos os longas,
vale lembrar que Jonze apenas os dirigiu, deixando o roteiro para outros. Aqui,
entretanto, é a vez de Spike Jonze mostrar toda sua criatividade e competência
fazendo a vez de diretor, roteirista e produtor do longa. A ideia proposta pela
trama pode parecer muito maluca e pode parecer impossível sustentar tal
história em duas horas de filme. Sem dúvida, o enredo em que um homem se
apaixona por um máquina é algo maluco, mas isso não significa que exista alguma
chance de o filme dar errado, por um motivo simples: é Spike Jonze quem está no
comando. Dessa forma, tudo funciona muito bem. O roteiro é espetacular e nos
faz refletir sobre tantas coisas na vida que é impossível escolher apenas
algumas para citá-las (além de que, fazê-lo, tiraria metade do prazer do
longa). Tudo deve ser muito espontâneo ao se assistir “Ela”. A trilha sonora de
William Butler e Owen Pallett se encaixa perfeitamente com os sentimentos
expressos pelos personagens. O figurino é um dos componentes mais interessantes
e a fotografia é surpreendente.
É um fato que Joaquin Phoenix é um dos
artistas mais controversos de Hollywood, mas também é uma verdade que quando o
ator resolve encarar um bom personagem com toda sua garra e força, sua
interpretação valerá a pena. “Ela” é um dos longas que nos fazem relembrar a
qualidade dos trabalhos do ator. É ele quem consegue trazer toda a
personalidade marcante de Theodore: um homem simples, educado, gentil, amoroso,
engraçado, mas que vive uma fase difícil da vida, tornando-se um homem
depressivo, chato, fraco e sem esperança alguma em seu futuro. E a beleza da
interpretação de Phoenix está em conseguir alternar o Theo triste por estar
sozinho com o Theo feliz por ter encontrado o amor em Samantha. O melhor
momento de Phoenix, além das relações sexuais e do desespero pela desativação
do sistema, é o momento em que Theodore se dá conta de como a vida com Samantha
é impossível. Além disso, é impossível não se identificar um pouco com o
personagem. A não indicação aos prêmios de melhor ator para Phoenix é
lamentável e ridícula. De um lado de Joaquin Phoenix está a ótima Amy Adams,
vivendo a amiga de Theodore, Amy, apesar de Adams aparecer pouco, a atriz
mostra como mereceu suas quatro indicações a melhor atriz coadjuvante ao Oscar
nos últimos anos, e uma a melhor atriz esse ano: ela também consegue alternar
sentimentos de felicidade, amor, ódio, saudade e desespero. Do outro lado de
Phoenix, está Scarlett Johansson, vivendo Samantha. Apesar de a atriz não
aparecer em nenhuma cena, é sua voz a responsável por conquistar Theodore e a
todos que assistem a esse filme. Não há nada na voz de Johonsson que lembre um
robô ou algo parecido, e isso já nos remete a proposta do sistema operacional
de parecer realista. Apenas pela voz, e isso é raro, Johansson proporciona uma
das melhores interpretações de sua carreira trazendo todos os sentimentos que
esse longa extremamente sensível traz.
Poucas coisas esse ano podem ser mais
surpreendentes que as indicações do filme ao Oscar. Ao todo são cinco
categorias em que o longa se encontra. E toda essa surpresa se deve a fatores
óbvios: o filme é uma viagem sem precedentes sobre um homem que se apaixonada
por uma máquina e é correspondido e tudo é abordado de forma simples, sincera,
real e muito inteligente. As cenas sexuais do protagonista e de sua amada não
são exatamente o que a ala conservado da Academia gostaria de preservar (aliás,
a forma natural com a qual a relação dos personagens é tratada está longe de
ser a idealização de romance dos membros da Academia). Tudo no filme é muito
surreal, nada ali parece ser baseado em alguma realidade, é como se Theodore
vivesse em um mundo paralelo ao nosso, e, por fim, o longa não possui grandes
cenas românticas ou deprimentes, pelo contrário, tirando a tecnologia avançada
demais, o longa mostra a vida como ela é. A produção é, merecidamente, indicada
na categoria de melhor filme, porém,
considerando a não indicação de Jonze como melhor diretor (eu até deixaria Steve
McQueen de lado para dar uma chance maior a “Ela”) o filme não possui nenhuma
chance de vencer o prêmio, que será disputado por “Gravidade” e “12 Anos de
Escravidão”, ambos indicado na categoria de direção. Spike Jonze é indicado na
categoria de melhor roteiro original,
e concorre, apenas, com Woody Allen, que pode levar o prêmio por “Blue Jasmine”
e com Eric Warren Singer e David O. Russel, por “Trapaça”, filme que vem
ganhando força nas últimas semanas. K. K. Barrett e Gene Serdena são indicados
na categoria de melhor direção de arte,
com um trabalho surpreendente que dá um tom ainda mais realista ao melancolismo
do longa, as chances são grandes se levarmos em conta que o filme já faturou o
prêmio do Sindicato dos Diretores de Arte. No campo musical, o longa vem forte
com indicações em melhor trilha sonora
e melhor canção original, para “The
Moon Song”, de Karen O e Spike Jonze. A trilha, apesar de ser uma das mais
expressivas do ano, deve perder para Steven Price e seu trabalho magnífico em
“Gravidade”, filme onde a trilha é essencial. A canção está entre “Let it Go”,
da animação “Frozen”, e “Ordinary Love”, de “Mandela: Long Walk to Freedom”.
Minha aposta fica apenas no roteiro.
Theodore nos transmite, sobretudo, a
importância de priorizarmos quem as
pessoas são e não o que elas são. De
valorizarmos o que existe no interior de cada alma, aceitando os defeitos e
enaltecendo as qualidades de quem amamos. Não importa sua sexualidade, seu
gênero, sua raça ou sua cor. Não importa se desejamos uma pessoa de mesma
sexualidade, gênero, raça ou cor ou não. Devemos, sem dúvida, deixar o costume
mesquinho e imbecil intrincado em nossa sociedade de desejarmos corpos bonitos,
indivíduos bem sucedidos, pessoas que a sociedade espera que desejemos, dando
espaço para que cada um possa mostrar o mais importante: seus sentimentos e sua
capacidade de amar e ser amado. Entretanto, Samantha percebe que Theodore é
pouco para ela, somente aquele homem não irá satisfazer todas as suas
necessidades. E Theo, como o sistema, também sabe, mesmo sem aceitar, que
Samantha não é suficiente para ele. O filme, assim, também expõe uma dura
realidade: não há programa, não há criação humana, nada no mundo que substitua
o calor humano, o abraço que um parceiro pode proporcionar. Nenhuma voz sensual
pode ser tão sincera quanto as expressões de um ser humano quando este sente
prazer sexual com seu parceiro. É claro que, por vezes, é muito melhor ter um
parceiro virtual que nos compreenda e que possa ser ligado e desligado quando
bem se entende. Todavia, o amor não pode ser ligado ou desligado. O amor não
pode ser previsto, planejado, esperado ou controlado. O amor não pode ser,
especialmente, mensurado. Até hoje, nenhum sistema foi criado com tanta precisão
para que os humanos sejam indispensáveis uns para os outros para todo o sempre,
pois ninguém foi capaz de reproduzir em um sistema a veracidade que somente a
alma humana pode interpretar. No final das contas, é isso que Theodore e
Samantha revelam.
Estou animado para ver a nova série de Steve Zissis, parece muito engraçado.
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