Vinterberg e Mikkelsen criam uma
atmosfera de incerteza, violência e temor, criando um dos melhores filmes do
ano.
Nota: 9,5
Título Original: Jagten
Direção: Thomas Vinterbe
Elenco.. Mads Mikkelsen, Thomas Bo LArsen, Annika Wedderkopp, Lasse
Fogelstrom, Susse Wold, Anne Louise Hassing, Lars Ranthe, Alexandra Rapaport,
Sebastian Bull Sarning, Steen ORdell Guldbrand Jensen, Daniel Engstrup, Troels
Thorsen, Soren Ronholt
Produção: Sisse Graum, MArten Kaufmann,
Thomas Vinterberg
Roteiro: Tobias Lindholm e Thomas
Vinterberg
Ano: 2012
Duração: 115 min.
Gênero: Drama
Lucas vive em um pequeno vilarejo na
Dinamarca. Lá, todos se conhecem, sabem um pouco da vida de cada um e se
envolvem nos mesmos eventos e acontecimentos. As comemorações de final de ano,
os feriados religiosos, as festas típicas da região são acompanhadas por todos
os moradores e são os momentos em que todos passam juntos. Lucas é professor em
uma escola primaria e ainda enfrenta os problemas do divorcio recente. Mas é
quando a pequena Klara, filha do melhor amigo do professor, o acusa de a ter
violentado sexualmente é que o inferno da vida desse homem começa. E para
piorar todas as crianças da tal escola resolvem acusa-lo do mesmo crime.
Lucas é um homem comum, de muitas faces:
enfrenta as consequências de um divórcio conturbado com a mãe de seu filho,
sofre por ter perdido o emprego na escola de ensino médio que acaba de fechar,
possui dúvidas quando às atitudes que deve tomar com o filho adolescente, acaba
de iniciar um relacionamento sem nenhuma certeza. Para piorar toda a situação,
a filha de seu melhor amigo, uma criança que não sabe nada da vida, parece
estar tendo uma paixão infantil e pura por ele, e é por ele, obviamente, não
corresponder a essa paixão, que ela acaba acusando-o de ter mostrado o pênis a
ela. Ou será que essa acusação possui algum fundamento? Com o tempo, não é
apenas Klara que confirmará tal história, mais e mais colegas começarão a falar
sobre como era o porão para o qual eram levados por Lucas. E é essa dúvida e as
sacadas escondidas em cada canto desse pequeno vilarejo que está o que faz
desse filme um dos melhores do ano. O título do longa já é uma dica maravilhosa
do que esta por vir, e as caçadas tradicionais realizadas pelos personagens nos
dizem muito sobre cada detalhe do filme. Somos levados, pelas circunstancias, a
crer que Lucas é inocente. Mas e as feições do homem, que ora demonstram medo
de ser preso por algo que não cometeu, ora demonstram raiva por estar tão
acuado? Lucas, o homem conhecido por todos que cresceu ali mesmo, estaria
sofrendo uma falsa acusação ou teria se tornado um homem perverso capaz de tais atos? Deixando o espectador ainda mais confuso, toda a população do vilarejo se
volta contra o protagonista: sua cachorra é assassinada, pedras são jogadas em
sua casa, Lucas chega a ser preso após as denúncias. Entretanto, o padrinho de
Markus, filho de Lucas, ainda está ao lado do amigo e o apoia todos os
momentos, afirmando, sem dúvida alguma, que tudo não passa de um mal entendido.
Não conheço o trabalho de Thomas
Vinterberg para traçar parâmetros de comparação entre “A Caça” e algum de seus
outros filmes. O que posso dizer é que o trabalho do dinamarquês é incrível. As
tomadas são intensas e muito precisas. Vinterberg sabe como capturar os
movimentos dos personagens, escolhe ângulos que exprimam os sentimentos de
todos os personagens envolvidos na trama. Ao lado de Mikkelsen, apresenta-nos a
criação de um personagem impecável, totalmente humano. A combinação das feições
do ator com as filmagens do diretor nos revelam detalhes que poucos cineastas
conseguem expressar em um filme. O ambiente em que o longa foi filmado também
ajuda: a pequena cidade é um lugar pacato, silencioso, aparentemente seguro de
todos os males que assolam a humanidade. O frio do outono e inverno dinamarquês
contribui ainda mais para criar uma atmosfera de dúvida e conflito. O diretor
sabe como escolher a forma a utilizar a câmera em cada tomada, ora deixando-a
totalmente parada, ora acompanhando os intérpretes com a câmera de mão (que cai
como uma luva no filme). Como foi feito no longa “Dúvida” (2009), somos levados
a crer em apenas uma verdade durante todo o filme. No caso do longa de 2009, o
padre acusado de violência sexual parece ser culpado. No caso de Lucas, ele
parece ser inocente de tudo o que as crianças o acusam. Vemos suas boas
amizades e como a cidade o admira. Ele é, desde o início do filme, apresentado
como uma vítima: Lucas trabalha em uma escola de ensino infantil, um trabalho
nada digno para um professor que ensinada adolescentes. Ainda assim, ele está
feliz, se diverte com as crianças e tem jeito para tudo. Por fim, a relação com
seu filho é tão bonita que o garoto acredita na inocência do pai do começo ao
fim.
Mads Mikkelsen é, se dúvida alguma, um
dos melhores atores “estrangeiros” da atualidade, ou seja, um dos melhores
atores não nascidos na América. Popularizado em todo o mundo após o lançamento
do filme “007 Cassino Royale”, o ator se destaca em qualquer filme que aparece.
Aqui, ele vive o protagonista Lucas. É sua a façanha de nos surpreender a cada
cena e de nos dar a certeza e a dúvida, simultaneamente, de sua culpa ou de sua
inocência. Mikkelsen interpreta esse homem de muitas faces, e é a beleza com a
qual todas elas são mostradas que está a perfeição de sua interpretação. As
feições e a entonação da voz do ator expressam todos os sentimentos que Lucas
sente: fúria, medo, dor, indignação. Ainda é responsabilidade dele dar a dúvida
em alguns momentos quanto às veracidades dos fatos. Dividindo a tela com
Mikkelsen de forma inacreditável está a pequena Annika Wedderkopp, que vive
Klara. Sempre que assisto longas onde crianças sofrem com coisas desse tipo me
interesso pela forma como será o desenvolvimento dos pequenos. É óbvio que não
é uma coisa simples para uma criança tornar verdade tudo o que Klara conta
sobre Lucas, e Annika transpira pureza, simplicidade e verdade. Marcus é
interpretado por Lasse Fogelstrom, um jovem que dá conta do recado mais que o
esperado ao apresentar um garoto que sofre com a acusação de que o pai
violentou uma criança. A cena em que a cachorra deles é assassinada e quando
ele vai conversar sobre as acusações com o pai de Klara mostram o quanto um
jovem pode ficar perturbado na situação na qual Marcus se encontra. Theo é
vivido por Thomas Bo Larsen, outro grande presente do longa, pois é dele a
responsabilidade de viver o melhor amigo de Lucas, portanto, é ele quem
apresenta o homem desconfiado, que deseja, acima de tudo, que toda a história
contada por Klara seja mentira. O ator oscila entre cenas alegres, outras
tristes e outras de fúria. Theo é o único pai das crianças do colégio que sente
alguma compaixão por Lucas, é o único que acredita, ao menos um pouco, nas
palavras do amigo.
Por si só, o título, como disse, de “A
Caça” já diz muito sobre o longa. A população caça Lucas pelas acuações que
foram feitas, a ex-esposa de Lucas o caça por não querer que o filho deles
chegue perto dele enquanto tudo não se resolve, as crianças caçam Lucas
afirmando que foram levados a um porão e violentados sexualmente pelo
professor, os amigos de Lucas o caçam por acharem que foram enganados esses
anos todos e que Lucas não passa de um homem desonrado. No interior de Lucas,
algo com a mesma violência e fúria de uma caça o assola. Durante o longa, como
disse, não nos restam dúvidas: Lucas é inocente. Entretanto, a genialidade de
Mikkelsen propõe refletirmos sobre isso. Seus ataques de raiva são por que está
sendo julgado ou apanhado? E Lucas? É um bom homem? Foi a sociedade que o
corrompeu, ou ele sempre um ser agressivo? Ou tudo isso não passa de um mal
entendido e Lucas é a vítima da fértil imaginação de algumas crianças que, sem
muito para fazer ou dizer em suas vidinhas na pequena cidade resolveram achar
uma forma de chamar a atenção? Todos esses questionamentos, a violência, a
realidade, as grandes interpretações, o roteiro ágil e criativo, o ambiente em
que os personagens vivem e a preciosa direção de Vinterbe proporcionam, nada
mais, nada menos que um dos melhores filmes de 2014. Se não o melhor.
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