Tudo poderia ser bem mais belo se a
história contada fosse mais real.
Nota: 8,0
Título Original: Saving Mr. Banks
Direção: John Lee Hancock
Elenco: Emma Thompson, Tom Hanks, Annie
Rose Buckley, Colin Farrell, Ruth Wilson, Paul Giamatti, Bradley Whitford, B.
J. Novak, Jason Schwartzman, Lily Bigham, Kathy Baker, Malanie Paxson, Andy
McPhee, Rachel Griffiths, Ronan Vibert, Jerry Hauck, Laura Waddell, Fuschia
Summer, David Ross Paterson, Michelle Arthur
Produção: Ian Collie, Alison Owen,
Phillip Steuer
Roteiro: Kelly Marcel e Sue Smith
Ano: 2013
Duração: 125 min.
Gênero: Biografia / Drama / Comédia
Em 1964, Walt Disney lançou um de seus
maiores filmes no cinema , que teve uma estreia histórica, com toda a pompa que
somente a Disney podia oferecer na época: bonecos andando por todos os lados,
pessoas famosas vestidas em roupas caras e elegantes, limusines chegando de
todos os lados, todos para ver Julie Andrews na adaptação “Mary Poppins”. Era a
primeira aparição de Andrews no cinema, e o último filme produzido por Walt
Disney a ser indicado ao Oscar de melhor filme. Mas o homem que ganhou 22
Oscars e recebeu outras 29 indicações e que produziu mais de 650 títulos em
apenas 45 anos de carreira não conseguiu realizar esse filme tão facilmente.
Walt Disney tentou, durante 20 anos, convencer a autora Pamela L. Travers a
vender os direitos de sua obra. No final das contas, ela acabou cedendo.
Walt Disney e P. L. Travers, os originais e os atores, Tom Hanks e Emma Thopnson, respectivamente. |
No filme, P. L. Travers decide ir aos
Estados Unidos para checar algumas coisas antes de vender os direitos de seus
livros a Walt Disney. Quando chega à Califórnia, a inglesa (que, na verdade,
era australiana) é apresentada a Walt (como ele gostava de ser chamado) e é aí
que começa o primeiro problema. Walt chamar a Srta. Travers de Pam é o menor
dos males, Disney quer fazer do filme um musical, quer colocar o comediante
Dyck Van Dyke como protagonista, está decidido a usar animação para trazer
pinguins ao longa e não admite que o Sr. Banks não tenha bigodes (coincidentemente,
iguais aos do produtor). Entretanto, Walt não está acostumado a ser
contrariado, e uma guerra começará entre esses dois ícones para ver quem
acabará com Mary Poppins (por que nunca pode ser apenas Mary).
O filme possui uma singularidade que me
desagradou quase que o tempo todo. A história sobre a venda dos direitos e
sobre as mudanças que Travers queria fazer no roteiro se mistura à infância da
autora. Ou seja, em meio a toda a confusão que a durona Srta. Travers cria para
que sua obra seja adaptada, vemos seu passado difícil ao lado de um pai amável
(mais que quase todos que conheço), mas que era alcoólatra, e, por isso, sempre
acabava com todas as expectativas de vida nova da família. Durante a maior
parte do filme não compreendemos por que aquilo está sendo mostrado, até que,
finalmente, revelam que o livro escrito por Travers foi praticamente uma
auto-biografia. Não há como negar que essa revelação é tocante e que, a partir
dali, passamos a entender melhor a personagem quanto a entregar os direitos de
seu livro. E talvez seja isso que torne esse filme agradável: o roteiro possui
muitas falhas, mas possui momentos bonitos, revela os bastidores de um dos
maiores filmes da época, traz a criação das principais canções do longa e
mostra como uma mulher podia ser dura, afinal, Travers permaneceu 20 anos sem
abrir mão de sua história. Visualmente, o filme também é bonito. A Califórnia e
os estúdios Disney são lugares, realmente, inspiradores. John Lee Hancock, de
“Um Sonho Possível” (2009), não apresenta nada de novo, mas a sua representação
da década de 1960, em contraposição com o início do século XX, é bela e
simpática. O mais interessante do filme, talvez também seja o mais interessante
do longa “Mary Poppins”, são a protagonista e a trilha sonora. Esta, composta
por Thomas Newman e indicada ao Oscar de melhor
trilha sonora original, é inspiradora, minuciosa, agradável e emocionante,
casando perfeitamente com cada cena e cada diálogo. A utilização de algumas
canções do próprio “Mary Poppins” dá o tom nostálgico àqueles que já assistiram
ao filme.
Algo que me desagrada mais que os flash-backs,
é como parecem homenagear Walt Disney de forma pobre e muito, mas muito
caricata durante o filme. Tudo bem, o homem foi um gênio e eu, como todas as
crianças do planeta que tiveram acesso, fui criado assistindo a seus filmes.
Declaradamente, sou um grande fã do trabalho de Disney e de como ele reinventou
tudo o que conhecemos como cinema de animação hoje. Mas não posso deixar de
reconhecer: ele não era tão bom e simpático como o filme quer transparecer.
Aqui, ele odeia que o chamem de Disney, alegando que isso é formal demais e
desejando que todos se tratem pelo primeiro nome em sua produtora (não por que
ele é legal demais, mas por um passado conturbado e triste ao lado de um pai
carrasco), sorri o tempo todo e, a todo custo, parece desejar satisfazer as
vontades de Travers, mas está apenas a passando para trás. Travers bateu o pé
para os pinguins, para as músicas, para Dick van Dyke, para o bigodinho do Sr.
Banks, para que não existisse a cor vermelha e para muitos outros detalhes.
Entretanto, os pinguins se tornaram referência por ser o primeiro longa da
história a misturar humanos e animação, o filme virou um clássico musical, Van
Dike foi indicado ao Globo de Ouro, o Sr. Banks permaneceu com um bigode
idêntico ao de Walt Disney, e o vestido de Mary Poppins é de um tom laranja
avermelhado (que, sem dúvida, parecerá vermelho em muitas televisões). Para se
ter uma ideia, Walt Disney nem convidou Travers para a estreia americana do
filme, com medo que ela pudesse colocar tudo a perder. E, até isso, é mostrado
de forma cômica e emocionante. Enquanto, no longa, Travers chora de alívio e
satisfação ao conferir o resultado da adaptação, na vida real ela chorou de
desgosto mesmo, e, quando pediu a Disney que tirasse algumas cenas do filme,
ele não a enrolou, não quis dever satisfações, apenas lhe disse secamente:
“Pam, o navio navegou”. Além disso, em uma das cenas mais ridículas do ano,
Walt vai até Londres para conseguir a autorização de Travers, diz palavras comoventes,
revela coisas sobre seu passado, tentando encontrar alguma semelhança entre
eles, e promete que salvará o Sr. Banks, pois sabe que ele representa o pai de
Travers. Ainda no filme, ela se emociona com tudo aquilo e assina a bendita
autorização. Na realidade, Travers já havia assinado antes mesmo de ir para os
EUA (o que já prova que toda a desculpa para ela viajar no filme é mais uma
invenção), o encontro em Londres é a maior ficção vista no longa, e, de longe,
a mais caricata.
Emma Thompson é uma das atrizes inglesas
mais queridas em todo o mundo. Recentemente, e não posso fugir de lembrar isso,
Meryl Streep entregou um prêmio à amiga e lembrou como Thompson é uma pessoa
fantástica, uma santa, mas também observou o quão importante era uma atriz como
ela fazer um filme em que interpreta uma mulher decidida que lutou, durante 20
anos, contra o dinheiro e os galanteios de Walt Disney que era, nas palavras de
Streep, um preconceituoso machista. Mas Thompson não tem uma interpretação
maravilhosa, que merecia uma indicação ao Oscar, apenas por ser carrancuda,
briguenta e exigir algumas coisas para a adaptação de seu filme, ela é
esplêndida nas cenas dramáticas, mesmo que a maioria seja duvidosa, ela emociona,
possui momentos de raiva, dor, angústia, felicidade. Thompson não exagera
demais e não é apagada de menos. Até na cena mais emocionante do filme (que
também é fictícia), onde Travers canta e dança ao som de “Let’s go Fly a Kite”
é majestosa. Tom Hanks vive Disney, e, mesmo que o ator seja um homem
respeitado e um excelente ator, não consigo ver sua interpretação sem encontrar
um pouco de deboche, pois não acredito que ele seria tão imprudente a ponto de
aceitar glorificar um homem que sempre teve intenções duvidosas. Ou Hanks
simplesmente fez como Disney: pensou no dinheiro e na oportunidade de encarar
esse desafio. Outra dupla que preciso citar é Annie Rose Buckley, que
interpreta a jovem Travers de forma simples e bela e Colin Farrel, que vem com
uma interpretação igualmente bonita do pai de Travers. O ator mescla os
momentos felizes e alegres com as filhas com os momentos de bebedeira e de
loucuras por seus fracassos. O problema é que não sabemos quando ele interpreta
o personagem e quando está pondo para fora as mágoas da época de seu vício em
drogas. Por fim, destaco o trio responsável pelo roteiro e pelas canções de
“Mary Poppins”: Bradley Whitford, como o esperançoso Don DaGradi, que tenta
agradar a Travers e Disney com o roteiro, mesmo sabendo da impossibilidade de
se agradar a gregos e troianos; B. J. Novak, que vive Robert Sherman, um dos
compositores da trilha, um rapaz sério e realista que está cansado das
exigências absurdas de Travers, e Jason Schwartsman, o outro Sherman, Richard,
o boa pinta que está sempre animado e que tenta, a todo custo, animar e
convencer Travers de que o musical será lindo.
Walt Disney, de fato, criou um grande
filme. Um longa sobre amor, fraternidade, esperança e persistência, mas o fez
de forma muito diferente da proposta dos livros de Travers. Enquanto o livro
era algo sério e profundo, “Mary Poppins” é um musical alegre, extrovertido e
que, sem dúvidas, faria fortunas em bilheterias. Não critico Disney por ter
comprado os direitos do filme para fazer algo que lhe rendesse lucros, afinal,
levando-se em consideração tudo o que esse homem possuía, nada que ele fizesse
era apenas pela arte, sempre houve dinheiro envolvido. É claro também, que
“Mary Poppins” pode ser considerada uma referência em alguns sentidos
cinematográficos, até por que, dezenas de filmes produzidos pela Walt Disney o
são. Mas é um fato, também, que o filme deixa muitos conceitos levantados pelo
livro de lado. Porque Travers não queria vender os direitos de seus livros é um
mistério. Talvez ela não quisesse, como apontou John Lee Hancock, expor o que,
aparentemente, foi um passado conturbado e cheio de altos e baixos. Ou,
simplesmente, sabia como Walt Disney estragaria toda a mensagem profunda de sua
obra. “Walt nos Bastidores de Mary Poppins” possui um grande elenco e é um
filme interessante para aqueles que gostam do musical, chega a ser tocante e
emociona em alguns momentos, mas o filme se suicida ao tentar glorificar e
canonizar um homem que nunca foi santo, nem aqui, nem na Disneylândia.
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