Um belo retrato de toda a sociedade
preconceituosa e da luta dos portadores de AIDS na década de 1980.
Nota: 9,2
Título Original: Dallas Buyers Club
Direção: Jean-Marc Vallée
Elenco: Matthew McCounaughey, Jared
Leto, Jennifer Garner, Denis O’Hare, Steve Zahn, Michael O’Neill, Dallas
Roberts, Griffin Dunne, Kevin Rankin, Donna Duplantier, Deneen Tyler, J. D.
Evermote, Ian Casseberry, Noelle Wilcox, Bradford Cox, Rick Espaillat, Lawrence
Turner, Lucius Falick, James DuMont, Jan McNeill, Don Brady, Matthew Thmpson,
Tony Bentley, Sean Boyd, Rachel Wulff, Neeona Neal
Produção:
Roteiro: Craig Borten e Melisa Wallack
Ano: 2013
Duração: 117 min.
Gênero: Drama / Biografia
No final da década de 1970, nos Estados
Unidos, observou-se que, misteriosamente, usuários de drogas estavam
apresentando um quadro de abaixamento de imunidade sem motivo aparente. Logo
depois, um número considerável de homossexuais começou a apresentar os mesmos
sintomas, o que levou a muitos acreditarem que apenas os homossexuais podiam
ser infectados. Apesar de a AIDS, provavelmente ter tido seu início em meados
dos anos 30, com a transmissão da mesma de macacos para seres humanos no
continente Africano, foi apenas em 1981 que a doença foi reconhecida e passou a
ganhar maior notoriedade. Hoje, sabe-se que a doença pode ser transmitida por
transfusão de sangue, durante o parto ou a amamentação, uso compartilhado de
seringas, objetos cortantes e relação sexual sem o uso de preservativos. A AIDS
interfere, especialmente, no sistema imunológico dos infectados, tornando-os
mais propensos a infecções e cânceres. Apesar de os vários estudos já
realizados, a AIDS ainda não possui cura, apenas medicamentos para amenizarem
seus efeitos e tornarem a vida do infectado menos dolorosa.
Em 1985, o mundo se chocou com a morte
de umas das maiores estrelas de Hollywood. Rock Houston estava com AIDS. A
doença, ainda era relacionada apenas a homossexuais e o único remédio
“anti-HIV” era o AZT (zidovudina), que começou a ser estudado com essa
finalidade em 1984. Ron Woodroof, um cowboy texano, descobriu em 1985 que havia
contraído o vírus da AIDS e que possuía apenas 30 dias de vida. Quando Woodroof
descobriu que a única forma de conseguir AZT era participando de um programa
aleatório (onde alguns pacientes recebem o remédio, e outros recebem apenas
placebo), ele resolveu conseguir a droga através de seus próprios meios. Ao
descobrir que o AZT era administrado em uma dosagem muito grande, criou, ao lado do também contaminado Rayon, o Clube
de Compras Dallas e passou a transportar medicação mexicana não autorizada nos
Estados Unidos. Woodroof, após ser perseguido pela Administração de Alimentos e
Drogas dos Estados Unidos, conseguiu autorização para utilizar os medicamentos
ilegais e viveu até 1992.
No
filme, Ron Roodroof é apresentado como um homem sem escrúpulos, um cowboy que
ganha a vida trabalhando nos rodeios e passando a perna em seus amigos. Além
disso, Ron possui uma vida sexual agitada com todo o tipo de mulheres, em todo
o tipo de lugares e utilizando todo tipo de drogas. Ele ainda é um homem
machista, homofóbico que julga qualquer portador da AIDS como homossexual e que
gosta de mostrar o quanto é auto suficiente. Entretanto, quando Ron descobre
sua doença e passa a ser excluído de seu círculo de “amigos”, ele acaba se
tornando um homem bom e determinado por apenas um objetivo: ajudar a todos que
contraíram a AIDS e, se possível, obviamente, tirar algum lucro disso tudo. Com
a ajuda do transexual Rayon, Ron abre o Clube de Compras Dallas e começa a ganhar
dinheiro trazendo remédios que ajudam pessoas a viverem mais.
Com o avançar da história, ainda vemos a
bela relação de Ron com uma médica, Dra. Eve; conferimos o absurdo que
farmácias e instituições governamentais fizeram quando a AIDS foi descoberta e
se tornou uma doença visada por todos como forma de lucro; e observamos como a
sociedade agia perante aquele mistério que ainda era a doença e como todos
julgavam quem quer que fosse, pois, naquela época, contrair AIDS era sinônimo
de homossexualidade, e se você fosse um homossexual, você era um “aidético” em
potencial. Claro que Ron age com preconceito quando descobre o que está
acontecendo com sua vida e que rumos sua existência está tomando, mas é linda a
forma como ele se torna menos agressivo e nos proporciona até momentos de riso
após algum tempo da tal descoberta. Ron e Rayon se tornam grandes amigos e
parceiros, não apenas de negócios, mas parceiros de vida e morte. Que fique
claro: Ron não se torna homossexual, mas a relação dele com seu amigo transexual
se torna tão bela e cativante que é impossível encontrar um termo melhor que
“parceria”. Ainda, vale exaltar que Ron, assim como as farmácias, visa o lucro
em sua atitude de criar o Clube, mas, também com o desenrolar da trama,
percebemos que tudo isso é feito, principalmente com duas finalidades: ajudar
aos outros portadores e ajudar a si mesmo. Para Ron, torna-se questão de honra
disseminar que outras drogas podem ser muito melhores que o AZT e fica claro
que tudo isso também é feito para que ele possa ficar em paz consigo mesmo
depois de tudo o que aprontou, custe o dinheiro que custar.
Nos últimos anos, o anti-herói americano
tem sido cada vez mais visto no cinema. Jamais compararia Ron Roodroof, um
homem que faz coisas erradas pelo bem dos outros, com Jordan Belfort de “O Lobo
de Wall Street” ou com Irving Rosenfeld, de “Trapaça”, dois personagens vistos
nos filmes da temporada desse ano. Ron está mais para Zorro, que roubava dos
ricos para dar aos pobres. Roodroof, nesse contexto, burla as regras do Estado,
que está afundado até o pescoço na sujeira das farmácias que distribuem AZT sem
estudos decentes, para trazer drogas que possam ajudar pessoas na mesma triste
situação que ele. Isso tudo, por que o próprio Roodroof perdeu seu fornecedor
de AZT e teve de ir para o México, onde acabou descobrindo que drogas muito
melhores que essa podiam ajudar no tratamento da AIDS. O roteiro que apresenta
tudo isso é escrito por Craig Borten, em seu primeiro grande trabalho, e por
Melisa Wallack, roteirista de “Bill” (2007), longa mediano com Aaron Eckhart, e
“Espelho, Espelho Meu” (2012), a destruição do conto de fadas protagonizada por
Julia Roberts. Além da dupla, merece destaque o diretor e editor do longa,
Jean-Marc Vallée, responsável pelas realizações do mediano “A Jovem Rainha
Vitória” (2011) e dos surpreendentes “Café de Flore” (2011) e “C.R.A.Z.Y.”
(2005). Confesso não ter assistido a nenhum de seus filmes além da
cinebiografia da Rainha Vitória, o qual eu não simpatizo, mas também confesso
ter me surpreendido do começo ao fim com seu trabalho em “Clube de Compras
Dallas”. O longa, traz diversos ambientes dos Estados Unidos da década de 1980,
mostrando a divisão da América na época: bares gays e bares “heterossexuais”,
bairros onde reuniam-se homossexuais e bairros onde os mesmos eram mantidos
afastados, lojas e mercados onde os homossexuais eram aceitos por todos sem
problemas e estabelecimentos onde apenas heterossexuais eram bem-vindos e
homens e mulheres que passavam longe dos homossexuais e outros que viviam em
paz com eles. É claro que, infelizmente, as pessoas que aceitavam a
homossexualidade eram minoria, mas vemos que essa parcela da população já
existia. A trilha sonora é muito característica e gira em torno de músicas
típicas de cowboys americanos e de homossexuais da década de 1980.
Matthew McConaughey vive Ron. O ator
teve momentos péssimos e outros piores em sua carreira como ator, com personagens
chatos ou característicos demais, e, aparentemente, sempre tentou mostrar algum
potencial. O fato é que nos últimos anos esse potencial tem se exaltado e,
finalmente, McConaughey está recebendo papéis interessantes e que permitem um
melhor desenvolvimento por parte do ator. Como Ron ele está incrível, além de
ter emagrecido e estar vivendo um personagem real, o ator vive um homem
heterossexual que descobre que é portador de AIDS em plena década de 1980. Não
é qualquer ator que encara um personagem como esse com a seriedade e
competência de McConaughey. Apesar de gostar de sua interpretação e acreditar
que o ator esteja vivendo uma fase maravilhosa em sua carreira, aparentemente
existe muito de Ron em Matthew, o que torna seu trabalho um pouco duvidoso.
Excelente e digno de todos os prêmios que vem ganhando, mas duvidoso. Jared
Leto é Rayon, o transexual que desperta os maiores sentimentos humanos em Ron.
Sobre a interpretação de Leto digo que é perfeita. Leto é um assombro do começo
ao fim do longa. Em apenas uma cena, memorável, ele está vestido como homem, o
resto do filme, ele é uma mulher determinada e que sabe que sua vida está
chegando ao fim. Leto, por ser cantor e viver muito bem disso, não aceita
qualquer papel, e, com esse personagem, fez a escolha certa. Leto possui,
provavelmente, a melhor atuação do ano em qualquer sentido e uma das melhores
da última década. Dentre os outros coadjuvantes, é difícil dizer mais algum que
se destaque, pois Leto rouba todas as cenas. Jennifer Garner é uma Eve sóbria e
inteligente, que prioriza o bem de seus pacientes acima de tudo. Denis O’Hare é
o Dr. Sevard, um homem desprezível que prioriza os interesses das grandes
empresas, mesmo que isso coloque em risco a vida dos pacientes. E Steve Zahn é
um dos antigos amigos de Ron, um policial que não sabe muito bem quais são suas
opiniões sobre a doença do amigo.
O filme possui 6 indicações ao Oscar, o
que faz dele o quarto filme com mais indicações esse ano. A primeira é como melhor filme. Apesar de o longa ser
bom, não chega a ser o melhor do ano, além disso, não chega nem a ser um dos
favoritos, apesar de ter caído no gosto do público hoje em dia, 9 longas são
indicados na categoria de melhor filme, e apenas cinco na categoria de melhor
direção (não significa que os filmes indicados em direção receberão,
obrigatoriamente, a indicação como melhor filme). Dessa forma, os favoritos
tendem a girar em torno dos cinco indicados nas duas categorias (com exceção à
besteira que foi feita com “Argo” no ano passado). Matthew McConaughey é
indicado como melhor ator, mesmo com
Chiwetel Ejiofor tendo arrancado com força no início da temporada de premiações
com sua atuação em “12 Anos de Escravidão” e concorrendo com a atuação mais
incrível do ano de Leonardo DiCaprio, McConaughey se tornou o grande favorito.
Jared Leto, concorrendo como melhor ator
coadjuvante, já pode deixar seu discurso bem preparado. Finalmente, o ator,
sem dúvidas, receberá o Oscar por sua interpretação. Outra indicação surpresa é
a de Borten e Wallack como melhor
roteiro original. Não se engane pela inexperiência de Borten ou pelos
fracassos de Wallack, são eles os responsáveis por essa beleza acerca do
personagem, que nos é apresentada em um roteiro excelente recheado de cenas
incríveis, que alternam entre realistas, tocantes, engraçadas, apelativas (não
mais que o necessário) e dramáticas. Mesmo assim, o prêmio já é de Spike Jonze
por seu trabalho inquestionavelmente belo em “Ela” (2013). No quesito técnico,
o filme é indicado como melhor cabelo e
maquiagem e melhor edição. A
maquiagem é compreensível, pois as transformações de McConaughey e Leto são perfeitas, entretanto, acho que a edição foi um pouco precipitada,
preferia ter visto Thelma Schoonmaker com “O Lobo de Wall Street” (2013).
Há muito, venho citando alguns filmes
realizados esse ano que não possuem muitos objetivos em relação às lições de
vida como o centro de tudo como é de costume com filmes premiados. Para citar
alguns: “Gravidade” até proporciona a lição do altruísmo e da persistência, mas
é a inovação de Cuarón que interessa; “Blue Jasmine” é uma bela demonstração da
realidade vivenciada por fracassados, mas o que interessa mesmo é a
interpretação de Cate Blanchett; “Álbum de Família” chama a atenção por trazer
uma história violenta sobre uma família desestruturada, sendo impossível não
encontrar semelhanças, mas o que fica mesmo são os duelos entre os intérpretes;
“Ela” mostra como devemos nos interessar mais com o que há de belo no interior
do que no exterior dos indivíduos, mas o que mais cativa é o roteiro romântico,
criativo e moderno; “A Caça” pode até alertar sobre mentiras ou verdades que
saem pela boca de crianças e sobre a importância de se cuidar bem dos pequenos,
mas o que mais interessa é o fato de não sabermos o que é verdade ou o que é
mentira em toda a trama; e “O Lobo de Wall Street” pode até mostrar realidades
e alertar que todos sofreremos por nossos atos, mas é o dinheiro e a forma como
Jordan Belfort o gastou que mais nos estimula. Não é que esses filmes sejam
ruins, muito pelo contrário, o que nos chama mais a atenção é o cinema por si
só, a arte cinematográfica, as atuações marcantes, as edições impressionantes,
os roteiros bem arquitetados, a qualidade visual e a maestria dos diretores.
O que “Clube de Compras Dallas” faz é
diferente disso tudo. É um filme mais espiritual, que deseja passar uma
mensagem que se torna muito mais importante que sua arte. Não significa
tampouco, que o filme seja ruim. Como disse, as interpretações são ótimas, mas
o que mais fica em nossa mente após assistirmos a esse longa são as mensagens
de amor, amizade, fraternidade, bondade, altruísmo, aceitação e dignidade
propostos pelo longa. “Philomena”, “Frozen: Uma Aventura Congelante” e “12 Anos
de Escravidão” fazem o mesmo, nos mostram, respectivamente, que basta termos
persistência, amarmos àqueles que nos amam e lutar por nossos direitos que um
dia seremos recompensados com algo maior. E, se não formos recompensados, pelo
menos fizemos nossa parte. “Clube de Compras Dallas” vem em uma época incrível.
No Brasil, vimos o primeiro beijo gay em uma novela, no mundo, há filmes
filmados no Oriente Médio que mostram amores homossexuais. E “Dallas” defende o
grupo GLBT de nossa época. Não os defende com a força dos filmes sensacionalistas,
o faz com mais classe, mais sabedoria e mais êxito. “Dallas” atinge os
sentimentos ao retratar um heterossexual vivendo algo que, até hoje, muitas
pessoas ainda acreditam ser um problema muito maior na sociedade homossexual
que na hétero. Mas não é. E é com essa mensagem belíssima de que todos somos
iguais e estamos expostos às mesmas perdas e aos mesmos ganhos que “Clube de
Compras Dallas” inicia 2014 com toda eficiência que somente o cinema pode
proporcionar.
VENCEDORES
DOS PRÊMIOS DA SOCIEDADE DE CRÍTICOS DE FILME DE LAS VEGAS
Melhor
Filme: 12 Anos de Escravidão
Melhor
Direção: Steve McQueen, por 12 anos de Escravidão
Melhor
Ator: Matthew McConaughey, por Clube de Compras Dallas
Melhor
Atriz: Emma Thompson, por Walt nos Bastidores de Mary Poppins
Melhor
Ator Coadjuvante: Jared Leto, por Clube de Compras Dallas
Melhor
Atriz Coadjuvante: Lupita Nyong’o, por 12 Anos de Escravidão
Melhor
Roteiro: Spike Jonze, por Ela
Melhor
Filme de Animação: Frozen: Uma Aventura Congelante
Melhor
Documentário:
Melhor
Fotografia: Emmanuel Lubezki, por Gravidade
Melhor
Direção de Arte: Andy Nicholson, por Gravidade
Melhor
Figurino: Patricia Norris, por 12 Anos de Escravidão
Melhor
Edição: Alfonso Cuarón e Mark Sanger, por Gravidade
Melhor Canção:
T-Bone Burnett, Joel Coen e Ethan Coen, por Please Mr. Kennedy, de Inside
Llewyn Davis
Melhor
Trilha Sonora: Hans Zimmer, por 12 Anos de Escravidão
Melhores
Efeitos Visuais: Gravidade
Melhor
Filme Estrangeiro: Azul é a Cor Mais Quente
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