sábado, 8 de fevereiro de 2014

030. (ESPECIAL OSCAR 2014) CLUBE DE COMPRAS DALLAS, de Jean-Marc Vallée

Um belo retrato de toda a sociedade preconceituosa e da luta dos portadores de AIDS na década de 1980.
Nota: 9,2

Título Original: Dallas Buyers Club
Direção: Jean-Marc Vallée
Elenco: Matthew McCounaughey, Jared Leto, Jennifer Garner, Denis O’Hare, Steve Zahn, Michael O’Neill, Dallas Roberts, Griffin Dunne, Kevin Rankin, Donna Duplantier, Deneen Tyler, J. D. Evermote, Ian Casseberry, Noelle Wilcox, Bradford Cox, Rick Espaillat, Lawrence Turner, Lucius Falick, James DuMont, Jan McNeill, Don Brady, Matthew Thmpson, Tony Bentley, Sean Boyd, Rachel Wulff, Neeona Neal
Produção:
Roteiro: Craig Borten e Melisa Wallack
Ano: 2013
Duração: 117 min.
Gênero: Drama / Biografia

No final da década de 1970, nos Estados Unidos, observou-se que, misteriosamente, usuários de drogas estavam apresentando um quadro de abaixamento de imunidade sem motivo aparente. Logo depois, um número considerável de homossexuais começou a apresentar os mesmos sintomas, o que levou a muitos acreditarem que apenas os homossexuais podiam ser infectados. Apesar de a AIDS, provavelmente ter tido seu início em meados dos anos 30, com a transmissão da mesma de macacos para seres humanos no continente Africano, foi apenas em 1981 que a doença foi reconhecida e passou a ganhar maior notoriedade. Hoje, sabe-se que a doença pode ser transmitida por transfusão de sangue, durante o parto ou a amamentação, uso compartilhado de seringas, objetos cortantes e relação sexual sem o uso de preservativos. A AIDS interfere, especialmente, no sistema imunológico dos infectados, tornando-os mais propensos a infecções e cânceres. Apesar de os vários estudos já realizados, a AIDS ainda não possui cura, apenas medicamentos para amenizarem seus efeitos e tornarem a vida do infectado menos dolorosa.


Em 1985, o mundo se chocou com a morte de umas das maiores estrelas de Hollywood. Rock Houston estava com AIDS. A doença, ainda era relacionada apenas a homossexuais e o único remédio “anti-HIV” era o AZT (zidovudina), que começou a ser estudado com essa finalidade em 1984. Ron Woodroof, um cowboy texano, descobriu em 1985 que havia contraído o vírus da AIDS e que possuía apenas 30 dias de vida. Quando Woodroof descobriu que a única forma de conseguir AZT era participando de um programa aleatório (onde alguns pacientes recebem o remédio, e outros recebem apenas placebo), ele resolveu conseguir a droga através de seus próprios meios. Ao descobrir que o AZT era administrado em uma dosagem muito grande, criou, ao lado do também contaminado Rayon, o Clube de Compras Dallas e passou a transportar medicação mexicana não autorizada nos Estados Unidos. Woodroof, após ser perseguido pela Administração de Alimentos e Drogas dos Estados Unidos, conseguiu autorização para utilizar os medicamentos ilegais e viveu até 1992.


 No filme, Ron Roodroof é apresentado como um homem sem escrúpulos, um cowboy que ganha a vida trabalhando nos rodeios e passando a perna em seus amigos. Além disso, Ron possui uma vida sexual agitada com todo o tipo de mulheres, em todo o tipo de lugares e utilizando todo tipo de drogas. Ele ainda é um homem machista, homofóbico que julga qualquer portador da AIDS como homossexual e que gosta de mostrar o quanto é auto suficiente. Entretanto, quando Ron descobre sua doença e passa a ser excluído de seu círculo de “amigos”, ele acaba se tornando um homem bom e determinado por apenas um objetivo: ajudar a todos que contraíram a AIDS e, se possível, obviamente, tirar algum lucro disso tudo. Com a ajuda do transexual Rayon, Ron abre o Clube de Compras Dallas e começa a ganhar dinheiro trazendo remédios que ajudam pessoas a viverem mais.


Com o avançar da história, ainda vemos a bela relação de Ron com uma médica, Dra. Eve; conferimos o absurdo que farmácias e instituições governamentais fizeram quando a AIDS foi descoberta e se tornou uma doença visada por todos como forma de lucro; e observamos como a sociedade agia perante aquele mistério que ainda era a doença e como todos julgavam quem quer que fosse, pois, naquela época, contrair AIDS era sinônimo de homossexualidade, e se você fosse um homossexual, você era um “aidético” em potencial. Claro que Ron age com preconceito quando descobre o que está acontecendo com sua vida e que rumos sua existência está tomando, mas é linda a forma como ele se torna menos agressivo e nos proporciona até momentos de riso após algum tempo da tal descoberta. Ron e Rayon se tornam grandes amigos e parceiros, não apenas de negócios, mas parceiros de vida e morte. Que fique claro: Ron não se torna homossexual, mas a relação dele com seu amigo transexual se torna tão bela e cativante que é impossível encontrar um termo melhor que “parceria”. Ainda, vale exaltar que Ron, assim como as farmácias, visa o lucro em sua atitude de criar o Clube, mas, também com o desenrolar da trama, percebemos que tudo isso é feito, principalmente com duas finalidades: ajudar aos outros portadores e ajudar a si mesmo. Para Ron, torna-se questão de honra disseminar que outras drogas podem ser muito melhores que o AZT e fica claro que tudo isso também é feito para que ele possa ficar em paz consigo mesmo depois de tudo o que aprontou, custe o dinheiro que custar.


Nos últimos anos, o anti-herói americano tem sido cada vez mais visto no cinema. Jamais compararia Ron Roodroof, um homem que faz coisas erradas pelo bem dos outros, com Jordan Belfort de “O Lobo de Wall Street” ou com Irving Rosenfeld, de “Trapaça”, dois personagens vistos nos filmes da temporada desse ano. Ron está mais para Zorro, que roubava dos ricos para dar aos pobres. Roodroof, nesse contexto, burla as regras do Estado, que está afundado até o pescoço na sujeira das farmácias que distribuem AZT sem estudos decentes, para trazer drogas que possam ajudar pessoas na mesma triste situação que ele. Isso tudo, por que o próprio Roodroof perdeu seu fornecedor de AZT e teve de ir para o México, onde acabou descobrindo que drogas muito melhores que essa podiam ajudar no tratamento da AIDS. O roteiro que apresenta tudo isso é escrito por Craig Borten, em seu primeiro grande trabalho, e por Melisa Wallack, roteirista de “Bill” (2007), longa mediano com Aaron Eckhart, e “Espelho, Espelho Meu” (2012), a destruição do conto de fadas protagonizada por Julia Roberts. Além da dupla, merece destaque o diretor e editor do longa, Jean-Marc Vallée, responsável pelas realizações do mediano “A Jovem Rainha Vitória” (2011) e dos surpreendentes “Café de Flore” (2011) e “C.R.A.Z.Y.” (2005). Confesso não ter assistido a nenhum de seus filmes além da cinebiografia da Rainha Vitória, o qual eu não simpatizo, mas também confesso ter me surpreendido do começo ao fim com seu trabalho em “Clube de Compras Dallas”. O longa, traz diversos ambientes dos Estados Unidos da década de 1980, mostrando a divisão da América na época: bares gays e bares “heterossexuais”, bairros onde reuniam-se homossexuais e bairros onde os mesmos eram mantidos afastados, lojas e mercados onde os homossexuais eram aceitos por todos sem problemas e estabelecimentos onde apenas heterossexuais eram bem-vindos e homens e mulheres que passavam longe dos homossexuais e outros que viviam em paz com eles. É claro que, infelizmente, as pessoas que aceitavam a homossexualidade eram minoria, mas vemos que essa parcela da população já existia. A trilha sonora é muito característica e gira em torno de músicas típicas de cowboys americanos e de homossexuais da década de 1980.


Matthew McConaughey vive Ron. O ator teve momentos péssimos e outros piores em sua carreira como ator, com personagens chatos ou característicos demais, e, aparentemente, sempre tentou mostrar algum potencial. O fato é que nos últimos anos esse potencial tem se exaltado e, finalmente, McConaughey está recebendo papéis interessantes e que permitem um melhor desenvolvimento por parte do ator. Como Ron ele está incrível, além de ter emagrecido e estar vivendo um personagem real, o ator vive um homem heterossexual que descobre que é portador de AIDS em plena década de 1980. Não é qualquer ator que encara um personagem como esse com a seriedade e competência de McConaughey. Apesar de gostar de sua interpretação e acreditar que o ator esteja vivendo uma fase maravilhosa em sua carreira, aparentemente existe muito de Ron em Matthew, o que torna seu trabalho um pouco duvidoso. Excelente e digno de todos os prêmios que vem ganhando, mas duvidoso. Jared Leto é Rayon, o transexual que desperta os maiores sentimentos humanos em Ron. Sobre a interpretação de Leto digo que é perfeita. Leto é um assombro do começo ao fim do longa. Em apenas uma cena, memorável, ele está vestido como homem, o resto do filme, ele é uma mulher determinada e que sabe que sua vida está chegando ao fim. Leto, por ser cantor e viver muito bem disso, não aceita qualquer papel, e, com esse personagem, fez a escolha certa. Leto possui, provavelmente, a melhor atuação do ano em qualquer sentido e uma das melhores da última década. Dentre os outros coadjuvantes, é difícil dizer mais algum que se destaque, pois Leto rouba todas as cenas. Jennifer Garner é uma Eve sóbria e inteligente, que prioriza o bem de seus pacientes acima de tudo. Denis O’Hare é o Dr. Sevard, um homem desprezível que prioriza os interesses das grandes empresas, mesmo que isso coloque em risco a vida dos pacientes. E Steve Zahn é um dos antigos amigos de Ron, um policial que não sabe muito bem quais são suas opiniões sobre a doença do amigo.


O filme possui 6 indicações ao Oscar, o que faz dele o quarto filme com mais indicações esse ano. A primeira é como melhor filme. Apesar de o longa ser bom, não chega a ser o melhor do ano, além disso, não chega nem a ser um dos favoritos, apesar de ter caído no gosto do público hoje em dia, 9 longas são indicados na categoria de melhor filme, e apenas cinco na categoria de melhor direção (não significa que os filmes indicados em direção receberão, obrigatoriamente, a indicação como melhor filme). Dessa forma, os favoritos tendem a girar em torno dos cinco indicados nas duas categorias (com exceção à besteira que foi feita com “Argo” no ano passado). Matthew McConaughey é indicado como melhor ator, mesmo com Chiwetel Ejiofor tendo arrancado com força no início da temporada de premiações com sua atuação em “12 Anos de Escravidão” e concorrendo com a atuação mais incrível do ano de Leonardo DiCaprio, McConaughey se tornou o grande favorito. Jared Leto, concorrendo como melhor ator coadjuvante, já pode deixar seu discurso bem preparado. Finalmente, o ator, sem dúvidas, receberá o Oscar por sua interpretação. Outra indicação surpresa é a de Borten e Wallack como melhor roteiro original. Não se engane pela inexperiência de Borten ou pelos fracassos de Wallack, são eles os responsáveis por essa beleza acerca do personagem, que nos é apresentada em um roteiro excelente recheado de cenas incríveis, que alternam entre realistas, tocantes, engraçadas, apelativas (não mais que o necessário) e dramáticas. Mesmo assim, o prêmio já é de Spike Jonze por seu trabalho inquestionavelmente belo em “Ela” (2013). No quesito técnico, o filme é indicado como melhor cabelo e maquiagem e melhor edição. A maquiagem é compreensível, pois as transformações de McConaughey e Leto são perfeitas, entretanto, acho que a edição foi um pouco precipitada, preferia ter visto Thelma Schoonmaker com “O Lobo de Wall Street” (2013).


Há muito, venho citando alguns filmes realizados esse ano que não possuem muitos objetivos em relação às lições de vida como o centro de tudo como é de costume com filmes premiados. Para citar alguns: “Gravidade” até proporciona a lição do altruísmo e da persistência, mas é a inovação de Cuarón que interessa; “Blue Jasmine” é uma bela demonstração da realidade vivenciada por fracassados, mas o que interessa mesmo é a interpretação de Cate Blanchett; “Álbum de Família” chama a atenção por trazer uma história violenta sobre uma família desestruturada, sendo impossível não encontrar semelhanças, mas o que fica mesmo são os duelos entre os intérpretes; “Ela” mostra como devemos nos interessar mais com o que há de belo no interior do que no exterior dos indivíduos, mas o que mais cativa é o roteiro romântico, criativo e moderno; “A Caça” pode até alertar sobre mentiras ou verdades que saem pela boca de crianças e sobre a importância de se cuidar bem dos pequenos, mas o que mais interessa é o fato de não sabermos o que é verdade ou o que é mentira em toda a trama; e “O Lobo de Wall Street” pode até mostrar realidades e alertar que todos sofreremos por nossos atos, mas é o dinheiro e a forma como Jordan Belfort o gastou que mais nos estimula. Não é que esses filmes sejam ruins, muito pelo contrário, o que nos chama mais a atenção é o cinema por si só, a arte cinematográfica, as atuações marcantes, as edições impressionantes, os roteiros bem arquitetados, a qualidade visual e a maestria dos diretores.


O que “Clube de Compras Dallas” faz é diferente disso tudo. É um filme mais espiritual, que deseja passar uma mensagem que se torna muito mais importante que sua arte. Não significa tampouco, que o filme seja ruim. Como disse, as interpretações são ótimas, mas o que mais fica em nossa mente após assistirmos a esse longa são as mensagens de amor, amizade, fraternidade, bondade, altruísmo, aceitação e dignidade propostos pelo longa. “Philomena”, “Frozen: Uma Aventura Congelante” e “12 Anos de Escravidão” fazem o mesmo, nos mostram, respectivamente, que basta termos persistência, amarmos àqueles que nos amam e lutar por nossos direitos que um dia seremos recompensados com algo maior. E, se não formos recompensados, pelo menos fizemos nossa parte. “Clube de Compras Dallas” vem em uma época incrível. No Brasil, vimos o primeiro beijo gay em uma novela, no mundo, há filmes filmados no Oriente Médio que mostram amores homossexuais. E “Dallas” defende o grupo GLBT de nossa época. Não os defende com a força dos filmes sensacionalistas, o faz com mais classe, mais sabedoria e mais êxito. “Dallas” atinge os sentimentos ao retratar um heterossexual vivendo algo que, até hoje, muitas pessoas ainda acreditam ser um problema muito maior na sociedade homossexual que na hétero. Mas não é. E é com essa mensagem belíssima de que todos somos iguais e estamos expostos às mesmas perdas e aos mesmos ganhos que “Clube de Compras Dallas” inicia 2014 com toda eficiência que somente o cinema pode proporcionar.


VENCEDORES DO PRÊMIO DA ASSOCIAÇÃO DOS CRÍTICOS DE FILME DE PHOENIX
Melhor Filme: 12 Anos de Escravidão
Melhor Direção: Alfondo Cuarón, por Gravidade
Melhor Ator: Matthew McConaughey, por Clube de Compras Dallas
Melhor Atriz: Cate Blanchett, por Blue Jasmine
Melhor Ator Coadjuvante: Jared Leto, por Clube de Compras Dallas
Melhor Atriz Coadjuvante: Lupita Nyong’o, por 12 Anos de Escravidão
Melhor Elenco: Trapaça
Melhor Roteiro Original: Nebraska
Melhor Roteiro Adaptado: 12 Anos de Escravidão
Melhor Filme para Família: Oz: Grande e Poderoso
Melhor Filme de Animação: Frozen: Uma Aventura Congelante
Melhor Filme Estrangeiro: Azul é a Cor Mais Quente
Melhor Documentário: 20 Feet From Stardom
Melhor Canção Original: Let it Go, de Frozen: Uma Aventura Congelante
Melhor Trilha Sonora: Frozen: Uma Aventura Congelante
Melhor Fotografia: Gravidade
Melhor Edição: Gravidade
Melhor Direção de Arte: Gravidade
Melhor Figurino: O Grande Gatsby
Melhores Efeitos Especiais: Gravidade
VENCEDORES DOS PRÊMIOS DA SOCIEDADE DE CRÍTICOS DE FILME DE LAS VEGAS
Melhor Filme: 12 Anos de Escravidão
Melhor Direção: Steve McQueen, por 12 anos de Escravidão
Melhor Ator: Matthew McConaughey, por Clube de Compras Dallas
Melhor Atriz: Emma Thompson, por Walt nos Bastidores de Mary Poppins
Melhor Ator Coadjuvante: Jared Leto, por Clube de Compras Dallas
Melhor Atriz Coadjuvante: Lupita Nyong’o, por 12 Anos de Escravidão
Melhor Roteiro: Spike Jonze, por Ela
Melhor Filme de Animação: Frozen: Uma Aventura Congelante
Melhor Documentário:
Melhor Fotografia: Emmanuel Lubezki, por Gravidade
Melhor Direção de Arte: Andy Nicholson, por Gravidade
Melhor Figurino: Patricia Norris, por 12 Anos de Escravidão
Melhor Edição: Alfonso Cuarón e Mark Sanger, por Gravidade
Melhor Canção: T-Bone Burnett, Joel Coen e Ethan Coen, por Please Mr. Kennedy, de Inside Llewyn Davis
Melhor Trilha Sonora: Hans Zimmer, por 12 Anos de Escravidão
Melhores Efeitos Visuais: Gravidade
Melhor Filme Estrangeiro: Azul é a Cor Mais Quente


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