domingo, 20 de setembro de 2015

COBERTURA 48º FESTIVAL DE BRASÍLIA DO CINEMA BRASILEIRO

Baseado na vida da psiquiatra Nise da Silveira, o longa Olhar de Nise, de Jorge de Oliveira e Pedro Zoca, foi apresentado na Mostra Panorama Brasil, no dia 19 (sábado).



Nise da Silveira nasceu em uma família abastada de pais bastante liberais e que estimulavam as artes. Na juventude, formou-se em medicina com outros 156 colegas, todos homens. Desde sempre, mostrou-se uma grande profissional e uma mulher muito ligada às artes. Foi presa política durante o governo de Getúlio Vargas na sala 4 da chamada praça vermelha. Depois de liberta, voltou a trabalhar em hospitais psiquiátricos. Negando-se a fazer parte dos tratamentos de choque, Nise desenvolveu a terapia ocupacional e chegou a chamar a atenção de Carl Jung, um de seus mentores. O trabalho artístico desenvolvido com os doentes foi seu grande orgulho até sua morte.
No quadro atual, o cinema e a sociedade brasileira passam por mudanças muito grandes em relação à participação da mulher. Discussões têm sido levantadas diariamente em todos os cantos desse país. Falar sobre Nise da Silveira numa época como essa é essencial. Enquanto alguns teóricos defendem que apenas Freud, Jung e Nise entenderam os psicopatas, outros sequer citam a psiquiatra. O que Jorge e Pedro fazem em Olhar de Nise é trazer de volta à memória do povo brasileiro quem foi Nise da Silveira, uma das mulheres mais importantes da história brasileira do século passado. Uma mulher que lutou contra o sistema ao estudar medicina, ao morar com um homem sem serem casados, ao enfrentar o governo repressor, ao questionar a terapia de choque, ao conseguir o patrocínio para ir à Europa e se encontrar com Jung. Uma mulher que dedicou sua vida à inclusão social, de si mesma e de seus pacientes.


Para contar essa história sublime, os diretores usam três tipos de filmagem: depoimentos atuais de pessoas que conviveram ou que estudaram Nise, um depoimento da própria Nise datado em 1997 e cenas que recriam passagens da vida da psiquiatra. Naqueles depoimentos, a câmera está fixa e enquadra muito bem quem está falando (artistas, amigos, intelectuais). No depoimento de Nise, a câmera está posicionada à frente da psiquiatra, como de costume, mas se torna um depoimento mais natural à medida que o gato de Nise está sentado em seu colo e é algo gravado, aparentemente, na casa da própria Nise. Nas cenas recriadas, por fim, a fotografia em sépia lembra que são coisas do passado e tudo é filmado de forma simples e muito direta. Cenas extras do Instituto Nise da Silveira, com planos muito próximos dos doentes, dão um tom muito especial ao filme.
Um dos focos do documentário são as relações de Nise com a classe artística do Brasil durante toda sua vida, como: Manoel Bandeira, Otávio e Bárbara Brandão, Graciliano Ramos (com quem passou um tempo presa). Aliando-se a isso a educação artística que recebeu dos pais, Nise sempre foi muito envolvida com poesia, pintura, teatro e música. No contexto da terapia ocupacional, um dos grandes depoimentos é o do artista gráfico e pintor Almir Mavignier, que fala sobre como os trabalhos de Nise revelaram artistas de potencial na pintura. Mavignier fala sobre eles e sobre como a sensibilidade de Nise e a força de vontade dela estimulavam os artistas. Em paralelo, imagens dos pacientes e de suas obras são mostradas.
Olhar de Nise é um documentário bastante tradicional que acerta ao misturar vários tipos de imagens com diferentes posicionamentos de câmera e diferentes fotografias para que o espectador possa se concentrar mais no que se fala sobre a protagonista. O início do filme possui uma narrativa um pouco cansativa, mas que só está ali para situar a história e acaba sumindo com o tempo. As alternâncias entre depoimentos feitos hoje, o depoimento de Nise há 18 anos, as cenas recriadas, fotografias e outros documentos criam um ritmo agradável que não deixa o filme se tornar cansativo. O que fica, do longa, é a homenagem tocante feita para Nise da Silveira, uma mulher muito além do seu tempo que viveu para ajudar a medicina a encontrar caminhos mais inteligentes para o tratamento dos doentes mentais. O que fica são os aplausos no final da sessão, que já nem sei mais se eram para o filme, ou para Nise, a emoção causada pelo longa, a forma como ele toca o espectador, que, sem dúvida, sairá pensativo da sala de cinema. 


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Um comentário:

  1. Rafael, muito obrigada por sua critica. É sempre um grande estímulo quando nos debruçamos durante anos sobre um trabalho e conseguimos fazer com que ele toque as pessoas. Nise foi uma pessoa extraordinária, uma mulher à frente de seu tempo, visionária e, sobretudo uma grande humanista. Nise, com certeza, emociona as pessoas. Ela usava sempre a expressão "a emoção de lidar' referindo-se a seus pacientes. A nossa emoção é a de lidar com o cinema e conseguir dizer alguma coisa com isto.
    Grande abraço e parabéns pelo seu blog. Ana Maria Rocha, produtora executiva e montadora de Olhar de Nise.

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