Novo longa de Anna Muylaert denuncia as desigualdades, os preconceitos e as injustiças em um filme realista, bem humorado, inteligente e instigante. A representação de boa parte do Brasil em uma das melhores produções brasileiras dos últimos anos.
Val é uma pernambucana mãe de uma garota,
Jéssica. Val sai de sua terra e vai morar em São Paulo para cuidar de Fabinho,
que pertence a uma família de classe alta paulista. Dez anos depois de ver sua
filha pela última vez, Val recebe a ligação da jovem dizendo que deseja ir para
São Paulo prestar vestibular. Jéssica vai ao encontro da mãe, e as coisas se
complicam quando a menina não respeita o sistema clássico entre “quem deve
mandar” e “quem deve obedecer”.
A história é simples. A história é vista
todos os dias por todos os brasileiros. Os personagens são os mais cotidianos
possíveis. A forma de se contar, de se ver, de se experimentar essa história é
que faz a diferença. O roteiro é contado sobre o ponto de vista de Val, a
figura da chamada “empregada doméstica” tão conhecida pelos brasileiros, mas a
forma como se conta possibilita que qualquer espectador disposto a seja
representado. Simples: os sentimentos, a intimidade, as frustrações, os
desejos, as conquistas da protagonista são conquistas humanas, independente de
cor, sexo, raça, origem, orientação, ou o que for. Além disso, outro fator que
faz com que a forma de contar essa história seja única são os dois pontos
técnicos que compõe basicamente um produto audiovisual: a imagem e o som. Com
enquadramentos impecáveis e muito bem compostos e posicionamento de atores
(mesmo aqueles fora de quadro) muito bem ensaiados, e com qualidade sonora
elevada e muito realista, o filme lembra que a direção é de Anna Muylaert,
diretora sempre muito preocupada com a excelência em seus trabalhos.
Claro que essa relação da temática com o
interior da protagonista possui limites, e outras questões importantes irão
surgir. É bom ir para o cinema com uma visão mais ampla da vida. Aberto às
possibilidades. Não é qualquer espectador que consegue adentrar um universo do qual
fazemos partes, mas pouco notamos. A classe dominante, aquela que domina as
salas dos cinemas, ainda muito elitizado, deve estar disposta a reconhecer o
preconceito e a tentar entender a questão migratória e maternal/feminina. As denúncias
feitas por Anna, também roteirista do longa, são inúmeras e quem conferir o
filme deve estar disposto a refletir sobre elas, ou cairá no erro de achar que
o filme é um produto simples e sem grandes novidades ou pretensões. O mais
inteligente do filme é como a principal dessas denúncias, o preconceito de
classes, não possui grandes destaques em cenas que chamem a atenção. Anna denuncia,
assim, que essa segregação está incutida no ser humano e pede, de forma muito clara,
por mudanças.
Outras questões levantadas sobre o longa
fazem referência à sociedade hipócrita que forma o Brasil, à medida que
Barbara, a patroa, na intimidade do lar, afirma considerar Val da família, mas
recusa a apresentá-la dessa forma para a sociedade. Em contraponto, há a
relação entre Val e Fabinho, de mãe e filho, afinal, foi ela quem criou e deu o
amor materno ao menino durante anos. Da mesma forma que a relação entre Val e
Barbara é construída pautada pela submissão, a de Val e Fabinho é pautada pelo
amor e pela dependência. Relação, essa, desconstruída ao longo do filme como
qualquer relação entre pais e filhos, na busca pela dependência. Há, também, a
denúncia do preconceito em relação a nordestinos que vivem fora do nordeste,
que são marginalizados e vistos como inferiores a qualquer outro cidadão. Nesse
caso, Muylart traz Jessica questionado e lutando para provar que ninguém é
melhor que ninguém. Durante o filme, como na vida real, mais e mais discussões surgem,
algumas ganhando proporções maiores, outras sendo tratadas de forma mais
rápida.
Grande parte da responsabilidade de
denunciar esse preconceito enraizado nos brasileiros é do elenco monstruoso
reunido por Anna. Os personagens são bastante tradicionais: a empregada submissa
aos patrões, a filha rebelde, o adolescente mimado (Fabinho), a patroa abusiva,
o marido desocupado (José Carlos). As relações estabelecidas também são típicas
entre esses personagens. Relações que ficam muito clara pelas interpretações do
elenco. Regina Casé, finalmente, deixa de ser Regina Casé e assume o papel de
uma mulher que acaba se diminuindo por imposição do sistema e que, aos poucos,
amadurece e nota que está na hora de mudar sua vida. Casé apresenta uma interpretação
sincera, convincente e realista de uma mulher que deseja o melhor para a filha.
Uma mulher humana, que reconhece sua imperfeição e que descobre que nunca é
tarde para nada. Camila Márdila e Michel Joelsas representam dois jovens
típicos do momento atual brasileiro: ela, Jessica, está inconformada com o
preconceito, revoltada com as diferenças e exige a igualdade; ele, Fabinho, é o
garoto de classe alta mimado que pode sempre contar com o dinheiro dos pais
para forçar sua felicidade. Karine Teles e Lourenço Mutarelli, Barbara e José
Carlos, são o retrato da classe alta brasileira: preocupados apenas com eles
mesmos e cheios da razão.
Segundo uma senhora que estava sentada ao
meu lado na sessão lotada (sem nenhuma poltrona vaga) na sala de cinema quanto
assisti ao filme, Que Horas Ela Volta?
é uma tese. Concordando com ela, afirmo, também que uma página e meia de comentários
sobre o longa não são suficientes para falar tudo sobre ele. Mas as pontuações
em relação à história e em relação à técnica são o suficientes para o
espectador assistir ao filme com mais atenção. Para alguns, claro, o cotidiano
e as situações cômicas que sustentam o longa serão enfadonhas e a produção não
passará de um filme muito popular. Mas esse pensamento não tem a ver com o
filme, e sim com uma reação às denúncias sociais do filme. Uma pena que, em
pleno 2015, uma história de uma mulher que trabalha como empregada doméstica
contada por uma mulher ainda seja alvo do preconceito daqueles que irão assistir
ao filme sem esperanças de que algo assim possa ser tão maravilhoso. Muitos
homens já falaram sobre como o filme é inferior. Eu prefiro ficar com as
palavras da senhora sentada ao meu lado: Que
Horas Ela Volta? retrata um Brasil novo. O Brasil que queremos. Um Brasil
que precisa dar a volta por cima e terminar com as diferenças. Ou, pelo menos,
tentar diminuí-las ao máximo.
Bônus: música tema do filme:
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