A tarde do quarto dia do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, sexta-feira (18), começou com uma master classe de Marcos Bernstein, roteirista de Central do Brasil, e se seguiu com as Mostras Brasília e Panorama. Nesta, foi apresentado o longa Através, de André Michilis, Diogo Martins e Fábio Bardella.
Mulher. Negra. Cubana. Cintia vive em
Havana e pensa em sair do país, visto que Raul Castro revogou a lei da “carta
branca” que obrigava os cubanos a pedirem autorização para viajarem ao
exterior. Antes de decidir se sai de Cuba ou não, a jovem viaja pelo país para
visitar os avós. No meio do caminho, Cintia encontra diferentes, pessoas,
culturas, sonhos, desafios, medos e, mais uma vez, incertezas.
Filmado com uma equipe de guerrilha – os
três diretores/roteiristas/fotógrafos/montadores, a atriz e um produtor/ator
andavam em um carro por Cuba realizando o filme – o longa quebra com os padrões
que o cinema acostumou o espectador. Logo de início isso já pode ser visto:
dois planos longos com personagens entrando e saindo deles e sem se preocupar
em enquadrar os rostos dos mesmos. Depois a cidade é apresentada e uma banda
sonora é colocada no extremo lado direito de um plano cheio de linhas que
convergem diretamente para a banda. Por vezes, o filme lembra um documentário, à
medida que acompanha Cintia de forma leve e um pouco distante da personagem.
Cenas mais próximas, onde Cintia nunca se dirige ao espectador diretamente,
entretanto, lembram que o filme é uma ficção. Outra característica interessante
proposta pelo longa é a apresentação dos diferentes locais por onde Cintia passa
com planos fixos de prédios das cidades e panorâmicas, valorizando e
caracterizando os locais por sua arquitetura.
Através é uma ficção, sem
dúvidas, mas que faz referências a inúmeras vidas reais. E não podia ter sido
lançado em momento mais oportuno, levando em consideração a situação dos
imigrantes na Europa, e por que não dizer, dos imigrantes que chegam ao Brasil
vindos de outros países da América Latina. Como eles, Cintia está viajando para
encontrar uma melhor condição. A insegurança da jovem em sair de Cuba é a maior
semelhança dela com outros imigrantes. Além disso, é essencial compreender a importância
da viagem para o ser humano se redescobrir. Como Ingmar Bergman fez em inúmeros
de seus filmes, como Juventude, Morangos Silvestres, O Silêncio e Persona, Walter Salles fez com Central
do Brasil, e Sean Penn em Na Natureza
Selvagem, o trio de diretores faz em Através.
Cintia passa a questionar suas atitudes, suas decisões, opta por conhecer e se
envolver com pessoas diferentes, enfrenta situações nunca imaginadas e tenta
descobrir o que realmente deseja.
Cinthia Rodríguez, intérprete de Cintia, é
a grande responsável por mostrar, de forma sutil e muito agradável tudo o que
se passa na mente da protagonista. Sem grandes momentos de reflexões ou
desabafos, são as expressões corporais e faciais da atriz que denotam o que a
jovem vive. Além de expressões, Cinthia tem uma presença corporal e espiritual
fantástica. As relações construídas pela atriz com o restante do elenco (em sua
maioria, moradores de Cuba, ditos não atores) parecem acontecer com muita
naturalidade. A cada indivíduo que ela encontra (seja em um trem ou ônibus,
alguém que se proponha a ajudar a jovem, ou parentes e amigos próximos que ela
conhece de longa data) se torna visível, desde o primeiro minuto, que há a
construção de uma relação. A Cintia apresentada é uma jovem cativante, sincera,
espontânea, mas também, como qualquer outra jovem, é confusa, insegura e
insiste em procurar respostas.
Como em qualquer filme daqueles citados
acima sobre a importância da viagem para a redescoberta humana, não interessa o
desfecho do longa. Como não interessa saber se Isak Borg voltará vivo para sua
casa, não interessa saber se Cintia ficará em Cuba ou sairá de lá. O que mais
interessa em Através, é o percurso,
as situações pelas quais a personagem passa, as pessoas que conhece, o que ela
vive nesse caminho sempre muito difícil. Mais importante ainda, é reconhecer
que André, Diogo e Fábio contam essa história muito comum e vivenciada por
milhares de pessoas no mundo todo de forma original, inteligente e agradável para
se ver e ouvir, especialmente na telona.
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