Na quinta-feira (17), segundo dia da Mostra Competitiva do 48º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, foram apresentados os curtas Tarântula, de Aly Muritiba e Marja Calafange, e Rapsódia para o Homem Negro, de Gabriel Martins, e o longa Fome, de Criatiano Burlan.
Em uma casa no meio do nada, vivem uma mãe
e suas duas filhas. Uma delas, a mais nova, perdeu uma perna. A chegada do
namorado da mãe, um homem sem um braço, que traz uma perna mecânica par a garotinha,
provoca a ira da irmã mais velha. Tarântula
é um filme carregado de tensão por todos os lados: fotografia, som, interpretações
e arte. Na cenografia, crucifixos demais parecem dizer que ali existem pecados
demais, e bonecas penduradas por cordões causam uma estranheza mórbida. As
cores pálidas e a correção de cores feita após a filmagem revelam o
distanciamento sentimental entre os personagens. O som do silêncio e de efeitos
alerta para algum acontecimento surpreendente. E as expressões dos personagens
são carregadas de agonia, sufoco e um certo pedido de ajuda.
Ogum ensinou Oxóssi a desbravar caminhos.
Ogum ensinou Oxóssi a cuidar de quem está à sua volta. Rapsódia para o Homem Negro se baseia nessa história para contar a
história de dois irmãos negros da periferia. Um deles, o mais velho, é vítima
de assassinato, o mais novo, então, resolve procurar por justiça. A história
contada sobre dois irmãos negros e sobre o sofrimento dessa parcela da população
brasileira é bastante conhecida. A forma como tudo é contado aqui, baseado na
história de Ogum e Oxóssi, é que faz a diferença. O irmão mais velho, por exemplo,
deseja ver o mais novo sendo conhecido por sua bela voz. O que ele parece não ver
é que o irmão fará muito mais que isso. De forma metafórica belíssima, faz-se
uma ode à cultura negra e ao candomblé no Brasil. Com uma montagem não linear,
que mostra o presente, o passado e o futuro, o filme tem um ritmo inteligente e
que prende o espectador do começo ao fim
Um homem, morador de rua, anda pelas
vielas da grande São Paulo trajando roupas sujas e rasgadas e carregando, à sua
frente, um carrinho de supermercado. Em Fome,
Jean-Claude Bernardet, teórico e crítico cinematográfico, cineasta e escritor é
quem dá vida a esse andarilho. O filme de Burlan parece, assim, querer explorar
a situação miserável dos “desempregados eternos” baseando-se nesse personagem
que age de forma estúpida. Logo no início do filme, uma jovem de classe média aparece
para entrevistar outros mendigos e o protagonista. Ela não sabe muito bem o que
faz ali e acaba admitindo, num discurso muito politicamente correto, que se aproveitou
da situação para arrancar alguma história dos moradores de rua.
Com bela fotografia em preto e branco, planos
longos e movimentos de câmera intensos, o filme tenta usar Bernardet para criar
uma metalinguagem inexistente a partir de uma interpretação exagerada e
enjoativa. Os rompantes do morador de rua contra as pessoas de classe média e
classe média alta que querem “ajudá-lo” para acharem que estão fazendo algo de
útil por essa parcela da sociedade são lidados de forma cômica, mas nada tem de
engraçados. Não se compreende ao certo qual a intenção do diretor em realizar
esse filme. Se for denunciar a situação do morador de rua no Brasil e conscientizar
a população, não houve êxito na tarefa. Se é mostrar o quão a sociedade está preparada
para lidar com eles, está equivocada. Se é mostrar a rua e seus moradores de
forma lúdica e cheia de esperanças, está errada.
Apesar de histórias com focos totalmente
diferentes, Tarântula, Rapsódia para um
Homem Negro e Fome são filmes que
perturbam, que incomodam. O primeiro curta, faz isso como um filme do gênero suspense.
Com características americanizadas, o filme usa o isolamento, a crença
exagerada, a falta de diálogo para justificar a tragédia eminente. O segundo
critica a sociedade racista, a supremacia branca e traz uma luta violenta
contra ela. E a violência não se dá somente no contexto físico, é mais subjetiva.
A agressão moral contra o povo negro é paga com agressão moral contra o branco
que assiste o filme. E se o segundo curta apresentado denuncia a supremacia
branca e de classe média, o longa da noite a enaltece e tenta, sem sucesso,
incluir uma parcela da população há muito esquecida.
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