sábado, 26 de janeiro de 2013

119. (ESPECIAL OSCAR 2013) OS MISERÁVEIS, de Tom Hopper


Um retrato fantástico de uma sociedade preconceituosa que ganharia muito mais se deixasse a intolerância de lado. Seu único defeito: exageradamente longo para um musical.
Nota: 9,5


Título Original: Les Misérables
Direção: Tom Hooper
Elenco: Hugh Jackman, Russell Crowe, Anne Hathaway, Amanda Seyfried, Sacha Baron Cohen, Helena Boham Carter, Eddie Redmaine, Aaron Tveit, Samantha Barks
Produção: Tim Bevan, Eric Fellner, Debra Hayward, Cameron Mackintosh
Roteiro: William Nicholson, James Fenton, Alain Boublil (história), Jean-Mark Natek, Herbet Kretzmer (músicas), Victor Hugo (romance) e Claude-Michael Schönberg
Ano: 2012
Duração: 157 min.
Gênero: Musical / Drama

Jean Valjean, após 19 anos, é um criminoso recém liberto que será obrigado a passar a vida apresentando-se uma vez por ano para a justiça francesa. Seu hediondo crime? Roubar um pão para o seu sobrinho que estava quase morrendo. Após ser acolhido e beneficiado por um bom padre, Jean decide mudar sua vida. Anos depois ele acaba conhecendo Fantine, uma bela mulher que trabalha duro para ajudar sua filhinha que mora com o pai e a madrasta. Por motivos que apenas o destino compreende, Fantine morre, mas Jean se vê obrigado a encontrar Cosette, a filha, e criá-la como sua. Para isso, eles fogem a vida toda da polícia. Nove anos depois, porém, os rebeldes se revelam contra o governo autoritário da França e a vida de todos os envolvidos mudará para sempre.


O filme é um musical que se passa na França pós Revolução Francesa, época em que o país se tornou um lugar terrível para se morar, afinal, toda a forma de governo era incerta e deixava a população a mercê da fome, do desemprego, das doenças, da sujeira e da falta de organização social e, assim sendo, a miséria corroia todo o país como um tumor em um homem. E é bem isso que Victor Hugo, autor da maravilhosa obra literária na qual o longa foi baseado, deseja criticar: não havia maneira de deixar que tudo o que seus olhos franceses viam permanecesse como estava. Na história temos representações perfeitas de todos os tipo de pessoas que habitavam o país – destacando-se os pobres -, são elas: Jean Valjean, o ex-presidiário que foi preso por 19 anos por roubar pão para o sobrinho (uma crítica clara de como não havia nada do mais básico para a população, pergunto-me, será que nem brioches mais eram distribuídos ao povo?); Inspetor Javert, o retrato da polícia falha que se importava com pequenos casos ao invés de olhar para todos os grandes problemas em volta; Fantine, uma jovem que teve de deixar a filha com o pai – um malandro da pior espécie – e ainda é obrigada a enviar todo o pouco dinheiro que ganha para o canalha “sustentar” a menina; Cosette, a parte inocente e sem culpa da história, mal tratada pelo pai e pela madrasta que a tratam como uma empregada, mas vê sua vida melhorar ao ser acolhida por Valjean; Thénardier, o pai de Cosette, um canastrão proprietário de uma estalagem, ele e a esposa, Madame Thénardier, roubam seus clientes a torto e direito, no entanto, não são punidos por ninguém; Marius, o jovem de origem rica que deseja a igualdade entre as classes; Enjolras, jovem de origem humilde que se junta a Marius por uma França melhor e mais justa; o avô de Marius e seus amigos e conhecidos ricos, pessoas favorecidas por nascimento ou sorte, pouco vistas no filme, mas as mais criticadas. O filme, como disse, é um musical, mas não um musical simples, daqueles em que há diálogo e músicas, mas onde os diálogos são transformados em música. Confesso que esse gênero “musical sem falas” não me conquista com qualquer enredo ou rima barata, nesse contexto, qual foi minha surpresa ao ver um filme equilibrado onde a música é o que mais importa para deixá-lo interessante. O único problema fica a cargo da duração, apesar de um ótimo musical, filmes do gênero que tem mais de duas horas são um risco tremendo.


O longa é indicado em oito categorias no Oscar: melhor filme, apesar de poucas chances, é um dos cinco favoritos na disputa; melhor ator, para Hugh Jackaman, mesmo que atuação seja tocante e tenha cantado – o que a Academia adora -, o prêmio já é de Daniel Day-Lewis por “Lincoln” (2012); melhor atriz coadjuvante para Anne Hathaway, ela dançou, fez a vez da prostituta que não queria tal emprego, cortou os cabelos no próprio filme, cantou chorando e morreu como uma literal miserável, tudo o que a academia quer; melhor direção de arte, o filme é escuro em alguns momentos e tem a luz perfeita em outros, seu maior concorrente é “As Aventuras de Pi”; melhor figurino, apesar de ser muito bonito e diferenciado, o favorito é “Anna Karenina”, um filme mais de época e com roupas mais extravagantes; melhor maquiagem, acredito que o prêmio esteja entre “Hitchcock” e “O Hobbit”, sem chances para “Os Miseráveis”, que roubou o lugar de “Lincoln” na categoria; melhor mixagem de som, seria o prêmio mais merecido, pois as músicas não foram dubladas, estão, portanto, em seu áudio original, algo muito difícil para qualquer filme; melhor canção, para “Suddenly” de Hebert Kretzman, Claude-Michel Schönberg e Alain Boublil, interpretada por Hugh Jackman, seu único concorrente de peso é “Skyfall”, a música que Adele compôs para o novo 007. Ainda é indicado em nove categorias no BAFTA, o Oscar inglês, onde deve se firmar como favorito; também é indicado em quatro categorias do Sindicato dos Atores; e venceu três Globos de Ouro: melhor filme comédia ou musical, melhor ator em comédia ou musica (Jackman) e melhor atriz coadjuvante (Hathaway).


Hugh Jackman vive Valjean, obviamente, em teoria a voz do protagonista de um musical deveria ser a mais perfeita possível, é um fato que Jackman não possui a voz mais perfeita do elenco masculino, em teoria, mas para o filme sua voz, rouca e triste caiu como uma luva para o personagem, além disso, nos momentos iniciais, Jackman aparece como um homem com medo e apavorado, depois, quando Jean começa a criar Cosette e até sua morte, ele se torna um homem bom, gentil e feliz. Russell Crowe, a melhor voz masculina do elenco, é o Inspetor Javert, um homem misterioso que parece esconder inúmeros segredos acerca de sua vida passada, ainda sim, parece que ela não foi fácil, pois é rancoroso e as feições do ator denotam a criação de um personagem com poucos sentimentos, ainda sim, não devemos esquecer que, durante a trama, o inspetor apenas está realizando seu trabalho. Anne Hathayway é Fantine, com disse, ela canta chorando, dança, sofre, corta os cabelos, vive longe da filha, se sacrifica por amor e acaba morrendo como mais uma das tantas miseráveis, apesar de aparecer pouco, confesso que poucas vezes assisti a uma interpretação tão bela de uma música como a sua principal canção no longa, e a maior canção da história: "I Dreamed a Dream". Amanda Seyfried e Isabelle Allen são Cosette adulta e criança, respectivamente, o pouco que Allen canta é quase inacreditável, e parece que a pequena de dez anos já compreende tudo o que se passa na vida da personagem, Seyfried, por sua vez, acaba sendo menos tocante, pois suas cenas são mais felizes, mas, ainda sim, sua voz continua linda e sua atuação também é ótima. Sacha Baron Cohen e Helena Boham Carter são os reais vilões da história, os Thénardier, sempre digo – e quando digo que faço isso sempre, é porque faço isso sempre – que os vilões atingem seu auge quando nos apaixonamos por eles, ou os compreendemos por completo, ou os odiamos a ponto de sentirmos asco deles, esse dois estão na terceira categoria, são rancorosos, perversos e só pensam em seu bem e no de mais ninguém, portanto, perfeitos vilões.


Toda a arte do filme e sua criação em si é uma obra tão bela a arriscada que é triste não ver Tom Hooper indicado ao Oscar por sua direção brilhante – lembrando que ele venceu a premiação na mesma categoria, além de melhor filme, com “O Discurso do Rei (2010) -, ainda mais lembrando de sua indicação no Sindicato dos Diretores, entretanto, tal fato não faz com que “Os Miseráveis” se torne digno de pena ou não mereça ser visto, muito pelo contrário, o filme é de uma beleza única, tanto o é que se torna impossível achar muitos defeitos, que não o fato de ser demasiadamente longo. Apesar de parecer uma adaptação da Broadway que apenas deseja ganhar dinheiro, “Os Miseráveis” vai muito além disso, ele retoma tudo o que a obra literária desejou repassar ao mundo. No final das contas, esse filme nada mais é que uma apelação positiva sobre como devemos aceitar as diferenças, pois, não importa se somos homens ou mulheres, pretos ou brancos, heterossexuais ou homossexuais, pobres ou ricos, americanos ou europeus, feios ou belos, somos todos iguais, viemos todos de lugares semelhantes, iremos todos para o mesmo lugar, afinal, mesmo com todas as evoluções e utópicas transformações ocorridas durante a história de nossa humanidade, somos todos eternos incorrigíveis miseráveis, aos resta, apenas, lutar, sonhar, esperar e amar.




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