Um retrato fantástico de uma sociedade
preconceituosa que ganharia muito mais se deixasse a intolerância de lado. Seu
único defeito: exageradamente longo para um musical.
Nota: 9,5
Título Original: Les Misérables
Direção: Tom Hooper
Elenco: Hugh Jackman, Russell Crowe, Anne Hathaway, Amanda Seyfried,
Sacha Baron Cohen, Helena Boham Carter, Eddie Redmaine, Aaron Tveit, Samantha
Barks
Produção: Tim Bevan, Eric Fellner, Debra Hayward, Cameron Mackintosh
Roteiro: William Nicholson, James Fenton, Alain Boublil (história),
Jean-Mark Natek, Herbet Kretzmer (músicas), Victor Hugo (romance) e
Claude-Michael Schönberg
Ano: 2012
Duração: 157 min.
Gênero: Musical / Drama
Jean Valjean, após 19 anos, é um
criminoso recém liberto que será obrigado a passar a vida apresentando-se uma
vez por ano para a justiça francesa. Seu hediondo crime? Roubar um pão para o
seu sobrinho que estava quase morrendo. Após ser acolhido e beneficiado por um
bom padre, Jean decide mudar sua vida. Anos depois ele acaba conhecendo
Fantine, uma bela mulher que trabalha duro para ajudar sua filhinha que mora
com o pai e a madrasta. Por motivos que apenas o destino compreende, Fantine
morre, mas Jean se vê obrigado a encontrar Cosette, a filha, e criá-la como
sua. Para isso, eles fogem a vida toda da polícia. Nove anos depois, porém, os
rebeldes se revelam contra o governo autoritário da França e a vida de todos os
envolvidos mudará para sempre.
O filme é um musical que se passa na
França pós Revolução Francesa, época em que o país se tornou um lugar terrível
para se morar, afinal, toda a forma de governo era incerta e deixava a
população a mercê da fome, do desemprego, das doenças, da sujeira e da falta de
organização social e, assim sendo, a miséria corroia todo o país como um tumor
em um homem. E é bem isso que Victor Hugo, autor da maravilhosa obra literária
na qual o longa foi baseado, deseja criticar: não havia maneira de deixar que
tudo o que seus olhos franceses viam permanecesse como estava. Na história
temos representações perfeitas de todos os tipo de pessoas que habitavam o país
– destacando-se os pobres -, são elas: Jean Valjean, o ex-presidiário que foi
preso por 19 anos por roubar pão para o sobrinho (uma crítica clara de como não
havia nada do mais básico para a população, pergunto-me, será que nem brioches
mais eram distribuídos ao povo?); Inspetor Javert, o retrato da polícia falha
que se importava com pequenos casos ao invés de olhar para todos os grandes
problemas em volta; Fantine, uma jovem que teve de deixar a filha com o pai –
um malandro da pior espécie – e ainda é obrigada a enviar todo o pouco dinheiro
que ganha para o canalha “sustentar” a menina; Cosette, a parte inocente e sem
culpa da história, mal tratada pelo pai e pela madrasta que a tratam como uma
empregada, mas vê sua vida melhorar ao ser acolhida por Valjean; Thénardier, o
pai de Cosette, um canastrão proprietário de uma estalagem, ele e a esposa,
Madame Thénardier, roubam seus clientes a torto e direito, no entanto, não são
punidos por ninguém; Marius, o jovem de origem rica que deseja a igualdade
entre as classes; Enjolras, jovem de origem humilde que se junta a Marius por
uma França melhor e mais justa; o avô de Marius e seus amigos e conhecidos
ricos, pessoas favorecidas por nascimento ou sorte, pouco vistas no filme, mas
as mais criticadas. O filme, como disse, é um musical, mas não um musical
simples, daqueles em que há diálogo e músicas, mas onde os diálogos são
transformados em música. Confesso que esse gênero “musical sem falas” não me
conquista com qualquer enredo ou rima barata, nesse contexto, qual foi minha
surpresa ao ver um filme equilibrado onde a música é o que mais importa para
deixá-lo interessante. O único problema fica a cargo da duração, apesar de um
ótimo musical, filmes do gênero que tem mais de duas horas são um risco
tremendo.
O
longa é indicado em oito categorias no Oscar: melhor filme, apesar de poucas chances, é um dos cinco favoritos na
disputa; melhor ator, para Hugh Jackaman,
mesmo que atuação seja tocante e tenha cantado – o que a Academia adora -, o
prêmio já é de Daniel Day-Lewis por “Lincoln” (2012); melhor atriz coadjuvante
para Anne Hathaway, ela dançou, fez a vez da prostituta que não queria tal
emprego, cortou os cabelos no próprio filme, cantou chorando e morreu como uma
literal miserável, tudo o que a academia quer; melhor direção de arte, o filme é escuro em alguns momentos e tem a
luz perfeita em outros, seu maior concorrente é “As Aventuras de Pi”; melhor figurino, apesar de ser muito
bonito e diferenciado, o favorito é “Anna Karenina”, um filme mais de época e
com roupas mais extravagantes; melhor
maquiagem, acredito que o prêmio esteja entre “Hitchcock” e “O Hobbit”, sem
chances para “Os Miseráveis”, que roubou o lugar de “Lincoln” na categoria; melhor mixagem de som, seria o prêmio
mais merecido, pois as músicas não foram dubladas, estão, portanto, em seu
áudio original, algo muito difícil para qualquer filme; melhor canção, para “Suddenly” de Hebert Kretzman, Claude-Michel
Schönberg e Alain Boublil, interpretada por Hugh Jackman, seu único
concorrente de peso é “Skyfall”, a música que Adele compôs para o novo 007. Ainda
é indicado em nove categorias no BAFTA, o Oscar inglês, onde deve se firmar
como favorito; também é indicado em quatro categorias do Sindicato dos Atores;
e venceu três Globos de Ouro: melhor filme comédia ou musical, melhor ator em
comédia ou musica (Jackman) e melhor atriz coadjuvante (Hathaway).
Hugh Jackman vive Valjean, obviamente,
em teoria a voz do protagonista de um musical deveria ser a mais perfeita
possível, é um fato que Jackman não possui a voz mais perfeita do elenco
masculino, em teoria, mas para o filme sua voz, rouca e triste caiu como uma
luva para o personagem, além disso, nos momentos iniciais, Jackman aparece como
um homem com medo e apavorado, depois, quando Jean começa a criar Cosette e até
sua morte, ele se torna um homem bom, gentil e feliz. Russell Crowe, a melhor
voz masculina do elenco, é o Inspetor Javert, um homem misterioso que parece
esconder inúmeros segredos acerca de sua vida passada, ainda sim, parece que
ela não foi fácil, pois é rancoroso e as feições do ator denotam a criação de
um personagem com poucos sentimentos, ainda sim, não devemos esquecer que,
durante a trama, o inspetor apenas está realizando seu trabalho. Anne Hathayway
é Fantine, com disse, ela canta chorando, dança, sofre, corta os cabelos, vive
longe da filha, se sacrifica por amor e acaba morrendo como mais uma das tantas
miseráveis, apesar de aparecer pouco, confesso que poucas vezes assisti a uma
interpretação tão bela de uma música como a sua principal canção no longa, e a maior canção da história: "I Dreamed a Dream".
Amanda Seyfried e Isabelle Allen são Cosette adulta e criança, respectivamente,
o pouco que Allen canta é quase inacreditável, e parece que a pequena de dez
anos já compreende tudo o que se passa na vida da personagem, Seyfried, por sua
vez, acaba sendo menos tocante, pois suas cenas são mais felizes, mas, ainda
sim, sua voz continua linda e sua atuação também é ótima. Sacha Baron Cohen e
Helena Boham Carter são os reais vilões da história, os Thénardier, sempre digo
– e quando digo que faço isso sempre, é porque faço isso sempre – que os vilões
atingem seu auge quando nos apaixonamos por eles, ou os compreendemos por
completo, ou os odiamos a ponto de sentirmos asco deles, esse dois estão na
terceira categoria, são rancorosos, perversos e só pensam em seu bem e no de
mais ninguém, portanto, perfeitos vilões.
Toda a arte do filme e sua criação em si
é uma obra tão bela a arriscada que é triste não ver Tom Hooper indicado ao
Oscar por sua direção brilhante – lembrando que ele venceu a premiação na mesma
categoria, além de melhor filme, com “O Discurso do Rei (2010) -, ainda mais
lembrando de sua indicação no Sindicato dos Diretores, entretanto, tal fato não
faz com que “Os Miseráveis” se torne digno de pena ou não mereça ser visto,
muito pelo contrário, o filme é de uma beleza única, tanto o é que se torna
impossível achar muitos defeitos, que não o fato de ser demasiadamente longo.
Apesar de parecer uma adaptação da Broadway que apenas deseja ganhar dinheiro,
“Os Miseráveis” vai muito além disso, ele retoma tudo o que a obra literária
desejou repassar ao mundo. No final das contas, esse filme nada mais é que uma
apelação positiva sobre como devemos aceitar as diferenças, pois, não importa
se somos homens ou mulheres, pretos ou brancos, heterossexuais ou homossexuais,
pobres ou ricos, americanos ou europeus, feios ou belos, somos todos iguais,
viemos todos de lugares semelhantes, iremos todos para o mesmo lugar, afinal,
mesmo com todas as evoluções e utópicas transformações ocorridas durante a
história de nossa humanidade, somos todos eternos incorrigíveis miseráveis, aos
resta, apenas, lutar, sonhar, esperar e amar.
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