Dessa vez, um soco no estômago à moda
brasileira.
Nota; 8,8
Título Original: O Beijo no Asfalto
Direção: Bruno Barreto
Elenco: Ney Latorraca, Christiane
Torloni, Lídia Brondi, Tarcísio Meira Oswaldo Loureiro, Daniel Filho
Produção: Fábio Barreto e Luiz Carlos
Barreto
Roteiro: Doc Comparato e Nelson
Rodrigues (teatro)
Ano: 1981
Duração: 80 min.
Gênero: Drama
Enquanto Arandir e seu sogro, Aprígio,
estão passando por uma avenida, um homem é atropelado e, em seu leito de morte,
é socorrido por Arandir, do qual o moribundo pede um beijo na boca. Arandir,
comovido com o último pedido do homem, o beija na boca na frente de todos. Um
jornalista que passava pelo local vê tudo, tira fotos, toma nota do nome dos envolvidos
e, logo no outro dia, com a ajuda do delegado Cunha, todos ficam sabendo do
ocorrido. Apesar de sempre ter sido um marido maravilhoso, até a esposa de
Arandir, Selminha, acaba desconfiando da sexualidade do marido. Assim sendo, a
confusão está armada, pois se a esposa desconfia, imagine o restante do povo.
As histórias escritas por Nelson
Rodrigues ficaram conhecidas mais por sua excentricidade que pela qualidade ou
criatividade, não que ele não fosse um mestre no que escrevia, mas a forma
despudorada com a qual tratava e criticava os hábitos da sociedade era mais
agressiva, pois ele parecia não se importar com as opiniões alheias, muito
menos com o conservadorismo. Nessa peça, por exemplo, Rodrigues trás uma
história verídica um pouco adaptada: na realidade, foi um homem atropelado a
pedir um beijo de uma mulher, e não de outro homem. Não é preciso dizer que a
sociedade brasileira da época achou tudo aquilo um absurdo, e quando foi feita
a adaptação da peça para o cinema não foi diferente – ou melhor, foi pior. No
filme já podemos observar a reação de algumas pessoas próximas a Arandir (como
a esposa e alguns vizinhos) que desconfiam dele e chegam a dizer que viram o
morto rondando a rua à procura de Arandir semanas antes do acontecido; além
deles, temos os colegas de trabalho, que agem da mesma forma que os vizinhos; e
pior: a própria viúva, com medo que descubram que ela mesma tinha um amante,
chega a dizer que certa vez viu Arandir em sua casa, tomando banho com o
marido. É claro que todos esses desentendimentos são ocasionados pelos maiores
criticados de Nelson Rodrigues nessa história: os jornalistas. Representados
por Amando Ribeiro, os jornalistas são vistos como pessoas malignas que não
medem esforços para que possam conseguir as notícias que desejam. O problema
técnico do filme acaba sendo a forma amadora com qual todo ele foi realizado,
em pleno início da década de 1980, momento em que as produções que tratavam de
temas sociais estavam sendo tão bem realizadas no restante do mundo, chega a
ser inaceitável como o Brasil peca em reunir um elenco de peso para um enredo
ótimo, esquecendo-se de crucialidades como fotografia, edição de imagem e
edição de som.
Ney Latorraca interpretou Arandir nos
cinemas de forma simples e bem natural, características essenciais para que se
interprete uma personagem popular brasileira, além disso, é fantástico ver as
confusões da personagem que parece já não estar mais encontrando o seu eu
interior, chegando a ter dúvidas, que, obviamente, surgem a partir da
desconfiança alheia. Tarsísio Meira, por outro lado, vive um homem mais rígido,
que insiste para a filha que o marido resolveu assumir suas reais preferências
– o que denota uma paixão incestuosa – acrescente a isso, suas expressões nunca
deixam transparecer nada e parece que ele guarda muitos segredos acerca de sua
própria vida. É ótimo assistir a Christiane Torloni jovem interpretando a
esposa Selminha, que, apesar de sempre dizer que o marido é “macho, muito
macho” – ressaltando que ele não quer que ela engravide para que o ritmo sexual
deles não diminua – começa a estranhar tudo o que está acontecendo e já não
sabe o que fazer. A irmã de Selminha, Dália, é interpretada por Lídia Brondi,
mesmo que tente lutar contra seus sentimentos, a jovem está apaixonada pelo
cunhado – aqui fica a dica: não leve sua irmã para morar em sua casa e de seu
marido – Brondi é um pouco chata no filme, e acaba sendo ofuscada por Torloni.
Por fim, temos os pilantras Amado Ribeiro, interpretado por Daniel Filho, e o
delegado Cunha vivido por Oswaldo Loureiro, costumo dizer que quando atores nos
fazem nos apaixonar, enojar ou admirar vilões, é porque eles atingiram seus
objetivos, esses nos fazem ter asco de cada atitude de suas personagens,
portanto, eles acertam em cheio.
Ao meu ver, existem dois assuntos muitos
polêmicos tratados, e criticados, por Nelson Rodrigues nessa peça: o
preconceito contra homossexuais (além da mania popular de pré-julgar esse ou
aquele por essa ou aquela atitude, no caso o beijo) e a forma ridícula e sem
limites com a qual a imprensa detêm o poder de transformar, e arruinar, vidas
contando mentiras ou distorcendo os fato de qualquer acontecimento. Além disso,
as dúvidas acerca da sexualidade de Arandir não rondam apenas as outras
personagens, e sim ele mesmo. Será que Arandir beijou o moribundo por
compaixão, ou um desejo homossexual louco tomou conta de seu corpo e ele não
resistiu? Ou ele, simplesmente, sentiu remorso ao ver um homem fazendo seu
último pedido e teve de atender sem contestar? Será que Arandir é só mais um tarado
que não perde uma oportunidade, ou será que o mundo precisa de homens mais
gentis, compreensíveis que possam tratar toda a humanidade como verdadeiros
seres humanos, que merecem o que desejam (se fizerem por merecer) até seu
último suspiro? Quem está certo afinal? Afinal, como já levantei em outras
críticas, que decide o que é certo e o que é errado?
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