O maior Reality Show da história prova
apenas uma coisa: a população mundial está cada vez mais alienada.
Nota: 9,2
Título original: The Truman Show
Direção: Peter Weir
Elenco: Jim Carrey, Ed Harris, Laura Linney, Noah emmerich, Natascha
McElhone, Holland Taylor, Brian Delate, Peter Krause, Paul Giamatti, Adam Tomei
Produção: Scott Rudin, Adam Schroeder, Andrew Niccol, Edward Feldman
Roteiro: Andrew Niccol
Ano: 1998
Duração: 103 min.
Gênero: Comédia / Drama
Truman Burbank leva uma vida pacata na
pequena cidade ilhada Seaheaven, possui uma bela esposa, é conhecido e admirado
por todos por esbanjar bondade e simpatia, trabalha em um emprego considerado
ótimo por todos, e até mesmo o cachorro do vizinho o adora. A única coisa que
Truman não sabe que é há trinta anos sua vida vem sendo acompanhada por todo o
mundo em uma espécie de Reality Show, onde ele é o protagonista em uma vida totalmente
forjada. Entretanto, estranhos acontecimentos farão Truman questionar a
perfeição de sua vida e tentar buscar a verdade. E é sabido: a audiência nunca
é tão alta quanto no momento em que o protagonista idiota descobre as verdades.
O australiano Peter Weir já era
conhecido quando assumiu a liderança de “Truman”, dentre seus principais filmes
temos “A Testemunha” (1985), “Sociedade dos Poetas Mortos” (1989), “Sem Medo de
Viver” (1993) e “Mestre dos Mares – O Lado Mais Distante do Mundo” (2003).
Tendo essas produções em vista, não podíamos esperar algo menos que ótimo. E o
que nos é apresentado supera essa classificação, nem tanto pelo trabalho do
diretor, e sim por um roteiro quase que inacreditável de Andrew Niccol. Digo
que o trabalho é quase inacreditável por esse ser o único trabalho do
roteirista que realmente acredito ser sublime, pois é maravilhosa a forma como
ele consegue criticar o quanto estamos sendo guiados pela indústria do
entretenimento, esquecendo nossas próprias raízes e deixando aquela
personalidade individual que definia cada ser humano como único de lado. No filme,
temos a representação exata dessa massa que depende de televisões, por exemplo,
para viver e guiar toda sua vida, ou seja, para essas personagens,
representadas por garçonetes, velhinhas e seguranças, é essencial estar
acompanhando algum programa de televisão o tempo todo para que a vida seja
completa. Em contraponto a isso, temos os que fazem os programas que determinam
a forma como as pessoas levam sua vida, aqui representados pelos “colegas de
trabalho” de Truman e pelo criador louco dessa “telenovela” que completa trinta
anos. Nesse contexto, é bom lembrar que tudo o que vemos na cidade em que
Truman mora é irreal, ou melhor dizendo, a própria ilha, o mar, o céu, o sol e
a lua são a maior construção humana que, ironicamente dito por um repórter durante
o filme, ao lado da Muralha da China, a única construção humana vista do
espaço. Outra ironia ótima são as propagandas dos produtos durante a trama: sem
mais nem menos uma personagem ou outra elogia um ou outro produto. Por fim, é
preciso deixar claro que não se pode assistir a esse filme como se assiste a
qualquer outra produção, é necessário estar atento para cada sacada e nuance
propostos pelo roteiro, e tentar se colocar um pouco no lugar de cada
personagem para tentar compreender suas vidas e seus desejos, no caso de
Truman, descobrir a verdade, no caso de Christof, permanecer controlando uma
parte do mundo, afinal, mesmo que ela seja minúscula e fictícia, ela controla
boa parte do planeta.
Não simpatizo muito com Jim Carrey em
suas interpretações em comédias, talvez seja por isso que nesse filme ele se
torne quase agradável, isso por que nos momentos dramáticos ele está ótimo,
deixando de lado aquele tom de comédia quase insuportável em seu rosto, já nos
momentos em que ele deveria ser natural, parece que ele não atinge esse
objetivo, voltando a sua forma chata de comediante nato que ele gostaria de
ser, em contraponto, ainda temos os momentos irônicos em que o ator mostra como
todos permanecemos crianças ou adolescentes por toda a vida. O sempre ótimo Ed
Harris vive o demente Christof, chegando a nos conquistar e nos fazer sentir
pena de sua personagem em alguns momentos (após trinta anos ele não consegue
deixar o programa terminar pra revelar a Truman a verdade), o ator está em uma
de suas melhores performances, todavia, o mais incrível não está em como o
mesmo se apresenta pronto para dar vida a essa complexa personagem, e sim os
olhares lançados por Harris na pele de Christof em cada uma das cenas nas quais
aparece. Laura Linney é a atriz Hannh Gill, que interpreta (dentro no Show de
Truman) a esposa do protagonista, Meryl Burbank, ainda que a atuação de Linney
seja excelente ela aparece pouco, nos restando apenas uma grande cena relevante
(Truman está quase descobrindo a verdade e está enlouquecido, em um ato de
desespero e na tentativa de acabar com aquilo ela oferece um produto ao
“marido”, fazendo aquelas propagandas ridículas, ao passo que ele se revolta
mais ainda e ameaça matá-la, o melhor amigo de Truman – também um ator – chega
na casa dos dois e ela o abraça dizendo que não aguenta mais), o resultado é
simples e bem esperado, mais uma crítica a banalidade do entretenimento: ela é
substituída. Noah Emmerich é o tal melhor amigo de Truman, Marlon, em sua
interpretação na interpretação ele não passa de mais um peão comandado, o tempo
todo, por Christof, o surpreendente é como ele consegue permanecer frio e
indiferente perante ao desespero de um homem que ele viu crescer, ou melhor, de
um homem que cresceu ao seu lado, digo, é desumana a forma como parece que ele
não sente nada por Truman, afinal, são trinta anos um ao lado do outro.
Não posso deixar de falar que o filme
generaliza muito o que o entretenimento pretende fazer e que nem todas as
pessoas possuem a mesma intenção de manipular a vida dos espectadores ( a
maioria sim, mas resta uma pequena parcela que faz arte pelo simples prazer de
levar um pouco mais de cultura ao mundo) e, convenhamos, se formos tratar
apenas do segmento abordado no filme – Reality Shows – não há cultura alguma
nesses programas, ao contrário do que vemos em novelas, seriados e filmes de
televisão ou cinema. Entretanto, no final das contas, esse roteiro estranho e, aparentemente
sem nexo algum (durante o desenrolar da trama acabamos compreendendo como é que
Truman não descobriu a verdade durante tanto tempo) nos mostra aquilo que todos
sabemos, mas insistimos em ignorar: somos controlados por uma indústria de
entretenimento (de qualidade ou não) que aliena cada ser humano da terra, e não
adianta dizer ou pensar que com você isso ocorre de forma contrária, nascemos e
morremos tendo nossa personalidade moldada por essa indústria, por um simples
motivo, se você não a acompanha, se torna exatamente aquilo que ela determina
que você deve se tornar, digo, é ela que escolhe o que é bom e o que é ruim, na
prática, o ruim se prevalece, tornando-se a “modinha” da vez, e o que deve ser
o produto de qualidade se torna o “contrário” citado acima. E essa afirmação se
faz mais verdadeira ainda no desfecho da trama, que nos mostra que não importa
o que aconteça com o resto do mundo, quando chegar a hora, outros incontáveis
programas estarão a nossa espera para nos moldar ainda mais no padrão criado
pelo entretenimento, e, finalmente, me reservo ao direito de começar a falar
sobre como políticos e bilionários influenciam esse meio. Por fim, “O Show de
Truman” apenas revela a verdade: podemos fazer o que quisermos, jamais
estaremos livres da influência em massa.
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