segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

106. OS SONHADORES, de Bernardo Bertolucci


Uma visão sobre a vida moderna como somente Bernardo Bertolucci poderia apresentar.
Nota: 9,0


Título Original: The Dreamers
Direção: Bernardo Bertolucci
Elenco: Michael Pitt, Louis Garrel, Eva Green, Anna Chancellor, Robin Renucci, Jean-Pirre Kalfon, Jean-Pierre Léaud, Florian Cadiou, Pierre Hancisse, Valentin Merlet, Lola People, Ingy Fillion
Produção: Hercules Bellville, John Bernard, Jeremy Thomas e Peter Watson
Roteiro: Gilbert Adair (romance e roteiro)
Ano: 2003
Duração: 115 min.
Gênero: Drama / Romance

Matthew é um jovem apaixonado pela Sétima Arte que, na década de 1960, vai passar um tempo em Paris, na França, para aprender o idioma local e explorar mais sua paixão. Durante um tempo, o adolescente permanece meio deslocado e sozinho com seus pensamentos, entretanto, ao conhecer Theo e Isabelle, dois irmãos, também loucos pelo cinema, sua vida muda completamente. É com a dupla que Matthew conhece os maiores prazeres da vida, vive simples emoções e conhece desejos e anseios que nem sabia serem possíveis em um ser humano.


Na década de 1960, o cinema europeu vivenciou um de seus maiores auges. Aproveitando o declínio das grandes produtoras de Hollywood, estúdios como o inglês Pinewood Studios e o italiano Cinecittà entraram de vez na Sétima Arte para fazer história. Além disso, foi nessa mesma década que grandes produções foram realizadas, tais como: “Jules e Jim” (1962) de François Truffaut, “A Doce Vida” (1960) de Federico Fellini, “007 Contra o Satânico Dr. No” (1962) o início da série de 23 filmes do agente, “A Fonte da Donzela” (1960) de Ingmar Bergman, “Doutor Jivago” (1965) de David Lean, “Ontem, Hoje e Amanhã” (1963) de Vittorio de Sica, “A Bela da Tarde” (1967) de Luis Buñuel, “Flor de Cacto” (1969) de Gene Saks, entre tantos outros. Foi também na final dos anos 60, mais precisamente em maio de 1968, que os jovens franceses provocaram a eclosão da Revolução Cultural, que rompeu com os padrões familiares e dos costumes em toda a Europa, trazendo inovações em todos os campos das artes. Nesse contexto, é claro que o cinema, sendo a última das sete artes, foi um dos maiores contribuintes, foi nessa época, também, que Bertolucci, com quase trinta anos, iniciou como diretor no cinema, e, logo com a chegada da década de 1970, consagrou-se como um dos diretores mais inovadores de todos os tempos com o inesquecível longa protagonizado por Maria Schneider e Marlon Brando, “Último Tango em Paris” (1972). Em “Os Sonhadores”, todo esse estilo clássico – quando digo “clássico” me refiro ao estilo do próprio diretor -, volta de forma inacreditável. Aqui sinto a obrigação de fazer uma ressalva: aos que já assistiram ao filme com Brando, não pensem que verão algo mais decente e com mais pudor que o que o diretor havia feito há trinta anos antes desse; aos que nunca assistiram a nada realizado pelo diretor ou não leram ao livro em que a produção foi baseada, é bom se preparam para um filme forte com muita nudez e alguns momentos constrangedores - para os conservadores – envolvendo sexo; aos que leram a obra, as características homossexuais entre os dois protagonistas é mais disfarçada. A respeito da homossexualidade, é preciso dizer que Bertolucci não a mostra nem explora de forma aberta, afinal, com todas as excentricidades presentes em todo o enredo, trazer mais esse tabu seria algo muito arriscado e pretensioso, acrescente a isso, podemos observar algumas indiretas em meio a esse “quase triângulo amoroso”, o que não excluí totalmente a possibilidade de haver uma relação homossexual na trama. Sobre todos os momentos que envolvem sexo ou nudez – que são vários – é preciso deixar claro: os irmãos convidam Matthew para passar um mês na casa deles enquanto os pais viajam, e, convenhamos, é óbvio que quando um adolescente resolve passar um mês infurnado na casa de dois amigos, sendo um deles uma garota e sendo, os dois, irmãos gêmeos do tipo inseparáveis que chegam a dormir nus e juntos, seria inevitável que não se tornasse um festival sexual, entretanto, tudo isso não é apenas um apelo feito pelo diretor ou pelo roteiro, e sim, uma referência perfeita de como os jovens da época desejavam mudar tudo o que se aproximasse aos padrões estéticos ditados pelas sociedades passadas.


Em contra ponto a esse rompimento com os costumes, os filmes clássicos venerados pelos amantes do cinema estão mais presentes do que nunca. Sendo assim, vemos várias passagens de alguns deles, vários pôsters de grandes filmes, diretores e artistas, algumas referências nas falas ou diálogos e, principalmente, a importância nos momentos em que se faz uma aposta: adivinha-se o nome de algum filme sendo encenado por um dos jovens, se a resposta estiver errada, paga-se com algum desafio, uma estilização do clássico jogo conhecido por todos os jovens no Brasil como “verdade ou desafio”, mas com mais originalidade e bom gosto. Dentre os longas a que se faz referência temos:
-          “Bande à Part” (1964), dirigido por Jean-Luc Godard: o trio de protagonistas revive a cena em que os protagonistas do filme original tentam quebrar o recorde de percorrer todo o museu do Louvre em menos de 9 minutos e 43 segundos;
-          “Rainha Christina” (1933), dirigido por Rouben Mamoulian: Isabelle imita a estrela Greta Garbo, dizendo “memorizing this room”, referindo-se ao quarto em que Matthew dorme pela primeira vez na casa dos irmãos;
-          “Mouchett, a Virgem Possuída” (1967), dirigido por Robert Bresson: enquanto Isabelle tenta matar os três com gás de cozinha, vemos cenas do suicídio de Mouchette;
-          “O Picolino” (1935), dirigido por Mark Sandrich: protagonizado por Fred Astaire e Ginger Rogers – um dos maiores casais que atuaram no cinema -, faz parte de uma das brincadeiras do “desafio”;
-          “A Vênus Loira” (1932), dirigida por Josef Von Sternberg: em mais um desafio, Isabelle relembra uma das cenas do filme protagonizado por Marlene Dietrich, o problema é que Theo perde o desafio, e o que é exigido por Isabelle não é nada agradável;
-          “Scarface” (1932), dirigido por Howard Hawks e Richad Rosson: dessa vez Theo relembra uma cena de morte e ganha de Isabelle e Matthew e eles são forçados a realizar algo bem mais estranho do que Isabelle exigiu de Theo;
-          “Juventude Transviada” (1955), dirigido por Nocholas Ray: um dos maiores filmes da época no cinema, protagonizado por James Dean e Natalie Wood, Matthew responde a Theo que seu filme preferido de Ray é “Rebel Without a Cause”;
-          Além disso, os longas “O Homem das Novidades” (1928), dirigido por Edward Sedgwick, e “Luzes da Cidade” (1931), um clássico dirigido por Charlie Chaplin: Theo e Matthew discutem sobre quais dos protagonistas dos longas eram melhores comediantes: Theo ficava com Chaplin, protagonista do próprio longa, e Matthew preferia Buster Keaton, protagonista do filme de Sedgwick.
A série de televisão “Dawson’s Creek” (1998 – 2003) trouxe uma porção de novos talentos para a televisão e o cinema mundial. Um deles foi o ator Michael Pitt, conhecido por sua grande participação na premiada “Boardwalk Empire” (2010 – 2011), onde foi dirigido e produzido por Martin Scorsese. Como Matthew, Michael apresenta um jovem realmente apaixonado por cinema que encontra em Paris uma cidade que pode entender sua paixão, todavia, quando o personagem encontra com os novos amigos, Pitt demonstra como um garoto sem nenhuma inocência pode se surpreender quando chega a um lugar desconhecido e encontra duas pessoas tão excêntricas e dispostas a mudar todo o mundo para serem felizes. A outra parte masculina do longa, Theo, é vivido por Louis Garrel, apesar de o intérprete não ser conhecido e ter tido pouco experiência antes dessa produção, sua atuação é tão significativa quanto a de Pitt, se não mais que a do protagonista, pois as confusões que a personagem enfrenta sem saber qual a dimensão do amor que sente pela irmã e quais seus reais sentimentos quanto ao novo amigo fazem de seu personagem um enigma que vai sendo desvendado durante a trama. Os dois atores seguram bem a idéia de deixar no ar a suposta homossexualidade entre eles. Esse foi o primeiro filme de Eva Green, intérprete de Isabelle, após esse, a atriz fez, no mínimo, mais cinco filmes de sucesso nos cinema, incluindo o recente “Sombras da Noite” (2012), sua personagem, bem como a de Garrel, possui perguntas sem respostas, assim como nos faz questionar centenas de coisas, talvez essa seja a melhor interpretação da atriz em toda sua carreira, pois é nesse papel que atinge a naturalidade e a inocência necessária para viver essa jovem. Curiosamente, os três atores encaram a nudez – que inclui detalhes de seus órgãos sexuais e um contato um pouco exagerado entre seus corpos – de forma muito normal e não se envergonham com seus corpos.


No final das contas, como já apontei, o filme pode ser visto sobre dois aspectos: aqueles que não estão familiarizados com Bertolucci, que verão no longa um grande festival de sacanagem sem sentido, e nos que já viram alguma coisa do diretor, que analisarão o filme sobre um aspecto mais crítico, e verão que a produção não passa de uma crítica sobre o mundo perfeito e cheio de esteticidade de ontem, uma reflexão sobre o mundo da década de 1970 (final da de 1960), onde os jovens estavam com os hormônios a flor da pele e se adequavam ao padrão que fugia dos padrões, a era “sexo, drogas e rock’n roll” – que, obviamente, atingiu o cinema em cheio, trazendo grandes nomes como Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, George Lucas, Robert Altman,  e Steven Spielberg, o que pode ser conferido mais a fundo no livro de Peter Biskind, “Como a Geração Sexo, Drogas e Rock’n Roll salvou Hollywood”. Nesse contexto, o filme se torna uma reflexão de como somos alienados, de como desejamos coisas que não são necessárias, como nos tornamos dependentes de uma indústria que deseja mais vender do que realizar coisas de qualidade, uma reflexão sobre como o mundo era, como deveria ser e como acabou se tornando. Uma análise sobre o mundo de hoje sob o olhar de ninguém mais, ninguém menos que o grande mestre da sétima arte Bernardo Bertolucci.


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Um comentário:

  1. Um filme cativante. Os Sonhadores é uma história interessante e cativante amor diretamente ligada ao contexto político-cultural aconteceu na primavera de '68 tumultos na cidade de Paris, capturando perfeitamente cenários e ambientes. Uma fita sedutor, com um grande elenco sobre todos os atores de cinema Eva Green (Isabelle) e Louis Gardel (Theo), surpreso com a simplicidade e graça encarnado quando alguns personagens e complexo coloridas, como Michael Pitt, que, completando o trio, e ao abrigo de um apático, alucinado enquanto aparentemente atira trabalho com interpretação meticuloso, embora às vezes um pouco inútil. No geral, é um drama de amor cheio de ideais e descobertas que adora o cinema.

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